quinta-feira

ANTES DA MEIA-NOITE

ANTES DA MEIA-NOITE (Before midnight, 2013, Castle Rock Entertainment, 109min) Direção: Richard Linklater. Roteiro: Richard Linklater, Ethan Hawke, Julie Delpy, personagens criados por Richard Linklater, Kim Krizan. Fotografia: Christos Voudouris. Montagem: Sandra Adair. Música: Graham Reynolds. Figurino: Vassilia Rozana. Produção executiva: Liz Glotzer, Jacob Pechenik, Martin Shafer, John Sloss. Produção: Christos V. Konstantakopoulos, Richard Linklater, Sara Woodhatch. Elenco: Ethan Hawke, Julie Delpy, Walter Lassaly, Ariane Labed, Panos Koronis, Athina Rachel Tsangari, Xenia Kalogeropoulou. Estreia: 20/01/13 (Festival de Sundance)

Indicado ao Oscar de Roteiro Adaptado

"Ouça-me bem, amor, preste atenção: o mundo é um moinho. Vai triturar seus sonhos, tão mesquinho, vai reduzir as ilusões a pó..." Certamente o cineasta Richard Linklater não conhece Cartola e uma de suas mais famosas composições, mas de certa forma os versos de "O mundo é um moinho" se encaixam com perfeição quase cirúrgica em "Antes da meia-noite", capítulo final de uma trilogia iniciada em 1995 com "Antes do amanhecer" e que prosseguiu em 2004 com "Antes do pôr-do-sol". Substituindo as altas doses de romantismo dos primeiros filmes por um tom mais amargo - e portanto mais realista - Linklater conseguiu uma proeza cada vez mais rara no cinema americano: contar uma história de amor que não soa artificial ou banal, e que não trata seus personagens (e a plateia) com paternalismo ou julgamentos morais.

Despojado de qualquer artifício do tradicional cinema romântico americano, "Antes da meia-noite" se beneficia de sua simplicidade técnica, concentrando-se, mais uma vez, nos inteligentes diálogos do roteiro escrito por Linklater e seu casal de atores centrais, Ethan Hawke e Julie Delpy - assim como aconteceu com "Antes do pôr-do-sol", os três foram indicados ao Oscar da categoria. Calcado basicamente nas longas conversas entre os personagens - dessa vez chegando até mesmo a uma dolorida e quase cruel discussão - o filme novamente convida o espectador a uma sessão de voyeurismo, em que ele assume o papel de testemunha de uma fase crítica na vida do casal que, diante dos olhos dos públicos, se conheceu em uma viagem de trem e só se reencontrou quase uma década mais tarde, ainda apaixonados. Se nos dois primeiros capítulos o amor era o principal ingrediente da receita, no encerramento da trilogia (ao menos até que um novo projeto surja no horizonte, o que é pouco provável) existe um vasto espaço para o ressentimento e o desânimo.


"Antes da meia-noite" encontra seus protagonistas, Jesse e Celine, passando, acompanhados de suas pequenas filhas gêmeas, seus últimos dias de férias em uma ensolarada ilha grega. Morando em Paris, eles aproveitam as belas paisagens a convite de um veterano escritor (interpretado pelo diretor de fotografia alemão Walter Lassaly, premiado com o Oscar por "Zorba, o grego") e sua família. Depois do retorno do filho mais velho de Jessie à casa da mãe - que mora em Chicago e mantém uma relação hostil com o ex-marido - os problemas começam a aparecer: enquanto Celine está em vias de aceitar um emprego que pode lhe recolocar satisfatoriamente no mercado de trabalho, seu marido pensa na possibilidade de reaproximar-se do filho, que ele julga precisar de sua atenção. Logicamente essa diferença de objetivos passa a atormentar ao casal, que aproveita a noite em um quarto de hotel oferecido de presente por amigos - e afastado das crianças - para por a relação em pratos limpos e despejar, um no outro, suas inseguranças, frustrações e anseios (sentimentais e sexuais).

Sem medo de estender-se em extensos diálogos - bem escritos e dotados de uma inteligência admirável - Linklater mais uma vez não deixa que artifícios desnecessários interfiram no desenrolar de seu filme. Sua câmera é discreta e quase invisível, deixando que todo o fascínio de sua obra fique a cargo de seu casal de protagonistas, cada vez mais afiado - e com direito até mesmo a uma inédita cena de nudez, mesmo que ela esteja longe de buscar o erotismo. Mantendo-se fiel à marca registrada da trilogia - a simplicidade visual equilibrando a profundidade dramática - "Antes da meia-noite" só irá decepcionar àqueles que esperam que Jesse e Celine tenham parado no tempo, sem os problemas que costumam acometer todos os casais de verdade. É empolgante que um cineasta como Linklater - que voltaria a brincar com a narrativa temporal no ainda mais ousado "Boyhood, da infância à juventude" - tenha conseguido criar personagens que amadureceram junto com seu público fiel. Em uma jornada que se estende por quase vinte anos, Jesse e Celine tornaram-se uma espécie de casal de amigos, e embora seja por vezes doloroso ver as fissuras que o tempo e a rotina podem causar em uma relação apaixonada, é um mérito dos envolvidos não deixar que a fantasia enterre a verossimilhança. "Antes da meia-noite" é realista, é verdadeiro e é, apesar de tudo, extremamente romântico. Um desfecho à altura para uma das melhores trilogias da história do cinema.

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