terça-feira

UMBERTO D.

UMBERTO D. (Umberto D., 1952, Rizzoli Film/Produzione Films Vittorio De Sica/Amato Film, 89min) Direção: Vittorio De Sica. Roteiro: Cesare Zavattini. Fotografia: G.R. Aldo. Montagem: Eraldo da Roma. Música: Alessando Cicognini. Direção de arte/cenários: Virgillio Marchi/Ferdinando Ruffo. Elenco: Carlo Battisti, Maria Pia Casillo, Lina Gennari, Ileana Simova. Estreia: 10/01/52 (Festival de Punta Del Este)

Indicado ao Oscar de Roteiro Original

Umberto Domenico Ferrari (Carlo Battisti) não está em seus melhores dias. A aposentadoria que recebe do governo italiano mal serve para suas despesas pessoais, e está em vias de ser despejado do quarto que aluga há vinte anos em uma pensão. Sem família e sem amigos com os quais possa contar, ele encontra apoio apenas em seu cachorro de estimação, Flike, e em Maria (Maria Pia Casillo), funcionária da pensão que acaba de se descobrir grávida (ainda que não saiba com certeza quem é o pai). Sua maior urgência é conseguir dinheiro para pagar os aluguéis atrasados, mas nem a venda de seu relógio e de seus livros mais queridos são suficientes para atingir o valor total exigido pela fria Antonia (Lina Gennari) - que não tem a menor hesitação em usar seu quarto para prostituas quando ele não está em casa. Desesperado, Umberto se utiliza de artifícios - como fingir uma doença para ficar hospitalizado e adiar seus problemas -, mas não consegue abandonar seu fiel Flike, uma espécie de lembrança constante de lealdade e carinho. Estoico e resiliente (e um bocado esperto), Umberto D. é também o personagem-título do filme de Vittorio De Sica imediatamente após o estrondoso sucesso de "Ladrões de bicicleta" (1948). Emocionante e por vezes com um senso de humor inesperado, "Umberto D." faz uso inteligente das características do neorrealimo italiano enquanto seduz a plateia com um protagonista com o qual é impossível não simpatizar.

Se em Hollywood existe uma regra não escrita que dita que trabalhar com crianças e animais é o jeito mais certo de ser eclipsado, na carreira de Vittorio De Sica (ao menos durante o neorrealismo) a história é bem diferente. Enquanto em "Ladrões de bicicleta", o protagonista dividia a tela e as atenções com seu filho pequeno, que roubava as cenas sem pestanejar, em "Umberto D." o cineasta aposta - e acerta - no relacionamento entre seu personagem principal e um adorável cachorrinho. Apesar disso, não é um filme com apelo melodramático ou simples em excesso: o roteiro, sofisticado em sua simplicidade aparente, conquista o espectador sem fazer muita força, apresentando seus personagens e dramas pessoais com leveza e respeito. O equilíbrio de "Umberto D." entre a comédia quase inocente e o drama com brutais conotações realistas é um trunfo dos mais valiosos, e conduz o público por uma viagem sentimental (mas não piegas) rumo ao coração da sociedade italiana - ainda sofrendo as consequências da guerra e apresentando mazelas sociais pungentes. Não à toa, De Sica conta com coadjuvantes igualmente desnorteados - como Maria, escondendo a gravidez para não ser mandada embora, e Antonia, o poder financeiro que humilha os menos favorecidos enquanto canta alegremente em reuniões em sua casa.


A travessia de Umberto para conseguir dinheiro suficiente para pagar suas dívidas e manter-se ao lado de Flicke - uma companhia silenciosa mas que reafirma a sensibilidade do protagonista - passa por diversos níveis de desigualdade e desespero. Umberto come em um restaurante que dá comida aos necessitados (e alimenta seu cão secretamente), frequenta um hospital que pode lhe dar um lugar para dormir e entra em pânico diante da possibilidade de seu amigo de quatro patas ter sido morto pela carrocinha da cidade, durante sua falsa doença. De Sica consegue, ao mesmo tempo, mexer nas feridas pós-guerra e apresentar ao espectador uma história com sabor universal. Para isso, conta com a atuação sensível de Carlo Battisti, que transmite à plateia toda a angústia e esperteza de seu personagem, despertando dó e admiração na medida certa. É difícil ficar imune às sequências em que ele é obrigado a se desfazer de objetos queridos para conseguir pagar o aluguel - uma realidade ainda presente em muitos países, Brasil incluído. O que o público vê na tela não é apenas fruto da imaginação de um cineasta com preocupações sociais, e sim o retrato de uma parcela da população que nunca sabe de onde virá o próximo pagamento.

Dedicado ao pai do cineasta, "Umberto D." era o filme preferido de ninguém menos que Ingmar Bergman e foi eleito pela Associação de Críticos de Nova York como o melhor filme estrangeiro da temporada  (em empate com o genial "As diabólicas", de Henri-Georges Clouzot). É um filme sobre pessoas, sobre sentimentos, sobre dificuldades, mas, sobretudo, é um filme que ainda consegue emocionar e aquecer o coração. Menos sufocante que "Ladrões de bicicleta" - cujo desenvolvimento deixava o espectador em constante sofrimento -, é uma produção que pode arrancar lágrimas da audiência, mas que jamais busca a emoção fácil. Clássico europeu absoluto, é (mais uma) prova do talento de Vittorio De Sica em falar aos mais puros sentimentos da platéia. Um filme para ver, rever e admirar cada vez mais.

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