Indicado ao Oscar de Roteiro Adaptado
Filmes sobre política, via de regra,
são veneno de bilheteria. Mais afeitas a efeitos visuais, heróis mascarados e
comédias óbvias de humor rasteiro, as plateias geralmente ignoram produções que
tentam falar de assuntos mais sérios. Mesmo assim, tem gente que insiste.
George Clooney é um integrante contumaz desse grupo de inconformados. Com o
prestígio e o sucesso acumulado por anos de serviço à comunidade hollywoodiana
– que perdoou até mesmo o fiasco que foi “Batman & Robin” (97) – Clooney
conseguiu levar seu segundo longa-metragem atrás das câmeras, “Boa noite, e boa
sorte” (05), às indicações ao Oscar de filme e diretor, sem falar em outras
produções de notável teor sócio-político que, sem sua presença, provavelmente
nem teriam visto a luz dos projetores – desde a comédia de guerra “Três reis”
(00) até o altamente combustível “Syriana” (05), que lhe rendeu a estatueta de
ator coadjuvante. Por isso, não é de surpreender que: a) ele tenha voltado ao
tema político em seu quarto filme, e b) tal filme, “Tudo pelo poder”, tenha
naufragado solenemente nas bilheterias americanas a despeito de seu nome e do
grande elenco que o acompanha. Não deixa de ser uma injustiça: baseado na peça
de teatro “Farraguth North”, escrita por Beau Willimon – que também co-assina o
roteiro, ao lado de Clooney e de seu habitual colaborador e produtor Grant
Heslov – “Tudo pelo poder” é um filmaço sobre os bastidores da luta partidária
e as desilusões que inevitavelmente vem à reboque de sua podridão.
Em um ano particularmente
espetacular em sua carreira, o canadense Ryan Gosling supera toda e qualquer
expectativa na pele de Stephen Meyers, um jovem idealista que faz parte do
comitê de campanha de Mike Morris (George Clooney em pessoa), pré-candidato do
Partido Democrata à Presidência dos EUA. Morris, já aprovado como governador, é
uma figura carismática, intensa e cuja plataforma eleitoral abarca os direitos
civis, a ecologia e a pretensão de encerrar a sequência de guerras em que o
país se viu envolvido. É também bem casado com uma mulher respeitável (Jennifer
Ehle) e, mesmo não escondendo de ninguém seu ateísmo (um potencial problema em
uma nação bastante religiosa), vê suas chances de ganhar a eleição aumentarem a
cada dia. Convivendo diretamente com o chefe de campanha de Morris, o
experiente Paul Zara (Philip Seymour Hoffman), Stephen vai tomando consciência
de todos os meandros do mundo político, especialmente quando relacionados ao
jogo sujo proporcionado pelo rival direto de Zara, o pouco confiável Tom Duffy
(Paul Giamatti), que lhe acena com a possibilidade de mudar de time e passar a
fazer parte da equipe rival. Trabalhando incansavelmente, Stephen encontra
tempo para iniciar um romance com a estagiária Molly Stearns (Evan-Rachel
Wood), despistar a onipresente repórter Ida Horowicz (Marisa Tomei) e
descobrir, da pior forma possível, que até mesmo os mais impolutos ídolos tem
pés de barro.
Sabendo da força da trama criada por
Willimon – direta, simples, sem afetações e perigosamente realista – Clooney
abriu mão de virtuosismos técnicos para concentrar seu foco no caminho de seu
protagonista rumo à desilusão total e a consequente transformação de seu
caráter diante do inesperado. O herói da história, Stephen Meyers – que Ryan
Gosling vive com uma intensidade que se reflete em cada olhar, em cada
expressão de angústia e desespero – serve como alter-ego do espectador,
saltando de choque em choque em direção a trevas que ele jamais imaginou
existir. Gosling executa com perfeição a transição de um jovem inocente e leal
a uma raposa capaz dos atos mais baixos, como chantagem e mentira. É mérito do
roteiro, inclusive, fazer com que essa transformação não soe repentina demais
ou inverossímil: o público entende os motivos de Meyers. O público se
solidariza com ele. E, para surpresa geral, o público aceita e aplaude quando a
inocência se perde para sempre. No meio dos lobos, envolvido por conspirações
subterrâneas, só o que resta a Meyers é tentar sobreviver da maneira mais
eficiente – nem que para isso tenha que sacrificar a própria alma.
Esse pessimismo (realismo? cinismo?)
do roteiro – que concorreu ao Oscar - não pode ser mais atual. Diante de uma
política internacional que desrespeita até mesmo os mais óbvios conceitos de
dignidade pessoal, a história de “Tudo pelo poder” soa não como um aviso, mas
como um comentário ácido e perspicaz. Como forma de universalizar a trama, o
roteiro foge da armadilha de tentar explicar a política americana, preferindo
jogar seu foco nas relações humanas por trás dos palanques, um leque de
relações tão ou mais revoltante. Para isso, conta com um elenco de coadjuvantes
de ouro: Philip Seymour Hoffman dá olé em cada cena, Marisa Tomei nunca esteve
tão bem, Paul Giamatti transmite com precisão o tom mefistofélico de seu
personagem e Evan Rachel Wood está na medida certa de pureza e sedução. Mas o
show é, sem dúvida, de Ryan Gosling. No mesmo ano em que criou o misterioso
dublê envolvido com um perigoso grupo de criminosos no excepcional “Drive”, ele
sustenta com firmeza de veterano um tratado doloroso sobre o desencanto.
Merecia, no mínimo, uma lembrança da Academia. Mas seria esperar demais de um
grupo tão conservador e arraigado a valores que o próprio filme faz questão de
espatifar.
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