DJANGO LIVRE (Django unchained, 2012, The Weinstein Company/Columbia Pictures, 165min) Direção e roteiro: Quentin Tarantino. Fotografia: Robert Richardson. Montagem: Fred Raskin. Figurino: Sharen Davis. Direção de arte/cenários: J. Michael Riva/Leslie Pope. Produção executiva: Shannon McIntosh, Michael Shamberg, James W. Skotchdopole, Bob Weinstein, Harvey Weinstein. Produção: Reginald Hudlin, Pilar Savone, Stacey Sher. Elenco: Jamie Foxx, Christoph Waltz, Leonardo DiCaprio, Kerry Washington, Samuel L. Jackson, Don Johnson, James Remar, James Russo, Bruce Dern, Franco Nero, Robert Carradine, Quentin Tarantino. Estreia: 25/12/12
5 indicações ao Oscar: Melhor Filme, Ator Coadjuvante (Christoph Waltz), Roteiro Original, Fotografia, Edição de Som
Vencedor de 2 Oscar: Ator Coadjuvante (Christoph Waltz), Roteiro Original
Vencedor de 2 Golden Globes: Ator Coadjuvante (Christoph Waltz), Roteiro Original
Quentin Tarantino é um cineasta que não nega suas influências. Elas
estão sempre espalhadas por sua obra, seja explicitamente (como em
"Jackie Brown" ou nos dois volumes de "Kill Bill") ou discretamente
(pero no mucho) como em "Pulp Fiction, tempo de violência". Por isso não é de estranhar que
"Django livre", seu mais uma vez incensado trabalho seja
coalhado de homenagens e piadas internas. Sorte do grande público é que,
além de todas essas reverências o homem é também um roteirista de mão
cheia (como comprova sua vitória nos Golden Globes e no Oscar) e um diretor que consegue SEMPRE arrancar atuações antológicas de seus atores. Se alguém ainda tinha
dúvidas a esse respeito (e alguém tinha?) é altamente recomendável que
esse alguém assista, sem desculpa de nenhuma espécie, a esse misto de
faroeste/filme sobre escravidão: nele não apenas o cineasta mais
cultuado de sua geração lega ao cinema mais um grande filme como mostra
que mesmo em filmes de gêneros diversos ao que se acostumou a assinar
ele consegue manter-se fiel a seu estilo bastante peculiar e imediatamente reconhecível.
Provocando o desprezo do cineasta Spike Lee - que vê no filme um
"desrespeito a seus ancestrais" - Quentin Tarantino fez de "Django
livre" uma enciclopédia de todas as suas marcas registradas, somada à
sua homenagem rasgada aos westerns-spaghetti menos conhecidos do grande
público (ao invés de Sergio Leone e afins, suas influências atendem
pelos nomes de Sergio Corbucci e Tonino Valeri, entre outros). Nas duas
horas e quarenta cinco minutos de projeção estão espalhados diálogos
ácidos, humor negro, personagens deliciosamente complexos e uma
carnificina exagerada que não deixa nada a dever ao hiperviolento "Cães de aluguel", o filme de estreia que imediatamente o fez cair nas graças da crítica. Mesmo que demore a engrenar - a
impressão que se tem é que a história só começa mesmo depois da primeira
hora, quando os protagonistas chegam à fazenda de Calvin Candie (um
Leonardo DiCaprio exercitando seu overacting em busca de Oscar) - a história do escravo Django (Jamie Foxx, espetacular)
que se torna caçador de recompensas e parte ao lado do alemão King
Schultz (Christoph Waltz, premiado pela segunda vez com um Oscar de coadjuvante por um filme de Tarantino, e também vencedor do Golden Globe) em busca de sua esposa Broomhilda (Kerry
Washington) utiliza elementos tão díspares quanto a luta "mandingo"
(chupada de um filme de 1975) quanto referências à ópera "O anel dos
Nibelungos", de Richard Wagner. Mas é tudo misturado de maneira tão orgânica que é difícil
imaginar que o diretor/roteirista (e ator em uma sequência perto do
final) vá criando sua trama durante a escrita do roteiro. E é difícil
acreditar também que outro elenco pudesse ser melhor do que o escolhido
para o projeto.
