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CONTÁGIO

CONTÁGIO (Contagion, 2011, Warner Bros, 106min) Direção: Steven Soderbergh. Roteiro: Scott Z. Burns. Fotografia: Peter Andrews (Steven Soderbergh). Montagem: Stephen Mirrione. Música: Cliff Martinez. Figurino: Louise Frogley. Direção de arte/cenários: Howard Cummings/Cindy Carr. Produção executiva: Jonathan King, Michael Polaire, Jeff Skoll, Ricky Strauss. Produção: Gregory Jacobs, Michael Shamberg, Stacey Sher. Elenco: Matt Damon, Jude Law, Kate Winslet, Marion Cottilard, Gwyneth Paltrow, Laurence Fishburne, Jennifer Ehle, John Hawkes. Estreia: 03/9/11 (Festival de Veneza)

Quando surgiu no mundo do cinema, em 1989, com seu independente “sexo, mentiras e videotape” – que ganhou a Palma de Ouro em Cannes e foi indicado ao Oscar de roteiro original – o cineasta Steven Soderbergh foi louvado como um gênio que poderia renovar o sangue do cinema americano. Com o tempo, ele tanto deu com os burros n’água com produções pretensiosas – “Kafka” (91), por exemplo – como assinou sucessos de bilheteria apenas divertidos – “Onze homens e um segredo” (01) e suas continuações, “Erin Brockovich: uma mulher de talento” (00), que deu o Oscar à Julia Roberts e “Magic Mike” (02), que apesar do êxito comercial é indigno de seu talento. No meio do caminho, filmes muito bons, como “Irresistível paixão” (98) e “Traffic” (00), que lhe rendeu uma estatueta de melhor diretor. Em uma carreira de altos e baixos constantes, “Contágio” fica no meio-termo: não é um filme marcante ou memorável nem tampouco um desastre completo. É um competente thriller médico cuja eficiência se escora mais no elenco multi-estelar do que exatamente em suas qualidades narrativas.
Na tradição de filmes que se utilizam de alguma epidemia para retratar o pânico da população, a ganância da indústria farmacêutica, o descaso das autoridades e o suspense inerente a tantos elementos, Soderbergh criou um produto que mantém a atenção da plateia do primeiro ao último minuto – quando enfim completa o quebra-cabeças cuja primeira peça é lançada na cena inicial – fazendo a intersecção de diversas histórias paralelas ao redor do mundo. Mal comparando, é um “Babel”, de Alejandro González Iñarrítu, mas com viés científico e um elenco tão repleto de estrelas que faz lembrar os filmes-catástrofes dos anos 70, como “Inferno na torre” (74) e “O destino do Poseidon” (75). A vantagem é que Soderbergh, apesar dos tropeços, é um diretor bem mais competente que a média mesmo em produções mais comerciais e menos autorais. Assim como fez em “Traffic” – que também levou as estatuetas de roteiro adaptado, montagem e ator coadjuvante (Benicio Del Toro) – ele demonstra um soberbo senso de ritmo e grande segurança na condução de seus atores, o que faz da missão de se assistir à “Contágio” um prazer mesmo que a história não seja das mais animadoras.
A trama começa em Hong Kong, mostrando os últimos momentos da executiva norte-americana Beth Emhoff (Gwyneth Paltrow) antes de sua volta para casa, depois de uma viagem profissional que lhe deu a oportunidade inclusive de reencontrar um antigo romance. Antes mesmo que ela chegue em Minneapolis, sua cidade natal, o filme já mostra o que vem pela frente: um grupo de pessoas, em países diferentes (Inglaterra, Japão, EUA, China), se torna vítima de uma doença desconhecida, com sintomas de gripe comum, que leva à morte em poucas horas. Não demora para que a própria Beth – assim como seu filho de seis anos de idade - entre para as estatísticas, para desespero de seu marido, Mitch (Matt Damon). Sem querer alarmar a população, organizações médicas começam a investigar a origem da doença, com profissionais de várias partes do mundo buscando encontrar formas de prevenção e respostas imediatas, como modos de contágio e tempo de encubação. Enquanto correm contra o relógio, o blogueiro Alan Krumwiede (Jude Law), de São Francisco alerta seus leitores para uma provável conspiração do governo para impedir que a população saiba do que realmente está por trás da trágica epidemia.


