CYRANO (Cyrano, 2021, MGM Pictures/Working Title Films/BRON Studios, 123min) Direção: Joe Wright. Roteiro: Erica Schmidt, musical de sua autoria, peça teatral original de Edmond Rostand. Fotografia: Seamus McGarvey. Montagem: Valerio Bonelli. Música: Aaron Dessner, Bryce Dessner. Figurino: Massino Cantini Parrini, Jacqueline Durran. Direção de arte/cenários: Sarah Greenwood/Katie Spencer. Produção executiva: Matt Berninger, Carin Besser, Jason Cloth, Aaron Dessner, Bryce Dessner, Aaron L. Gilbert, Erica Schmidt, Sheeraz Shah, Kevin Ulrich, Lucas Webb, Sarah-Jane Robinson. Produção: Tim Bevan, Eric Fellner, Guy Helley. Elenco: Peter Dinklage, Haley Bennett, Kelvin Harrison Jr., Ben Mendelsohn, Monica Dolan, Glen Hansard. Estreia: 02/9/2021 (Festival de Telluride)
Indicado ao Oscar de Figurino
Escrita por Edmond Rostand em 1897, "Cyrano de Bergerac" tornou-se, com o passar do tempo, uma das peças teatrais mais montadas da história - e um ícone cultural dos mais duradouros, atravessando gerações sempre com o mesmo sucesso. Parte da responsabilidade de tal perenidade deve-se ao cinema, que em várias ocasiões aproveitou-se para adaptar o texto do dramaturgo francês para as telas - caso da versão estrelada por José Ferrer em 1950 (que deu ao ator o Oscar da categoria) e da transposição estrelada por Gérard Depardieu em 1990 (que também foi indicada à estatueta de melhor ator). A mais nova tradução de Rostand para o público cinéfilo, lançada em 2021, prova que, apesar de tudo, a força de sua história ainda se presta a novos olhares e inovações estilísticas. Dirigido por Joe Wright, "Cyrano" não apenas ousa em transformar a tragédia em musical como altera o principal elemento do texto, fazendo de seu protagonista não um homem que sofre com um nariz descomunal, mas um talentoso soldado torturado por sua condição de anão. Beneficiado com o talento inegável de Peter Dinklage - aproveitando o sucesso de seu trabalho na série "Game of thrones" -, o Cyrano de Wright em nada deixa a desejar em relação a seus antecessores, apesar de ter sido praticamente ignorado pela Academia e outras cerimônias de premiação.
Na verdade, a versão de Wright é uma adaptação indireta do clássico de Rostand. Sua origem é a reinvenção do texto original, criada pela dramaturga Erica Schmidt e montada em 2018 em Connecticut - e no ano seguinte em teatros off-Broadway, em Nova York. Sem a necessidade de uma fidelidade absoluta ao clássico, o cineasta - autor de adaptações de obras como "Orgulho e preconceito" (2005) e "Anna Karenina" (2012), além do excepcional "Desejo e reparação" (2007) - explora todas as possibilidades visuais da trama com uma liberdade encantadora e uma sensibilidade irresistível. Até mesmo seus artifícios para modernizar a forma de contar a história - e evitar o tédio que um texto em versos poderia causar a um público menos paciente - soam orgânicos e inteligentes, valorizados por uma reconstituição de época cuidadosa e uma fotografia (de Seamus McGarvey) cujo maior mérito é não tentar se sobrepor à trama e aos personagens. As canções - em especial a bela "Close my eyes", com a participação de Glen Hansard, do filme "Apenas uma vez" (2007) - conseguem integrar-se à narrativa com elegância ímpar, e se a escalação de Dinklage para o papel-título soa genial, o mesmo pode ser dito da escolha de Kelvin Harrison Jr. para viver o galã Christian - pela primeira vez um ator negro assume (ao menos nas telas) o papel do antagonista romântico (e involuntário) da história de amor entre Cyrano e a bela Roxanne.
Apesar das alterações oriundas da adaptação feita por Schmidt - que é casada com o ator Peter Dinklage -, a trama do filme permanece, em sua essência, a mesma: o protagonista é o romântico e sensível Cyrano, apaixonado pela doce Roxanne (Haley Bennett), e que esconde de todos o seu amor, ciente de que sua aparência física jamais permitirá uma aproximação maior entre eles. Corajoso e dotado de grande inteligência, o enamorado soldado francês vê sua situação ficar ainda mais complicada quando um colega, Christian (Kelvin Harrison Jr.), também cai de amores pela bela e voluntariosa jovem. Bonito mas sem muito conteúdo intelectual, Christian recorre a Cyrano para que este escreva versos sentimentais que possam conquistá-la: a farsa dá certo, e Roxanne se deixa seduzir, sem desconfiar que, na verdade, está encantada pela alma de seu velho amigo. Tudo poderia seguir indefinidamente se não fosse um outro problema no caminho do inusitado triângulo amoroso: o poder de um outro apaixonado por Roxanne, que, rejeitado, resolve mandar Christian (e Cyrano) para o campo de batalha.
Sem contar com um orçamento milionário que poderia lhe colocar como um grande épico - em especial nas cenas de batalha, cuja economia é muito bem disfarçada pelo talento do cineasta em criar soluções visuais criativas -, "Cyrano" acabou por passar quase despercebido pelo grande público, perdido entre as produções com maior visibilidade e marketing. Joe Wright - um diretor que entende como poucos as engrenagens do cinemão clássico - extrai o máximo do que lhe é oferecido, brindando o espectador com um espetáculo de extremo bom gosto, ainda que sem a opulência que se poderia esperar de uma produção de época. Com um começo um tanto confuso - um problema que se resolve muito a contento logo em seguida - e a sensação de estranhamento em relação à inclusão de canções em um material tão conhecido, o filme acaba por envolver principalmente pelo talento inquestionável de seu elenco, pela inteligência em contornar o que poderiam ser problemas e pela sensibilidade de uma história atemporal e emocionante. E é impossível não se deixar conquistar pelo carisma de Peter Dinklage, um Cyrano de Bergerac com todos os atributos para ingressar no rol de seus mais clássicos intérpretes.
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