Ainda que Will Smith tenha sido o primeiro nome a passar pela cabeça de
Tarantino para protagonizar seu filme, o trabalho impecável de Jamie
Foxx no papel central é digno de figurar entre os melhores de sua
carreira já premiada com o Oscar por seu desempenho na cinebiografia "Ray" (2004). Christoph Waltz novamente dá um banho
de interpretação com seu complexo Schultz - que é dono de algumas das
melhores falas. Até mesmo Franco Nero - o Django do filme de 1966 -
encontra espaço para uma participação afetiva, assim como Don Johnson
faz com que se mantenha a tradição do diretor de recuperar a carreira de
nomes deixados de lado pelo cinema comercial. E se Leonardo DiCaprio
repete os maneirismos de sempre em sua atuação como o vilão Calvin
Candie, seu escravo fiel - e surpreendentemente racista ao extremo - vivido por Samuel L.
Jackson rouba a cena descaradamente, em uma interpretação que merecia
ter sido lembrada pelo Oscar.
Violento como poucos filmes da atualidade - com sangue jorrando aos
borbotões, escravos sendo devorados por cães e tiroteios ensandecidos -
"Django livre" comprova novamente o talento e a criatividade de seu
diretor. Porém, faz pensar o quanto ele ainda tem a oferecer dentro do universo um tanto restrito - ainda que passível de grandes expansões narrativas - em que gravita. Em 2015 ele vem com um novo e aguardado filme - "The hateful eight" - e será a hora de o público mais uma vez se render a sua maestria ou demonstrar sinais de cansaço. O tempo dirá, mas "Django livre" sempre se manterá como um excelente exemplo de seu estilo de fazer grande cinema.
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sábado
sexta-feira
ANNA KARENINA
ANNA KARENINA (Anna Karenina, 2012, Universal Pictures/Focus Features, 129min) Direção: Joe Wright. Roteiro: Tom Stoppard, romance de Leon Tolstoi. Fotografia: Seamus McGarvey. Montagem: Melanie Ann Oliver. Música: Dario Marianelli. Figurino: Jacqueline Durran. Direção de arte/cenários: Sarah Greenwood/Katie Spencer. Produção executiva: Liza Chasin. Produção: Tim Bevan, Eric Fellner, Paul Webster. Elenco: Keira Knightley, Jude Law, Aaron Taylor-Johnson, Matthew Macfadyen, Domnhall Gleeson, Kelly McDonald, Olivia Williams, Alicia Vikander, Susanne Lothar, Emily Watson. Estreia: 07/9/12 (Festival de Toronto)
4 indicações ao Oscar: Fotografia, Trilha Sonora Original, Figurino, Direção de Arte/Cenários
Vencedor do Oscar de Figurino
Primeiro porque Wright não apenas transportou a história de uma mídia para outra, como aconteceu anteriormente. Ousadamente, ele levou o livro de Tolstoi para as telas com uma escala no teatro, através de um cenário estilizado – brilhantemente executado por Sarah Greenwood e Katie Spencer – onde paredes se movem e salões de baile se transformam em estações ferroviárias, restaurantes, escritórios burocratas e aposentos domésticos, de acordo com a necessidade de cada cena. Como em um espetáculo teatral, Wright brinca com a ludicidade, editando de forma magistral suas sequências como forma de mergulhar sem reservas o espectador em sua trama. Dessa maneira, Karenin (um Jude Law maduro e roubando a cena) rasga uma carta da ex-esposa, a pica em minúsculos pedaços e a joga para cima apenas para imediatamente, tais pedaços transformarem-se em flocos de neve. E Anna (Keira Knightley, a atriz preferida do diretor, aqui em seu terceiro filme juntos) pode sair desesperadamente de sua casa e estar prontamente dentro de um trem, a caminho dos braços de seu amante. A princípio, tal artifício soa estranho ao espectador acostumado com o trivial, mas não demora muito para que ele se deixe seduzir pela beleza estonteante promovida pelo conjunto – coeso e elegante – da obra.
