O BOM PATRÃO (El buen patrón, 2021, Básculas Blanco/Crea SGR/ICAA, 116min) Direção e roteiro: Fernando León de Aranoa. Fotografia: Pau Esteve Birba. Montagem: Vanessa Marimbert. Música: Zeltia Montes. Figurino: Fernando García. Direção de arte/cenários: César Macarrón. Produção executiva: Pilar de Heras, Marisa Fernández Armenteros, Laura Fernández Espeso, Eva Garrido, Patricia de Muns. Produção: Fernando León de Aranoa, Javer Méndez, Jaume Roures. Elenco: Javier Bardem, Manolo Solo, Almudena Amor, Óscar de La Fuente, Sonia Almarcha, Fernando Albizu, Tarik Rimli. Estreia: 21/9/2021
A Balanças Blancos é uma tradicional fábrica, com décadas de história e a reputação de ser um dos ambientes de trabalho mais generosos do país. Seu presidente, Blanco (Javier Barden), inclusive, insiste em declarar que seus funcionários são como membros da família e que são eles os maiores responsáveis por seus sucesso e perenidade. Às vésperas da visita de uma comissão que poderá escolher a empresa para receber um diploma de excelência, porém, a aparência de exemplar tranquilidade do local começa a ruir. Em pouco mais de uma semana, caberá a Blanco lidar com uma série de problemas de ordem pessoal e profissional que põem em xeque sua capacidade de liderar não apenas seus empregados, mas principalmente suas relações familiares e de amizade. E tudo começa com dois acontecimentos aparentemente sem conexão: a tentativa de ajudar o filho delinquente de um antigo operário ao dar-lhe um emprego na loja da mulher e a demissão de outro empregado, que, revoltado, inicia uma manifestação na frente do prédio da empresa, acompanhado dos filhos pequenos e chamando cada vez mais a atenção da mídia.
Recordista histórico em indicações ao Goya - o Oscar espanhol -, com vinte indicações, "O bom patrão" levou seis estatuetas, incluindo melhor filme, direção, ator e roteiro original. Não chega a ser surpresa, quando se assiste à produção de Fernando León de Aranoa: um equilíbrio perfeito entre comédia e drama - com pitadas de suspense e uma dose generosa de crítica social -, o filme apresenta um protagonista falível e humanamente verossímil que ganha o público justamente por seus erros. Lógico que o carisma e o talento de Javier Bardem ajudam muito nesse quesito, mas o roteiro delicioso é tão repleto de camadas, de detalhes e de ironias que é difícil não se deixar envolver sem muito esforço. Contada em capítulos - cada um dedicado a um dia da atribulada semana de Blanco -, a trama de Aranoa vai se tornando, aos poucos, um acúmulo de situações problemáticas que apenas empurram a plateia em direção à empatia quase absoluta pelo personagem central, mesmo sendo ele desprovido de muitos escrúpulos. O que começa com um certo humor sombrio vai gradualmente assumindo contornos trágicos - e a direção firme do cineasta dribla magistralmente as armadilhas que surgem a cada cena, além de distanciar-se do tom de deboche explícito que a trama poderia assumir e aproximá-la de uma fábula repleta de cinismo sobre o mundo capitalista e a hipocrisia da sociedade como um todo.
Se não, vejamos: incomodado com a presença incômoda do ex-funcionário - que acampa, junto com os filhos, diante da fábrica, munido de um megafone e de uma vontade férrea de chamar toda a atenção possível da mídia -, Blanco faz o possível e o impossível para removê-lo da vista da comissão governamental, que pode aparecer a qualquer dia para inspecionar a empresa e confirmar seu status de exemplar. Para isso, não hesita em apelar para a lei - e até para meios heterodoxos e violentos a ponto de piorar ainda mais a situação. Não bastasse isso, o empresário precisa lidar com a queda de rendimento de seu braço direito, Miralles (Manolo Solo), que está deixando a crise em seu casamento atrapalhar a vida profissional - e é evidente que Blanco irá se intrometer nas relações extraconjugais do casal para tentar resolver as contendas, mesmo que para isso tenha que envolver outras pessoas na questão. Por fim, o incansável patrão se deixa seduzir pela nova estagiária, a jovem Liliana (Almudena Amor), apenas para descobrir que tal romance casual pode ter desdobramentos inusitados - e quase cruéis.
Dominado por um espetacular Javier Bardem - que apesar disso deixa espaço de sobra para interpretações superlativas de todo o elenco, mesmo aqueles em participações pequenas -, "O bom patrão" é uma amostra de que o cinema espanhol sobrevive muito bem mesmo sem a sombra de Pedro Almodóvar, seu maior representante junto ao público médio. Fernando León de Aranoa é um cineasta que conduz sua história com um visual sóbrio, um humor quase sofisticado e sutileza, deixando entrever nas entrelinhas uma crítica contundente ao sistema de classes e ao jogo social da burguesia - no discurso de Blanco, todos formam uma mesma família, mas na prática, conforme os interesses vão se revelando, as regras mudam e deixam notar um tecido que está esperando o primeiro puxão para romper completamente. Blanco tenta demonstrar, por todo o filme, uma falsa sensação de controle, mas não é preciso muito para que sua aflição transpire por uma série de atos desesperados que, ao invés de ajudar, apenas pioram o quadro. Os risos que "O bom patrão" desperta são nervosos, quase cínicos - e é isso que faz dele uma joia rara, um filme que, de modo inteligente, une o riso e a reflexão como forma de entretenimento da mais alta qualidade.
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