INSIDE LLEWYN DAVIS - BALADA DE UM HOMEM COMUM (Inside Llewyn Davis, 2013, CBS Films/StudioCanal, 104min) Direção e roteiro: Ethan Coen, Joel Coen. Fotografia: Bruno Delbonnel. Montagem: Roderick Jaynes. Figurino: Mary Zophres. Direção de arte/cenários: Jess Gonchor/Susan Bode Tyson. Produção executiva: Olivier Courson, Robert Graf, Ron Halpern. Produção: Ethan Coen, Joel Coen, Scott Rudin. Elenco: Oscar Isaac, Carey Mulligan, Justin Timberlake, Ethan Phillips, Max Casella, Adam Driver, John Goodman, Garrett Hedlund, F. Murray Abraham. Estreia: 19/5/13 (Festival de Cannes)
2 indicações ao Oscar: Fotografia, Mixagem de Som
Não adianta. Entra ano e sai ano, os irmãos Coen continuam sendo uma voz
única (por mais paradoxal que seja a afirmação, uma vez que eles são
dois) dentro da mesmice do cinema americano. Mesmo que por vezes aceitem
fazer o jogo da indústria - com filmes mais comerciais, como "O amor
custa caro" e "Queime depois de ler", que ainda assim tem um quê de
rebeldia disfarçada pelos elencos estelares - eles nunca abrem mão de
imprimir em cada trabalho uma personalidade que os diferenciam do
mainstream. Mais uma prova disso - se é que precisa de mais uma - é o melancólico "Inside Llewyn Davis, balada de um homem
comum", injustamente ignorado pela mesma Academia que encheu de louvores
o fraco e previsível "Clube de compras Dallas". Repleto das qualidades
que fazem da filmografia dos Coen uma das mais consistentes do cinema
ianque desde sua estreia com a revisita ao filme noir "Gosto de sangue"
(84), a odisseia do músico folk do título, vivido com intensidade crua
pelo ótimo Oscar Isaac, é uma pérola de sensibilidade, humor negro e boa
música, capaz de envolver a audiência sem precisar de grandes eventos
dramáticos para isso.
Llewyn Davis, o protagonista, é um cantor folk sem lar, sem lenço e sem
documento que transita pelo Greenwich Village de 1961, buscando uma
chance de firmar-se na carreira depois do suicídio do parceiro artístico. Seguindo o vento, ele conta com a ajuda
dos amigos para sobreviver sem um endereço fixo - mesmo que em várias
ocasiões surjam conflitos sérios entre eles, especialmente com Jean
(Carey Mulligan, mais uma vez ameaçando roubar a cena), namorada e
parceira musical do talentoso Jim (o cantor Justin Timberlake
acertando mais uma vez em sua carreira cinematográfica), que lhe revela estar grávida depois de um rápido e traumático caso. Sua vida
itinerante o faz questionar frequentemente sua opção em tentar a vida
artística, mas seu amor pela música sempre fala mais alto, mesmo quando
tudo parece lhe gritar o contrário. Solitário e melancólico, ele vaga sem destino pelas ruas de Nova York - e Chicago - acompanhado apenas por um gato do qual nem sabe o nome e de seu violão, sua arma contra a mediocridade e a agressividade de um mundo hostil à sua presença quase invisível.
Tendo sua trajetória ilustrada pela
excepcional trilha sonora supervisionada por T Bone Burnett (que fez o mesmo com "Coração louco", que deu o Oscar de melhor ator a Jeff Bridges em 2010) e iluminada
magistralmente pela câmera do francês Bruno Delbonnell (merecidamente
indicada a uma estatueta da Academia), que transforma cada cena em uma pequena obra de arte
que reflete seu estado de espírito atormentado mas sempre
inquebrantável, Llewyn Davis é mais um anti-heroi criado pelos irmãos Coen, um homem que, conforme destaca o desnecessário subtítulo nacional, é comum em seus sentimentos mas brilhante em sua tenacidade artística. Seus expressivos silêncios, seu olhar triste e a força de sua música - passional e potente - falam mais do que seus diálogos, repletos de um desamparo e de uma desesperança que contrastam com sua resiliência. Exímios roteiristas, os irmãos Coen preenchem seu filme ora com ataques agressivos ao protagonista - em especial quando se trata de Jean e sua metralhadora de ofensas - ora com um senso de humor negro sutil e inteligente. Em uma jogada de mestre, eles ainda dão a seu protagonista uma revelação bombástica, que pode (ou não) mudar drasticamente seu destino e fazem a escolha certa em relação à sua decisão de encará-la.
Brilhantemente interpretado por Oscar Isaac - ator nascido na Guatemala e
que já foi visto mas pouco notado em filmes como "Drive" (onde fazia o
marido de Carey Mulligan) e "W/E, o romance do século" (dirigido por
Madonna) - Llewyn Davis passa o filme inteiro lutando contra os obstáculos de um cotidiano opressor e preto-e-branco
contando apenas com sua quase implacável confiança em seu
talento quase nunca devidamente reconhecido (e é diferente na vida
real?). Passando por momentos ora surreais - como a carona com um
desagradável John Goodman, colaborador habitual dos cineastas - ora de um tristeza quase tangível, o filme
conquista pela sofisticação de sua narrativa e pela delicadeza
estonteante de seu visual. É um pequeno grande filme que merece ser
reconhecido como tal - nem que seja para provar que nem só de elaborados
efeitos especiais vive o cinema americano.
Filmes, filmes e mais filmes. De todos os gêneros, países, épocas e níveis de qualidade. Afinal, a sétima arte não tem esse nome à toa.
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