A história, como se sabe, pode ser resumida em poucas linhas: na Rússia imperial do século XVIII, Anna (Keira Knightley), a jovem esposa de um influente político moscovita, Karenin (Jude Law), vai a São Petersburgo com a missão de tentar salvar o casamento do irmão, Stiva (Matthew McFadyen, par romântico de Knightley em “Orgulho e preconceito”), que acaba de ter seu romance com uma babá descoberto pela esposa, Dolly (Kelly McDonald). Frequentando a sociedade local, ela acaba por apaixonar-se perdidamente pelo jovem cavaleiro Vronski (Aaron Taylor-Johnson) – pretendente da irmã de sua cunhada, Kit (Alicia Vikander) – e inicia com ele um escandaloso romance extra-conjugal que a torna uma pária social e a joga contra o marido, que a ameaça tirar-lhe a guarda do único filho. Enquanto isso, Kit, sem mais esperanças de casar-se com Vronski, se deixa conquistar por Liév (Domnhall Gleeson), um jovem fazendeiro que não se deixa cativar pelo jogo de aparências das altas rodas russas.
4 indicações ao Oscar: Fotografia, Trilha Sonora Original, Figurino, Direção de Arte/Cenários
Vencedor do Oscar de Figurino
Poucos filmes levaram tão a sério a
afirmação de William Shakespeare de que o mundo é um palco quanto a versão do
cineasta Joe Wright do clássico russo “Anna Karenina”, publicado por Leon
Tolstoi em 1878. Investindo em uma adaptação visualmente estilizada de um dos
maiores romances da história da literatura, o diretor que já visitou Jane
Austen em “Orgulho e preconceito” e Ian McEwan em “Desejo e reparação”
distanciou-se das versões anteriores do livro para criar um espetáculo
exuberante e opulento que trata a história de um amor adúltero na Rússia do
século XIX como uma peça teatral, onde os personagens tratam de viver papéis
pré-estabelecidos de acordo com as regras sociais, reprimindo seus desejos e
instintos mais primitivos. Sob a visão de Wright e do roteirista Tom Stoppard –
dramaturgo vencedor do Oscar por “Shakespeare apaixonado” – Anna Karenina e
seus coadjuvantes são peças de um cruel jogo de aparências emoldurado por uma
sociedade mais afeita às convenções do que aos reais sentimentos. Tal visão,
sob a fotografia inspirada de Seamus McGarvey e embalada pela trilha sonora de
Dario Marianelli, encontra eco na mais deslumbrante transposição da obra de
Tolstoi para as telas. Vencedor do Oscar de melhor figurino – merecia também os
prêmios de direção de arte, trilha sonora e fotografia – o “Anna Karenina” de
2012 é digno de figurar entre as melhores adaptações cinematográficas já
realizadas pelo cinema por várias razões.
Primeiro porque Wright não apenas transportou a história de uma mídia para outra, como aconteceu anteriormente. Ousadamente, ele levou o livro de Tolstoi para as telas com uma escala no teatro, através de um cenário estilizado – brilhantemente executado por Sarah Greenwood e Katie Spencer – onde paredes se movem e salões de baile se transformam em estações ferroviárias, restaurantes, escritórios burocratas e aposentos domésticos, de acordo com a necessidade de cada cena. Como em um espetáculo teatral, Wright brinca com a ludicidade, editando de forma magistral suas sequências como forma de mergulhar sem reservas o espectador em sua trama. Dessa maneira, Karenin (um Jude Law maduro e roubando a cena) rasga uma carta da ex-esposa, a pica em minúsculos pedaços e a joga para cima apenas para imediatamente, tais pedaços transformarem-se em flocos de neve. E Anna (Keira Knightley, a atriz preferida do diretor, aqui em seu terceiro filme juntos) pode sair desesperadamente de sua casa e estar prontamente dentro de um trem, a caminho dos braços de seu amante. A princípio, tal artifício soa estranho ao espectador acostumado com o trivial, mas não demora muito para que ele se deixe seduzir pela beleza estonteante promovida pelo conjunto – coeso e elegante – da obra.
