sexta-feira

DRIVE

DRIVE (Drive, 2011, FilmDistrict/MG Film, 100min) Direção: Nicolas Winding Refn. Roteiro: Hossein Amini, romance de James Sallis. Fotografia: Newton Thomas Sigel. Montagem: Mat Newman. Música: Cliff Martinez. Figurino: Erin Benach. Direção de arte/cenários: Beth Mickle/Lisa Sessions Morgan. Produção executiva: David Lancaster, Bill Lischack, Linda McDonough, Peter Schlessel, Jeffrey Stott, Gary Michael Walters. Elenco: Ryan Gosling, Carey Mulligan, Bryan Cranston, Albert Brooks, Oscar Isaac, Christine Hendricks. Estreia: 20/5/11 (Festival de Cannes)

Indicado ao Oscar de Edição de Som
Vencedor da Palma de Ouro no Festival de Cannes: Melhor Diretor (Nicolas Windig Refn)

Desde suas primeiras cenas, o empolgante “Drive” leva o público a algumas comparações quase óbvias ao já clássico “Taxi driver”, lançado em 1976: desde o título até a violência explícita em seu clímax – passando pela personalidade elíptica de seu protagonista e o tom pessimista e melancólico do roteiro – parece pagar um tributo dos mais admiráveis a uma das obras-primas do cineasta Martin Scorsese. Mas um olhar mais apurado pode descobrir no filme do norueguês Nicolas Winding Refn uma outra influência, menos evidente mas igualmente brilhante: o admirado “Os brutos também amam”, dirigido por George Stevens em um longínquo 1953. Por mais estranho que possa parecer em um primeiro olhar – afinal, “Drive” é um policial e “Shane” um western típico – as comparações fazem sentido. Se não, vejamos.
No filme de Stevens, Alan Ladd vivia o personagem-título, um homem misterioso, sem passado nem futuro, que chega a uma pequena cidade do interior do oeste americano e ajuda um jovem fazendeiro (Van Heflin) e sua família – esposa e filho pequeno – a se livrarem de um vizinho corrupto e violento que desejam lhe tomar as terras. Seu heroísmo acaba por despertar sentimentos menos nobres que a gratidão da bela dona-de-casa, mas ele se recusa a abdicar de seus princípios e, resolvida a questão com os criminosos, vai embora da mesma forma com que entrou na vida dos novos amigos. Em “Drive”, o que muda é o cenário – uma Los Angeles estilizada, iluminada à noite e desoladoramente asséptica durante o dia – e o contexto da violência – bem mais clara (ainda que utilizada com inteligência e parcimônia) e adequada a uma época em que o heroísmo no cinema está intimamente ligado aos litros de sangue derramados por frame. Ryan Gosling interpreta o protagonista, um jovem mecânico que complementa o orçamento trabalha como dublê em filmes de ação que precisam de um motorista corajoso. Sem jamais dizer seu nome – tanto que é batizado como “driver” até mesmo nos créditos de encerramento do filme – ele também preenche sua sede de adrenalina ajudando assaltantes em fuga nas noites angelenas: ele espera no carro, dá cinco minutos aos contratantes e assume todas as responsabilidades da fuga desde que o tempo proposto não seja ultrapassado. Quando o filme começa, ele conhece a bela e tímida Irene (Carey Mulligan), vizinha de porta que mora com o filho pequeno, Benício, enquanto aguarda a saída de seu marido da cadeia. O rapaz se apaixona por Irene e sua convivência com ela e o menino fica cada vez mais próxima.
A harmonia da relação é quebrada, no entanto, quando Standard (Oscar Isaac), marido de Irene, é libertado. O calado motorista tenta afastar-se da família, como convém a um herói, mas o destino – na forma de antigos colegas de Standard – interveem no desenrolar da história: ameaçado de morte por criminosos que conheceu antes de sua prisão, o ex-presidiário precisa cometer um último assalto para pagar uma dívida que, não quitada, resultará na sua morte – bem como a de sua família. Sem pensar duas vezes, o protagonista resolve ajudar o rival e acaba por entrar na mira de um assustador mafioso, Bernie Rose (Albert Brooks), que por acaso é seu patrocinador em uma possível carreira de corridas de automóveis.



Como pode-se perceber, a estrutura de “Drive” – baseado em um romance de James Sallis, adaptado por Hossein Amini – é mais semelhante a de “Os brutos também amam” do que a de “Taxi driver”. Mas as influências praticamente param por aí. Enquanto George Stevens criou um western quase sentimental, Refn mergulhou fundo no estilo do cinema policial americano dos anos 70, cerebral e febril, com generosas doses de uma angústia e de uma melancolia que faz de seu filme uma pequena obra-prima, que foge brilhantemente do tom monocórdio dos filmes do gênero realizados em Hollywood. Apelando para a ação e para a violência somente quando ela é estritamente necessária, o cineasta pega o espectador de surpresa sempre que ela surge – abrupta, seca, realista – para lembrá-lo que, afinal de contas, a história de amor entre o protagonista e Irene não é um conto de fadas e sim, um romance nascido sob a sombra do perigo e da corrupção. A fotografia espetacular de Thomas Newton Sigel colabora com a sensação de desamparo e a trilha sonora – que soa como deslocada temporalmente da narrativa – ilustra com precisão a tensão crescente, banhando até mesmo as cenas mais românticas com um senso de desconforto que culmina naquela que talvez seja a mais forte sequência do filme, dentro de um elevador, que parte de um beijo para um banho de sangue que mistura o explícito com a sugestão – e que encontra parâmetros somente na inesquecível cena em que Edward Norton assassina um homem negro em “A outra história americana”.
Mas se o roteiro de Amini se presta a mais de um gênero sem prejuízo de nenhum deles (é uma história de amor, um violento policial ou um denso drama intimista, dependendo do olhar do espectador), a direção de Nicolas Winding Refn é igualmente impecável: desde a concepção visual do filme – a jaqueta que Ryan Gosling usa em cenas-chave da narrativa já é um ícone de sua época – até o desenho de seus personagens (do protagonista aos coadjuvantes), tudo funciona como um relógio em “Drive”. Ryan Gosling entrega uma atuação avassaladora, criando um anti-herói de poucas palavras que transmite com um único olhar mais do que longos diálogos e encontra parceiros de cena do mais alto calibre. Se Carey Mulligan é o retrato da doçura, Albert Brooks surge assustador como o vilão Bernie Rose; se Oscar Isaac cria um personagem que foge do clichê “ex-presidiário ameaçador” com uma interpretação com mais nuances do que o normal em um filme policial, Bryan Cranston (da série “Breaking Bad”) igualmente não deixa o espectador prever os atos do seu. Todos importantes no xadrez criado pela trama – que os coloca como aliados ou inimigos de acordo com as circunstâncias – eles são dirigidos com enorme segurança por Refn, que imprime uma elegância nórdica mesmo quando filma sequências de violência extrema. Esse requinte, somado ao elenco superlativo e à inteligência de jamais apelar para o previsível, é que faz de “Drive” um filme obrigatório e essencial para entender sua época – aliás, justamente como acontece com sua inspiração maior, “Taxi driver”, deverá ser lembrado ainda por muitos anos como um dos grandes thrillers policiais realizados pelo cinema americano.

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