A CAÇA (Jagten, 2012, Danmarks Radio/Eurimages/Det Danske Filminstitut, 115min) Direção: Thomas Vinterberg. Roteiro: Thomas Vinterberg, Tobias Lindholm. Fotografia: Charlotte Bruus Christensen. Montagem: Janusz Billeskov Jansen, Anne Osterud. Música: Nikolaj Egelund. Figurino: Manon Rasmussen. Direção de arte/cenários: Torben Stig Nielsen/Rasmus Balslev-Olesen. Produção executiva: Meredith King. Produção: Sisse Graum Jorgensen, Morten Kaufman, Thomas Vinterberg, Elenco: Mads Mikelsen, Thomas Bo Larsen, Annika Wedderkop, Lasse Fogelstrom, Susse Wold, Anne Louise Hassing, Lars Ranthe, Alexandra Rapaport. Estreia: 20/5/12 (Festival de Cannes)
Indicado ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro
Vencedor da Palma de Ouro de Melhor Ator no Festival de Cannes (Mads Mikelsen)
Fãs de um cinema mais denso, com ambições mais profundas do que
simples entretenimento já conhecem Thomas Vinterberg. Dinamarquês nascido
em 1969, ele foi um dos criadores do malfadado Dogma 95 - que, nos anos
90 tentou mudar a forma de se fazer cinema, com uma sucessão de regras
que aboliam artifícios externos na narrativa, como trilha sonora e efeitos visuais. Fez
enorme sucesso entre os intelectuais com "Festa de família", mas depois
seu trabalho ficou restrito a festivais e mostras internacionais. Com "A
caça", que deu a Mads Mikkelsen o prêmio de melhor
ator no festival de Cannes de 2012, ele demonstra que seu êxito na
polêmica obra de 1998 não foi mero golpe de sorte. Forte e angustiante,
seu novo trabalho merece crédito por quebrar logo de cara o velho paradigma que
diz que as crianças são sempre sinceras, mas seu desenvolvimento, seco e cruel, também é digno de aplausos, por tornar impossível ao espectador que ele fique incólume ao que passa diante de seus olhos.
A criança de "A caça" - uma menina de aparência angelical e modos
delicados - não apenas mente como sua mentira destrói a vida de um homem
inocente, a quem ela prejudica (talvez sem ter a plena consciência das
possíveis consequências de seu ato, mas ainda assim de maneira
irresponsável) quando o acusa de abuso sexual. Solitário e discreto, o
professor Lucas (vivido por Mikkelsen, agora conhecido por sua
interpretação como o psiquiatra canibal da série "Hannibal") tem sua
vida abalada quando a menina, filha de um de seus melhores amigos e sua aluna, o denuncia para a
diretora da escola. Transtornado pela acusação, Lucas imediatamente se
vê privado da confiança dos colegas, sem trabalho e com a suspeita de
tal ato pendendo inclemente sobre sua cabeça. Tratado com violência pelos conterrâneos e
humilhado publicamente, a ele resta apenas o carinho do filho único - plenamente convicto da inocência do pai - e
sua consciência limpa.
A intenção de Vinterberg - também um dos atores do roteiro - não é
esmiuçar as investigações a respeito da denúncia infantil, nem tampouco
fornecer à plateia um estudo voyeurista da decadência de um homem comum
que tem seu mundo chacoalhado por uma mentira contada por alguém
aparentemente incapaz de faltar com a verdade. O que "A caça" apresenta é
o desenho melancólico de um homem que tem tirado de si a dignidade, a
confiança e o respeito. Para isso, conta com uma atuação fantástica de
Mads Mikkelsen, que faz de seu Lucas a encarnação perfeita de alguém
cuja perplexidade impede de tomar quaisquer atitudes. E é justamente
essa quase apatia do protagonista que talvez seja o calcanhar de Aquiles
da obra de Vinterberg: o público assiste, atônito, um cidadão ser
acusado, achincalhado, humilhado e agredido por algo que não cometeu e
permanecer quieto, quase como uma personagem bíblica, disposta a
oferecer a outra face. Nem ao menos um advogado Lucas chama para defendê-lo, o que soa no mínimo incoerente. Esse sofrimento - que rivaliza com os calvários
das personagens femininas de Lars Von Trier, colega de Vinterberg no
Dogma 95 - encontra eco no roteiro coeso e que evita apontar dedos e julgar qualquer personagem (esteja ele de que lado for na situação) e no elenco coadjuvante, que dá
suporte ao trabalho impecável de seu protagonista.
"A caça" é uma mostra definitiva do talento de Vinterberg e de sua
inteligência em jamais deixar que um tema tão forte e denso como o
tratado em seu filme descambe para o sensacionalismo barato. É cinema em
estado bruto, conforme enfatizam a fotografia em tons secos também premiada em Cannes e a trilha sonora, discreta e pontual. Um filme marcante e tecnicamente superior à sua mais famosa obra. Talvez seja o filme do amadurecimento artístico de um cineasta que tem muito a dizer.
Filmes, filmes e mais filmes. De todos os gêneros, países, épocas e níveis de qualidade. Afinal, a sétima arte não tem esse nome à toa.
Assinar:
Postar comentários (Atom)
JADE
JADE (Jade, 1995, Paramount Pictures, 95min) Direção: William Friedkin. Roteiro: Joe Eszterhas. Fotografia: Andrzej Bartkowiak. Montagem...
-
EVIL: RAÍZES DO MAL (Ondskan, 2003, Moviola Film, 113min) Direção: Mikael Hafstrom. Roteiro: Hans Gunnarsson, Mikael Hafstrom, Klas Osterg...
-
ACIMA DE QUALQUER SUSPEITA (Presumed innocent, 1990, Warner Bros, 127min) Direção: Alan J. Pakula. Roteiro: Frank Pierson, Alan J. Paku...
-
NÃO FALE O MAL (Speak no evil, 2022, Profile Pictures/OAK Motion Pictures/Det Danske Filminstitut, 97min) Direção: Christian Tafdrup. Roteir...
Nenhum comentário:
Postar um comentário