quarta-feira

O CONTADOR DE CARTAS

 


O CONTADOR DE CARTAS (The card counter, 2021, Focus Features, 111min) Direção e roteiro: Paul Schrader. Fotografia: Alexander Dynan. Montagem: Benjamin Rodriguez Jr.. Música: Robert Levon Been, Giancarlo Vulcano. Figurino: Lisa Madonna. Direção de arte/cenários: Ashley Fenton/Mary Goodson. Produção executiva: Carte Blanche, Catherine Boily, Tiffany Boyle, Lee Broda, Philip H. Burgin, Anders Erdén, Santosh Govindaraju, Patrick Hibler, Ruben Islas, Nadine Luque, Martin McCabe, Joel Michaely, Kathryn Moseley, Patrick Muldoon, Mitch Oliver, William Olsson, Stanley Preschutti, Elsa Ramo, Jeff Rice, Jason Rose, Martin Scorsese, Mick Southworth, Kyle Stroud, James Swarbrick, Elton Tsang, Ken Whitney, Liz Whitney. Produção: Lauren Mann, Braxton Pope, David M. Wulf. Elenco: Oscar Isaac, Tye Sheridan, Willem Dafoe, Tiffany Haddish, Alexander Babara. Estreia: 02/9/2021 (Festival de Veneza)

Há mais em comum entre Travis Bickle - vivido por Robert DeNiro em "Taxi driver" (1976) -, o Reverendo Ernst Toller - interpretado por Ethan Hawke em "Fé corrompida (2017) - e William Tell, o protagonista de "O contador de cartas", além do fato de terem sido todos criados pelo roteirista Paul Schrader. Solitários, torturados psicologicamente e à beira de um iminente ataque de nervos - que pode explodir como um surto de violência -, eles formam, a seu modo, um grupo de protagonistas quase silenciosos que habitam um universo particular, cercado por uma constante tensão e pela expectativa de tragédias. E Tell, interpretado por Oscar Isaac, se não flerta diretamente com o perigo da noite nova-iorquina ou a pressão dos dogmas religiosos, precisa lidar com os próprios demônios, um passado traumático e uma inesperada relação que pode lhe servir como caminho para a redenção.

Tell é, como deixa bem claro o título do filme, um contador de cartas, ou seja, um jogador que vai de cassino em cassino ganhando dinheiro no blackjack graças a seu talento de calcular, na hora da partida, as possibilidades numéricas do jogo. Recém saído de uma pena de oito anos na prisão - onde desenvolveu seu talento -, ele leva uma vida discreta e quase monástica, evitando apostar alto para fugir dos radares. Sua existência praticamente invisível sofre uma transformação, porém, quando duas pessoas surgem em seu caminho com intenções bastante diversas. Primeiro, La Linda (Tiffany Hadish), que trabalha para um grupo de investidores que lhe oferece patrocínio em suas aventuras nos jogos - em troca de uma comissão. Depois, é o jovem Circk Baufort (Tye Sheridan, em papel herdado de Shia LaBeouf), que se revela filho de um antigo colega seu da época em que treinavam métodos de tortura sob as ordens de um cruel instrutor: Circk quer vingar-se de tal criminoso - agora um bem-sucedido empresário de nome John Gordo (Willem Dafoe) - por ter destruído sua família, mas Tell prefere oferecer ao rapaz uma viagem por cassinos do país como forma de lhe fazer mudar de ideia. Tal situação o aproxima não apenas de seu passado, mas também de uma chance de deixar para trás uma vida de violência e truculência.

Filmado em um período de apenas vinte dias - sem contar a pausa imposta pela contaminação por Covid-19 de um membro da equipe - e frequentemente utilizando-se apenas de um ou dois takes por cena, "O contador de cartas" é uma produção econômica por vários motivos além do financeiro. Com uma atuação minimalista, Oscar Isaac constrói seu William Tell com total parcimônia de recursos, mas nunca de excelência: quieto, discreto, misterioso, Tell só aos poucos se permite revelar seus reais sentimentos - e mesmo assim de forma a não deixar que eles ultrapassem o limite autoimposto. Suas relações - com Circk, com La Linda, com Gordo - são forjadas a sofrimento e angústias que ele só desabafa em seus diários, uma espécie de confessor que não o julga ou critica. Em um desempenho exemplar (mais um em uma carreira em franca ascensão), Isaac ousa criar um protagonista que não busca a simpatia incondicional do espectador - e para isso conta com uma edição propositalmente truncada, efeitos de fotografia bastante eficientes e um roteiro quase incômodo de Schrader, um cineasta cuja visão de mundo não pode ser considerada exatamente otimista - e cujo comportamento frequentemente agressivo chegou a preocupar a Focus Features, distribuidora do filme, que pediu a ele que se afastasse das redes sociais durante o período de lançamento para não prejudicar a repercussão da produção.

Considerado pelo ex-presidente norte-americano Barack Obama como um de seus filmes preferidos da temporada 2021, "O contador de cartas" é, também, a definição perfeita de uma produção independente. Com nada menos que 20 produtores executivos creditados (incluindo Martin Scorsese, parceiro de Schrader em quatro oportunidades), o filme ganha em qualidade justamente por essa liberdade. Sem precisar se ater às amarras de uma produção comercial de um grande estúdio, Paul Schrader pode exercitar suas idiossincrasias e seu estilo seco, em uma narrativa sofisticada e adulta que acerta em não subestimar a inteligência do espectador e evitar a violência explícita: ao contrário do clímax sangrento de "Taxi driver", o cineasta dessa vez opta por sugerir mais do que mostrar. Pode soar um tanto lento para quem busca um filme de ação, mas aqueles que comprarem seu estilo elegante e sutil podem ser positivamente surpreendidos.

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