O tema principal de “Contágio” é a busca desesperada da comunidade médica pelas respostas cada vez mais fugidias a respeito do vírus – o que não impede o roteiro de tocar em temas como a irresponsabilidade da mídia, o declínio da civilidade diante de uma crise e a desigualdade social e econômica. Porém, peca por não desenvolver a contento nenhum desses pontos da trama, preferindo ater-se a um suspense que nem sempre funciona, ainda que disfarçado por uma fotografia inteligente (em tons amarelados na trama médica e em tonalidades frias quando retrata as consequências cada vez mais tenebrosas da doença). A edição do veterano Stephen Mirrione – premiado por “Traffic”, também um filme calcado em tramas paralelas – dá espaço igual a todos os personagens, mas mesmo assim por vezes é impossível à plateia realmente se conectar com eles devido à agilidade um tanto exagerada da narrativa. Assim, o drama de Mitch e sua filha adolescente – surpreendentemente imunes ao vírus, mas impedidos de travar qualquer tipo de contato normal com o restante da população – acaba por se tornar, em muitos momentos, muito mais interessante do que as investigações promovidas pelas médicas Leonora Orantes (Marion Cottilard) – que viaja à Ásia representando a OMS e acaba pega como refém por um grupo popular desesperado por uma vacina – e Erin Mears (Kate Winslet) – que segue os passos de Beth Emhoff em busca da origem de tudo. Cottilard e Winslet são atrizes espetaculares e quando entram em cena engolem tudo à sua volta, mas não são capazes de desenvolver a contento seus papéis, graças principalmente ao roteiro superficial.
O roteiro é culpado, também, de não dar a Jude Law e seu personagem um espaço maior: a trama do blogueiro que tenta alertar a população a respeito do descaso do governo em relação às vacinas experimentais e sobre a ganância das indústrias farmacêuticas é empolgante, mas intercalada com as demais ramificações da história, perde o pique e o ritmo, tornando-se apenas uma série de conversas e discussões éticas e morais – seja com o médico Ellis Cheever (Laurence Fishburne) ou com o cientista Ian Sussman (Elliot Gould), que ignora ordens superiores para abandonar as pesquisas e se torna, juntamente com a dra. Ally Hextall (Jennifer Ehle), um dos principais responsáveis pelos avanços rumo à cura. Enquanto Law surge como o olhar questionador do caos, Matt Damon representa o público comum, jogado no meio de um tornado sem ter respostas ou orientações. Fatalista como os bons filmes do gênero, “Contágio” ainda arruma espaço, em seus minutos finais, para culpar o ser humano por toda a situação – um recado que não apenas faz sentido em um período tão ecologicamente alerta quanto imprime ao filme um tom ainda mais dramático e assustador, apropriado ao tema e coerente com o discurso desenvolvido pelo roteiro – que, sem diálogos, encerra o filme deixando o espectador com uma sensação desconfortável. Um tiro certeiro que torna perdoáveis seus pequenos pecados narrativos.
No final das contas, “Contágio” cumpre o que promete: é um suspense médico eficiente na tensão e apresenta um elenco de cair o queixo, que inclui também os indicados ao Oscar John Hawkes e Bryan Cranston (de “Breaking bad”). É um filme de primeira linha, realizado por um cineasta de comprovada competência e com uma história aterrorizante que, apesar do tema pouco atraente, cativa a plateia até o seu desfecho. Soderbergh já fez melhor, mas não deixa de ser um programa acima da média.  

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