NÓS QUE NOS AMÁVAMOS TANTO (C'eravamo tanto amati, 1974, La Deantir, 124min) Direção: Ettore Scola. Roteiro: Ettore Scola, Agenore Incrocci, Furio Scarpelli. Fotografia: Claudio Cirillo. Montagem: Raimondo Crociani. Música: Armando Trovajoli. Figurino: Luciano Ricceri. Direção de arte/cenários: Luciano Ricceri. Produção: Pio Angeletti, Adriano de Micheli. Elenco: Nino Manfredi, Vittorio Gassman, Stefania Sandrelli, Stefano Satta Flores. Estreia: 21/12/74
Na vasta e preciosa filmografia do italiano Ettore Scola, o poético e melancólico "Nós que nos amávamos tanto" tem um lugar todo especial. Uma homenagem à amizade, ao amor, ao tempo e ao cinema, o filme, lançado em 1974 - antes, portanto, dos clássicos "Feios, sujos e malvados" (1975) e "Um dia muito especial" (1977) - se mantém como uma aula de narrativa, inserindo organicamente à trajetória de três amigos apaixonados pela mesma mulher, um estudo sobre a sociedade italiana pós-guerra e as lutas sociais e culturais que perpassaram o país por trinta anos. Sem deixar de lado o viés político característico de sua obra, Scola conta uma das histórias mais fascinantes de sua carreira, valorizada por um elenco sublime, um roteiro preciso e uma edição primorosa - tanto na versão original quanto na redução em doze minutos lançada internacionalmente.
O filme é, na verdade, um longo flashback, como mostra a primeira sequência, que voltará nos minutos finais para encerrar a longa viagem de Scola pelos caminhos da memória. Os três personagens centrais, Antonio (Nino Manfredi), Gianni (Vittorio Gassman) e Nicola (Stefano Satta Flores), se conhecem durante a II Guerra e se tornam amigos inseparáveis. Com o final do conflito, todos tentam se encaixar na rotina como civis: Gianni começa uma carreira de advogado, Nicola se casa e volta a lecionar em uma escola do interior e Antonio inicia uma carreira como enfermeiro em um hospital de Roma. É Antonio quem primeiro conhece Luciana (Stefania Sandrelli) e se apaixona, sem perceber que a bela jovem caiu de amores por caiu de amores por Gianni, com quem inicia um romance. A partir de então, como um pomo da discórdia, Luciana, mesmo involuntariamente, será a causa de todos os conflitos entre os três amigos. Nicola, depois de separado e tentando trabalhar como crítico de cinema, também não resiste a seus encantos durante o tempo em que ela tenta a sorte como atriz. E enquanto Gianni se deixa corromper pelo capitalismo que sempre rejeitou na juventude - o que inclui um casamento por conveniência - o grupo vê passar diante de seus olhos uma série inexorável de transformações sociais. Apenas Antonio - ironicamente o responsável pela presença de Luciana entre eles - é que parece não conseguir chamar sua atenção em termos românticos.
O brilhante roteiro de "Nós que nos amávamos tanto" - escrito pelo mesmo trio de autores de "Ciúme à italiana" (1970), do mesmo diretor - não conta apenas belas histórias de amor (entre os amigos, entre amantes apaixonados, entre cidadãos e seu país), mas também as utiliza como pretexto para desfilar, na tela, sentimentos que remetem diretamente à reconstrução da Itália depois da II Guerra Mundial. Estão ali, de uma forma ou de outra, o nascimento da consciência política, a desilusão advinda dela, a busca por uma cultura própria e socialmente relevante, o recrudescimento do abismo social. Politicamente engajado, Scola não hesita em fazer de seus protagonistas homens comuns que, a exemplo de Gianni, nem sempre são capazes de resistir às tentações, sejam elas materiais ou emocionais - mas cujas complexidades os afastam de qualquer maniqueísmo. Nicola, por exemplo, é um cidadão comum, apaixonado por cinema e que luta para ascender socialmente através do seu trabalho e de sua convicção de que a arte é salvadora e crucial - uma discussão sobre o belo "Ladrões de bicicleta" (1948) é o detonador de uma crise profissional que irá ecoar para sempre em sua vida - a Antonio batalha arduamente na área da saúde, como forma de ajudar a população - o que o aproxima, a princípio, de Luciana. E Luciana, que sonha em ser atriz, é o ideal feminino de todos eles, apesar de, tristemente, nem sempre perceber que seus companheiros vivem a catar a poesia que entorna no chão.
Scola é um apaixonado por cinema, e a sétima arte é, provavelmente, o quinto personagem mais importante de "Nós que nos amávamos tanto". Não é apenas a citação direta ao clássico de Vittorio De Sica que empurra Nicola em direção a seu destino: com citações maiores ou menores a obras de Antonioni e Rossellini, o filme delicia a plateia com a recriação de uma cena antológica de "A doce vida" (1960), de Federico Fellini, com direito às luxuosas participações do cineasta e de seu ator preferido, Marcello Mastroianni, vivendo eles mesmo durante a produção do clássico italiano - da qual Luciana participa como extra. E Luciana é também a protagonista de uma sequência sublime, quando se esconde em uma máquina de fotografias instantâneas e, ao sair, deixa uma série de imagens que a mostram chorando copiosamente depois de uma das várias situações complicadas das quais participa. É como se o diretor lembrasse ao público que é disso que a vida - e seu filme - se trata: de momentos fugazes que ficam para sempre na memória.
"Nós que nos amávamos tanto" é uma obra-prima do cinema europeu. Como toda boa produção italiana, não deixa de apelar, vez ou outra, ao sentimentalismo mediterrâneo que a tantos agrada - e a outros aborrece. Mas é, sem sombra de dúvida, um filme para ver e rever inúmeras vezes. E se emocionar sempre.
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