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BRAVURA INDÔMITA

BRAVURA INDÔMITA (True grit, 2010, Paramount Pictures, 110min) Direção: Joel Coen, Ethan Coen. Roteiro: Ethan Coen, Joel Coen, romance de Charles Portis. Fotografia: Roger Deakins. Montagem: Roderick Jaynes. Música: Carter Burwell. Figurino: Mary Zophres. Direção de arte/cenários: Jess Gonchor/Nancy Haigh. Produção executiva: David Ellison, Megan Ellison, Robert Graf, Paul Schwake, Steven Spielberg. Produção: Ethan Coen, Joel Coen, Scott Rudin. Elenco: Jeff Bridges, Hailee Steinfeld, Matt Damon, Josh Brolin, Barry Pepper, Domhnall Gleeson. Estreia: 14/12/10

10 indicações ao Oscar: Melhor Filme, Direção (Ethan Coen, Joel Coen), Ator (Jeff Bridges), Atriz Coadjuvante (Hailee Steinfeld), Roteiro Adaptado, Fotografia, Figurino, Direção de Arte/Cenários, Edição de Som, Mixagem de Som

“Onde os fracos não tem vez”, que conquistou a Academia em 2007, já tinha os dois pés cravados em alguns dos mais fortes cânones do western, mas os irmãos Coen – que já haviam brincado com sucesso com vários gêneros caros ao cinema americano – ainda não tinham assinado um faroeste tradicional, daqueles com cavalos, tiroteios heróicos, xerifes, mocinhas valentes e crepúsculos espetaculares. “Bravura indômita”, lançado em 2010, acabou com essa falha. Baseado no romance de Charles Portis que também foi a base do filme de mesmo nome que deu o Oscar de melhor ator a John Wayne, o remake da dupla que já havia revirado os elementos do cinema noir (“Gosto de sangue” e “O homem que não estava lá”), das comédias malucas(“Arizona nunca mais”), dos filmes de gângsters (“Ajuste final”), dos musicais (“E aí, meu irmão cadê você?”) e das comédias românticas (“O amor custa caro”) é um exemplo típico do melhor que o cinemão hollywoodiano pode oferecer ao público quando se trata de narrativas clássicas. Bem escrito – com diálogos inteligentes e salpicados do humor típico dos diretores – e dirigido com extrema competência, é um filme capaz de agradar aos mais exigentes fãs do gênero e, de quebra, arrebanhar cinéfilos que nunca foram muito entusiastas de duelos ao sol.
Indicado a dez Oscar na cerimônia de 2011 dominada pela mediocridade de “O discurso do rei”, “Bravura indômita” mereceu cada uma de suas indicações. Com uma realização impecável – a mais requintada da carreira dos diretores – o filme transcende tanto o livro no qual é baseado quanto o original lançado em 1960. Dotada de uma irreverência e um sarcasmo apenas ensaiado no filme anterior, essa nova versão oferece ao espectador uma trama cujos conceitos de heroísmo, vingança e justiça são bem mais elásticos e coerentes com uma geração que certamente rejeitaria o maniqueísmo inerente aos gloriosos tempos do gênero, onde as mulheres normalmente eram relegadas a segundo plano. Só por ter como protagonista uma mulher – ou melhor dizendo, uma adolescente de 14 anos – “Bravura indômita” já mostra que tem mais a dizer do que a maioria de seus pares. Indicada inexplicavelmente ao Oscar de atriz coadjuvante – já que sua Mattie Ross é a personagem central da trama – a novata Hailee Steinfeld se mostra à altura do desafio, encarando sem medo a oportunidade de enfrentar, logo em sua estreia nas telas, nomes como Jeff Bridges, Matt Damon e Josh Brolin.
Mattie Ross, a personagem de Steinfeld, é uma jovem que chega a uma pequena cidade do interior para reclamar o corpo do pai, covardemente assassinado por um empregado, Tom Chaney (Josh Brolin, assustador). Dotada de uma coragem sem igual, ela quer, na verdade, caçar o criminoso e entregá-lo à justiça. Para isso, ela chega até o lendário Rooster Cogburn (Jeff Bridges), que há muito já deixou para trás seus melhores dias como caçador de recompensas. Aceitando a proposta da menina – teimosa e pouco afeita às delicadezas femininas que ele, bêbado e acostumado com o violento universo masculino de carteados e assassinatos – de buscar Chaney, Cogburn acaba se surpreendendo quando a própria contratante resolve acompanhá-lo na missão. Depois de uma série de discussões, os dois iniciam a jornada, juntamente com o xerife LaBoeuf (Matt Damon), também com razões de sobra para querer por as mãos no fora-da-lei.

Com essa história simples em mãos, Ethan e Joel Coen apagam a má impressão que deixaram com sua experiência anterior em remakes – quando transformaram “Quinteto da morte” no sem graça “Matadores de velhinhas” – e realizam um de seus melhores filmes. Normalmente acostumados a trabalhar com material próprio, eles acabam por transformar a história de Charles Portis em um território fértil para seu jeito particular de fazer cinema, salpicando de humor e uma certa estranheza uma trama aparentemente banal. Juntamente com cenas de estonteante beleza – cortesia da fotografia excepcional de Roger Deakins, que se aproveita dos cenários naturais para construir sequências de encher os olhos – os diretores apresentam uma visão ao mesmo tempo carinhosa e irônica a um gênero constantemente em processo de mutação e redescoberta pelo público. Avessos à violência explícita, eles não hesitam em mostrar corpos em putrefação quando necessário, mas evitam utilizá-la como artifício narrativo primordial, concentrando seu foco na relação entre o trio de personagens principais – uma relação calcada em um misto de admiração, desprezo e solidariedade que somente um roteiro tão repleto de nuances é capaz de apresentar sem parecer esquizofrênico ou incoerente. E além do senso de ritmo invejável – quando a história parece querer esfriar o temido Chaney entra em cena para agitar as coisas – os irmãos Coen também dão a Jeff Bridges mais um personagem dos melhores em sua carreira.
Brigão, ranzinza e politicamente incorreto, Rooster Cogburn deu  John Wayne seu único Oscar e quase deu a Bridges sua segunda estatueta apenas um ano depois de sua primeira vitória pelo cantor country de “Coração louco”. Sem medo das comparações com a clássica interpretação de um dos atores mais fortemente vinculados ao western americano, Bridges injetou a Cogburn um senso de humor ácido que combina com exatidão com a visão quase iconoclasta dos cineastas, que respeitam os elementos do faroeste sem precisar, para isso, ater-se à visão normalmente preconceituosa com que os filmes do gênero apresentavam de mulheres, indígenas e afins. O “Bravura indômita” do século XXI não entra em discussões sexistas ou raciais, preferindo abster-se de polêmicas e apenas contar, da melhor forma possível, uma boa história. Contando com a ajuda de um grande orçamento – e a produção executiva de Steven Spielberg – os oscarizados irmãos cineastas/roteiristas juntaram uma equipe técnica impecável, um elenco acima de qualquer suspeita, uma trama já testada e aprovada por várias gerações de cinéfilos e seu talento imenso para criar um novo clássico. Mesmo tendo perdido todos os Oscar a que concorria – injustamente, diga-se de passagem – “Bravura indômita” é um filme a ser lembrado como um perfeito exemplo do cinemão que só Hollywood é capaz de fazer.

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