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PEARL

 

PEARL (Pearl, 2022, A24, 103min) Direção: Ti West. Roteiro: Ti West, Mia Goth, personagens criados por Ti West. Fotografia: Elliot Rockett. Montagem: Ti West. Música: Tyler Bates, Tim Williams. Figurino: Malgosia Turzanska. Direção de arte/cenários: Tom Hammock/Thomas Salpietro. Produção executiva: Kim Cudi, Dennis Cummings, Mia Goth, Ashley Levinson, Sam Levinson, Karina Manashil, Peter Phok. Produção: Jacob Jaffke, Kevin Turen, Ti West. Elenco: Mia Goth, David Corenswet, Tandi Wright, Matthew Sutherland, Emma Jenkins-Purro, Alistair Sewell. Estreia: 03/9/2022 (Festival de Veneza)

Não é nenhuma novidade o fato de filmes de sucesso darem origem a continuações - mesmo quando a fonte aparentemente secou. O caso de "Pearl" é diferente. Não apenas é uma prequel - tendência que vem se firmando há alguns anos como forma de expandir o universo de deterrminadas produções  -, mas é, também, uma prequel realizada concomitantemente com seu filme original - o terror "X: A marca da morte" - e uma aposta arriscada da produtora A24, que deu sinal verde ao projeto antes mesmo de saber do resultado comercial e crítico do primeiro filme. Filmado em segredo enquanto o diretor Ti West também conduzia "X" (com a mesma atriz, Mia Goth, em papel duplo), "Pearl" foi lançado seis meses depois da estreia de seu original e, para surpresa de todos, agradou ainda mais ao evitar o rótulo de slasher e, aprofundando a personalidade doentia de sua protagonista, atingir bons momentos de um suspense psicológico, valorizado pela presença da excepcional Goth , que não apenas coassinou o roteiro com West mas também descolou um crédito como produtora executiva. Neta da atriz brasileira Maria Gladys, Goth é uma revelação, que faz do filme uma gratíssima surpresa no gênero justamente no momento em que ele começa a se reinventar - em boa parte graças a produções da mesma A24.

Se "X já demonstrava acima de qualquer dúvida o talento de Ti West em manipular as regras dos filmes de terror a seu favor - enfatizando suas qualidades e disfarçando seus pecados com um visual atraente e referências que soam orgânicas e não apenas exibicionismo barato -, "Pearl" consegue ir ainda mais longe, ao oferecer requintes de produção surpreendentes em relação ao orçamento e um roteiro que dribla os clichês, fundamenta boa parte dos acontecimentos do primeiro filme (que ocorre décadas mais tarde) e ainda por cima homenageia o cinema em si. Com citações (óbvias ou nem tanto) a produções como "O que terá acontecido a Baby Jane?" (1962), "O mágico de Oz" (1939), musicais clássicos e até ao quase obscuro "A free ride" (1915) - considerado uma das primeiras produções pornográficas da história e cuja autoria ainda causa polêmicas -, West constrói, de maneira gradual e inteligente, uma das personalidades mais sombrias dos últimos anos, a da aparentemente doce Pearl - que, por trás da aparência dócil e submissa, esconde um monstro prestes a destroçar qualquer vestígio de civilidade.


 

A trama se passa em 1918, em uma fazenda no interior do Texas - a mesma fazenda que irá servir de cenário para os atores que a alugam em "X": é nessa fazenda, afastada da civilização, que mora a jovem Pearl (Mia Goth) e seus pais, imigrantes alemães com quem mantém uma relação conturbada. Seu pai vive em uma cadeira de rodas e sua mãe, rígida e pouco afeita a carinhos, tampouco lhe oferece qualquer tipo de apoio emocional. Casada com Howard, um soldado que está no front da I Guerra, Pearl esconde da família o seu sonho de tornar-se uma estrela de cinema - desejo que se torna ainda maior quando ela conhece o jovem projecionista do cinema local, que a apresenta ainda a filmes eróticos e à possibilidade de tentar uma carreira na Europa. O renascimento de tal sonho, no entanto, acaba se tornado um problema quando Pearl esbarra em sua triste realidade doméstica. Sua solução para isso acaba por levá-la a atos de violência, que fogem totalmente de controle quando ela percebe que talvez não tenha talento suficiente para fugir de sua massacrante rotina familiar.

Sem abrir mão da violência que se poderia esperar de um filme do gênero, Ti West fez de "Pearl" uma joia rara dentro do universo do cinema de terror. Suas inovações não se limitam apenas à concepção visual - cores fortes, reconstituição de época cuidadosa -, mas principalmente a sua opção em fazer de sua protagonista não apenas uma potencial assassina, mas uma mulher mentalmente torturada por sonhos impossíveis, uma rotina massacrante e, logicamente, distúrbios psicológicos à espera de uma catarse. Nesse ponto é a atuação avassaladora de Mia Goth o grande trunfo do filme: com expressões faciais marcantes - que poderiam facilmente descambar para a caricatura, em mãos menos competentes - e uma construção fascinante de corpo, Goth simplesmente engole tudo a seu redor e é responsável por fazer com que "Pearl" escape facilmente das limitações de seu gênero e se inscreva como um dos grandes pequenos filmes dos últimos anos. Fazendo jus a seu título, "Pearl" é, sem favor, uma pérola a ser apreciada por qualquer fã de bom cinema.

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