sexta-feira

VIOLÊNCIA GRATUITA

VIOLÊNCIA GRATUITA (Funny games, 2007, Warner Independent Pictures, 111min) Direção e roteiro: Michael Haneke. Fotografia: Darius Khondji. Montagem: Monika Willi. Figurino: David C. Robinson. Direção de arte/cenários: Kevin Thompson/Rebecca Meis DeMarco. Produção executiva: Philippe Aigle, Carole Siller. Produção: Christian Baute, Chris Coen, Hamish McAlpine, Hengameh Panahi, Andro Steinborn. Elenco: Naomi Watts, Tim Roth, Michael Pitt, Brady Corbett, Devon Gearhart. Estreia: 20/10/07 (London Film Festival)

Em 1997, o cineasta austríaco Michael Haneke chocou o público ao narrar, em detalhes quase mórbidos, o ataque sem sentido e frio de uma dupla de adolescentes a uma família em sua casa no lago. Elogiado pelos quatro cantos do mundo, o filme acabou por chamar a atenção dos estúdios de Hollywood e, como é comum nesses casos, fez a transição para o cinema comercial norte-americano. Porém, um pequeno detalhe nas negociações fez toda a diferença no resultado final: Haneke manteve-se no comando do filme e, assim como Gus Van Sant fez com "Psicose", de Hitchcock, reconstruiu sua obra quadro a quadro, em uma literal refilmagem. No entanto, se Van Sant deu com os burros n'água com um filme sofrível, Haneke mostrou-se mais feliz em sua missão: a versão ianque de "Violência gratuita" consegue manter o tom de constante tensão do original, ao diferenciá-los basicamente pelo idioma.

A trama começa ensolarada e bucólica, com a chegada de uma família à sua casa de verão, onde pretendem passar as próximas semanas. Estáveis e felizes, George (Tim Roth), Ann (Naomi Watts) e seu filho pequeno (Devon Gearhart) mal conseguem se instalar em sua confortável casa de dois andares e repleta de conforto quando recebem a visita de dois jovens que se apresentam como amigos de seus vizinhos. Polidos e em tom suave, Paul (Michael Pitt) e Peter (Brady Corbett) chegam à propriedade para pedir alguns ovos emprestados, mas não demora para demonstrarem suas reais intenções: manter a família de refém, torturando-a aos poucos até exterminá-la por completo - não sem antes experimentar uma série aparentemente interminável de jogos de nervos enfatizado pela enorme distância que os separa dos demais moradores da região, únicas pessoas que poderiam interromper a tragédia anunciada.


Sem dar sossego ao público nem aos personagens, Haneke constroi um suspense psicológico aterrador, capaz de aterrorizar ao mais indiferente espectador justamente por não apelar para monstros ou assassinos mascarados como vilões. Ao eleger como ameaça dois jovens bem-apessoados, educados e aparentemente de boa instrução, o cineasta parece gritar que a civilização está a um passo da barbárie e que nem mesmo o sacrossanto recesso do lar é um lugar a salvo da delinquência juvenil - e que ela não está necessariamente ligada a diferenças sociais ou motivos menos banais do que um distorcido conceito de "diversão". Aliás, ao fazer do espectador voyeur do sofrimento alheio, ele também critica, de certa forma, a crescente onda de espetacularização da violência, que tornou-se ainda mais severa e brutal com a virada do século e a popularização da Internet e seus vídeos de gosto duvidoso. Para sublinhar essa sua teoria, ele não hesita em intercalar à seriedade do roteiro alguns momentos em que os psicóticos conversam com a câmera (ou seja, com os espectadores) e, em uma cena antológica, faz com que um deles utilize o controle remoto para reverter uma situação negativa - um rewind macabro e, ironicamente, bem-humorado.

Com a ingrata missão de substituir os atores do filme original, o elenco escalado por Haneke para sua refilmagem consegue manter o mesmo grau de consistência da versão austríaca, especialmente Naomi Watts e Tim Roth, que transmitem todo o desespero da situação de seus personagens com a competência de quem já tem indicações ao Oscar no currículo. Michael Pitt e Brady Corbett, por sua vez, não fazem feio, explorando o visual imaculado de seus personagens - roupas brancas e luvas - para oferecer ao público uma sensação de claustrofobia e angústia crescentes. É especialmente brilhante também o fato de Haneke manter fora das câmeras as cenas de maior violência física - um assassinato só é percebido pelo barulho distante que se ouve quando um dos criminosos está na cozinha fazendo um lanche e pelo sangue no aparelho de televisão - e, com isso, obrigar a plateia a completar as informações com sua própria imaginação (que, todos sabem, é sempre muito mais chocante do que a realidade).

Uma refilmagem não apenas decente, mas do mesmo nível do original, "Violência gratuita" é um dos filmes de suspense mais inteligentes, aterradores e originais de seu tempo. Uma pequena obra-prima que já dava mostras do quão longe Michael Haneke conseguiria chegar poucos anos depois. Imperdível!

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