NÃO SE PREOCUPE, QUERIDA (Don't worry, darling, 2022, Warner Bros, 123min) Direção: Olivia Wilde. Roteiro: Katie Silberman, estória de Carey Van Dyke, Shane Van Dyke, Katie Silberman. Fotografia: Matthew Libatique. Montagem: Affonso Gonçalves. Música: John Powell. Figurino: Arianne Phillips. Direção de arte/cenários: Katie Byron/Rachael Ferrara. Produção executiva: Richard Brener, Catherine Hardwicke, Celia Khong, Alex G. Scott, Carey Van Dyke, Shane Van Dyke. Produção: Roy Lee, Katie Silberman, Olivia Wilde, Miri Yoon. Elenco: Florence Pugh, Harry Styles, Olivia Wilde, Chris Pine, Kiki Layne, Gemma Chan, Nick Kroll, Sydney Chandler, Kate Berlant, Asif Ali, Douglas Smith, Timothy Simons. Estreia: 05/9/2022 (Festival de Veneza)
Não deixa de ser estranho quando os bastidores de um filme chamam mais a atenção da mídia e do público do que seu resultado final. É o caso de "Não se preocupe, querida", segundo longa-metragem dirigido pela atriz Olivia Wilde, que estreou no Festival de Veneza de 2022 depois de uma chuva de fofocas a respeito dos inúmeros conflitos ocorridos durante as filmagens. Uma distopia aos moldes de "As mulheres perfeitas", de Ira Levin - que deu origem a duas versões cinematográficas, em 1968 e 2005 - e temperado com uma paranoia digna dos melhores filmes realizados em Hollywood nas décadas de 1950 e 1960 -, a obra de Wilde não teve a mais entusiasmada das recepções da crítica em seu lançamento, mas, apesar de não ser tão empolgante quanto seu primeiro trabalho atrás das câmeras - a comédia "Foras de série" (2019) -, é bem menos desastroso do que se poderia supor, diante da generalizada má-vontade da imprensa e de boa parte do público.
Com influência declarada de "A origem (2010) e "O show de Truman: o show da vida" (1998), o filme de Olivia Wilde também cita, de uma forma ou outra, obras aparentemente díspares, como os livros "Frankenstein", de Mary Shelley, e "Alice no país das maravilhas", de Lewis Carroll. Com uma direção de arte elaborada de maneira a soar claustrofobicamente simétrica e soluções visuais criativas e inteligentes - que homenageiam os clássicos números musicais coreografados por Busby Berkeley na Hollywood dos anos 1930 -, "Não se preocupe, querida" demonstra, em certos aspectos, uma evolução da diretora em termos de ambição e técnica. Substituindo a simplicidade de sua primeira obra por uma narrativa mais rebuscada e repleta de camadas, Wilde exige mais do espectador do que simplesmente acompanhar sua trama - um roteiro intrincado que apresenta inúmeras perguntas e não faz questão de respondê-las de forma simples. Valorizado pela fotografia de Matthew Libatique - que sublinha o desespero da protagonista ao mesmo tempo em que ilustra o tom monocromático de seu ambiente - e pela edição do brasileiro Affonso Gonçalves - que deixa pistas pelo caminho, indicando ao espectador os rumos da história -, "Não se preocupe, querida" também ousa fugir do óbvio ao enveredar, em seu terço final, por uma mudança de gênero que surpreende e o deixa ainda mais instigante: por mais que se suspeite do que pode estar acontecendo, o desfecho não deixa de ser um choque.
A trama se passa em algum momento da década de 1950, e apresenta o jovem e apaixonado casal Alice (a sensacional Florence Pugh) e Jack Chambers (o cantor britânico Harry Styles se saindo bastante bem), que estão vivendo um feliz momento de seu casamento. Jack está em franca ascensão profissional, ainda que sua bela esposa não saiba exatamente qual seu ramo de atuação. O que ela sabe - assim como as outras esposas que vivem em sua vizinhança, em uma idílica cidade californiana chamada Victory - é que todos os maridos trabalham sob as asas do poderoso e carismático Frank (Chris Pine) e que tudo relacionado à empresa é envolto em mistério, sob a alegação de segurança nacional. A vida repetitiva de Alice - que suas companheiras consideram um bálsamo - consiste de cuidar da casa, beber à beira da piscina com as amigas, aulas de balé e ocasionais jantares frequentados sempre pelos mesmos convidados. De uma hora para outra, no entanto, Alice começa a ter pesadelos e visões estranhas, que a atormentam a ponto de incomodar seu relacionamento e a lei do silêncio que perpassa sua rotina. Quando uma outra esposa começa a se comportar de forma inconveniente e é violentamente silenciada, Alice resolve desafiar as regras - e entra em um território assustador.
Olivia Wilde consegue conduzir seu filme com segurança o bastante para manter o interesse do público até seus minutos finais - apesar de seu ritmo por vezes um tanto hesitante - e extrair de seus atores performances notáveis, mesmo com todos os problemas nos bastidores, que começaram com a demissão de Shia LaBeouf, cuja saída de cena nunca chegou a ser devidamente explicada. Algumas fontes creditavam tal situação a um conflito de agendas, mas não demorou muito para que surgisse a informação de que LaBeouf havia sido despedido por causa de uma série de embates com a diretora e o elenco - o que confirmava a reputação de difícil que sempre precede o ator. Um terceiro round, porém, veio à tona quando o ator afirmou que ele mesmo havia abandonado o projeto apesar dos apelos de Wilde, que queria mantê-lo no papel principal mesmo diante da falta de harmonia entre ele e Florence Pugh - que, por sua vez, foi escolhida para o elenco graças a seu desempenho em "Midsommar: o mal não espera a noite" (2019). Um vídeo chegou a vazar na Internet com os pedidos de Wilde para que ele permanecesse no filme - mas mais tarde, textos entre Pugh e o ator, também disponibilizados online, não demonstravam pistas de tal conflito entre eles. Não bastasse tanta confusão por trás das câmeras, o romance entre Wilde e seu novo ator central, Harry Stles, caiu como uma bomba: a atriz/diretora estava recém saindo de um casamento de sete anos com o ator Jason Sudeikis e o novo namoro pareceu atrapalhar sua concentração nos sets - o que resultou em constantes rusgas entre a cineasta e sua protagonista feminina, que, por acaso ou não, não demonstrou o menor esforço em promover o filme além do expressamente necessário.
O fato é que, apesar dos problemas fora das telas, "Não se preocupe, querida" é um filme que sobrevive aos pequenos escândalos durante seu processo de realização. Intrigante, inteligente e visualmente atraente, é um filme que merece ser apreciado por suas qualidades - e não rechaçado por questões alheias a seus méritos artísticos.
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