O
ENFERMEIRO DA NOITE (The good nurse, 2022, FilmNation
Entertainment/Netflix, 121min) Direção: Tobias Lindholm. Roteiro: Krysty
Wilson-Cairns, livro de Charles Graeber. Fotografia: Jody Lee Lipes.
Montagem: Adam Nielsen. Música: Biosphere. Figurino: Amy Westcott.
Direção de arte/cenários: Shane Valentino/Alyssa Winter. Produção
executiva: Glen Basner, Ignacio de Medina, Jonathan Filley, Ari Handel,
Josh Stern. Produção: Darren Aronofsky, Scott Franklin, Michael Jackman.
Elenco: Jessica Chastain, Eddie Redmayne, Noah Emmerich, Kim Dickens,
Nnmandi Asomugha. Estreia: 11/9/2022 (Festival de Toronto)
Pode um filme falar sobre um serial killer que matou provavelmente centenas de pessoas contar sua história sem mostrar uma única gota de sangue? "O enfermeiro da noite", baseado na trajetória assassina de Charles Cullen - encerrada com sua prisão, em 2003 - prova que a resposta é positiva. Lançado no Festival de Toronto de 2022 cerca de um mês antes de estrear na Netflix, em outubro do mesmo ano, o primeiro longa-metragem em inglês do dinamarquês Tobias Lindholm foca na investigação policial que levou Cullen à cadeia, e é conduzido com sobriedade e discrição, evitando o sensacionalismo normalmente atrelado a produções do gênero. Com sua experiência na condução de dois episódios da série "Mindhunter", Lindholm se aproveita do talento de seu elenco e do roteiro conciso, baseado em um livro investigativo de Charles Graeber, para envolver o espectador em um drama claustrofóbico, cuja elegância visual não consegue disfarçar a tensão inerente a uma trama perturbadora.
O filme começa - logo depois de um prólogo que dá uma ideia do que está por vir - quando o jovem enfermeiro Charles Cullen (Eddie Redmayne) é contratado para trabalhar no turno da noite do Parkfield Memorial Hospital, localizado em Nova Jersey (estabelecimento fictício que substitui o verdadeiro Somerset Medical Center). Solícito, gentil e dedicado, não demora para que Charles se torne amigo da colega Amy Loughren (Jessica Chastain), que divide seu tempo entre o trabalho, os cuidados com as duas filhas pequenas e a luta para curar um problema cardíaco. A amizade entre os dois vai se aprofundando com o tempo, e Amy passa a contar com o novo colega em suas batalhas diárias. As coisas mudam, porém, quando pacientes sob a supervisão de Cullen, independentemente da idade e em condições razoáveis de saúde, começam a morrer inexplicavelmente. Desconfiada de que seu amigo pode estar por trás dos óbitos, a enfermeira resolve colaborar com a polícia, nas figuras de Tim Braun (Noah Emmerich) e Danny Baldwin (Nnmandi Asomugha).
Com uma história que praticamente implora por um tom sensacionalista, "O enfermeiro da noite" encontra, na direção de Tobias Lindholm, um viés mais intimista, que opta pelas crises pessoais de seus protagonistas, em detrimento às regras mais óbvias em um filme de suspense. Para isso, conta com a presença sempre potente de Jessica Chastain, em papel mais discreto do que aquele que lhe rendeu um Oscar, por "Os olhos de Tammy Faye": em um trabalho quase silencioso, que explora o olhar e o corpo mais do que longos diálogos, Chastain empresta à Amy Loughren atitudes estoicas e corajosas que despertam a imediata empatia do público, e bate de frente com mais um desempenho econômico e eficiente de Eddie Redmayne. Longe dos trejeitos que poderiam fazer de seu Charles Cullen um monstro clichê, o ator vencedor do Oscar por "A teoria de tudo" (2014) expressa a personalidade transtornada de Cullen através de sorrisos melífluos, atitudes gentis e a aparência de um homem absolutamente normal - como qualquer psicopata -, mas, de forma inteligente, nunca deixa de fazer com que seus gestos soem ameaçadores, o que fica claro em sua última conversa com Amy, uma sequência elaborada com precisão para deixar a plateia com a respiração suspensa. Além disso, somada às atuações exemplares de seus atores centrais, a fotografia acinzentada deixa no ar a sensação constante de pesadelo monocromático e sufocante, que dialoga com o desenvolvimento apropriadamente lento do filme de Lindholm.
Roteirista de filmes premiados, como "A caça" (2012) e "Druk: mais uma rodada" (2020), Lindholm faz sua estreia como diretor de longa-metragens em inglês com o pé direito. Ao renegar qualquer lugar-comum de filmes sobre psicopatas, o cineasta afirma sua personalidade própria, que busca o envolvimento do espectador sem artifícios que não a objetividade. Sua decisão em focar a narrativa na relação entre Amy e Charles foge do padrão "mortes+investigação+confronto" para inserir, na receita, um ritmo mais comum em dramas do que em filmes de suspense - o que pode desnortear os cinéfilos mais puristas, mas que acrescenta uma profundidade maior à sua obra. Por mais que em alguns momentos "O enfermeiro da noite" soe como um telefilme, sua seriedade em lidar com um tema complexo e polêmico merece aplausos - especialmente se, junto com ela, é possível testemunhar mais um trabalho admirável de Jessica Chastain, uma das melhores atrizes de sua geração, e Eddie Redmayne, em franca ascensão dentro da indústria hollywoodiana.
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