Outro ponto que sublinha as
qualidades da adaptação de Stoppard diz respeito à opção em não tentar abraçar
a obra inteira de Tolstoi – mais de 600 páginas, afinal de contas – em um único
filme. Centrando sua narrativa basicamente no romance adúltero entre Anna e Vronski (Aaron Taylor-Johnson), o dramaturgo corria o risco de ser violentamente rechaçado pelos puristas,
que poderiam ver na falta de interesse do roteiro nas elocubrações socialistas
do escritor uma maneira de diluir a importância do livro e transformá-lo em um
melodrama puro e simples. Stoppard não chega a tanto, mas diminui radicalmente
os questionamentos de Liévin (Dohmnall Gleeson) a respeito da desigualdade social que
grassava na Rússia imperial, utilizando o personagem quase que apenas como um
observador atuante da tragédia que se desenrola à sua frente – enquanto tenta
conquistar o amor da bela e ingênua Kit (Alicia Vikander bem antes de sonhar
com o Oscar de coadjuvante por “A garota dinamarquesa”). Quem leu o romance
sabe bem que as longas páginas gastas pelo escritor para divagar a respeito do
dia-a-dia dos camponeses não caberiam em um filme romântico – se é que caberiam
em algum outro gênero. Assim, Stoppard acerta em dedicar seu foco ao fatal
triângulo amoroso que abalou a sociedade de São Petersburgo no final do século
XVIII – ainda que por vezes algumas atitudes dos personagens soem meio abruptas
e que Jude Law tenha conseguido fazer de seu Karenin alguém bem mais simpático
do que no romance.
Boa parte da simpatia conquistada
por Karienin vem do fato de que Law é um ator extremamente superior a Aaron
Taylor-Johnson, que vive nas telas o seu rival. Mesmo com seus olhos azuis
faiscando ainda mais brilhantes graças à fotografia de McGarvey e o uniforme
branco com que seu Vronski desfila pelas telas, Johnson não tem a profundidade e a
experiência necessárias para fazer de seu personagem alguém marcante ou forte o
suficiente para justificar o amor desesperado de Anna. Bonito ele é, mas lhe
falta carisma e sutileza: em muitos momentos o público fica perdido, sem saber
de seus reais sentimentos em relação à amante. Enquanto isso, Law deita e rola,
puxando para si a protagonização da história, transmitindo uma vasta nuance de
sentimentos que acaba fazendo com que o público torça mais por ele do que pelo amante de sua mulher. Já Keira Knightley faz o que pode com uma personagem que tem em sua lista
de intérpretes nomes como Greta Garbo e, mais recentemente, Sophie Marceau:
limitada, ela até consegue controlar o excesso de caras e bocas que vem
marcando sua carreira, mas lhe falta substância dramática para encarar uma das
mais complexas e fascinantes personagens femininas da literatura mundial. É de
se imaginar o que gente como Natalie Portman e Michelle Williams faria em seu
lugar. Mas, dos males o menor, Knightley ao menos consegue ser suportável –
coisa de que não foi capaz em “Um método perigoso”, em que quase jogou por
terra o belo trabalho de Michael Fassbender como Jung.
A história, como se sabe, pode ser resumida em poucas linhas: na Rússia imperial do século XVIII, Anna (Keira Knightley), a jovem esposa de um influente político moscovita, Karenin (Jude Law), vai a São Petersburgo com a missão de tentar salvar o casamento do irmão, Stiva (Matthew McFadyen, par romântico de Knightley em “Orgulho e preconceito”), que acaba de ter seu romance com uma babá descoberto pela esposa, Dolly (Kelly McDonald). Frequentando a sociedade local, ela acaba por apaixonar-se perdidamente pelo jovem cavaleiro Vronski (Aaron Taylor-Johnson) – pretendente da irmã de sua cunhada, Kit (Alicia Vikander) – e inicia com ele um escandaloso romance extra-conjugal que a torna uma pária social e a joga contra o marido, que a ameaça tirar-lhe a guarda do único filho. Enquanto isso, Kit, sem mais esperanças de casar-se com Vronski, se deixa conquistar por Liév (Domnhall Gleeson), um jovem fazendeiro que não se deixa cativar pelo jogo de aparências das altas rodas russas.
Elegante, charmoso, visualmente
deslumbrante e narrado como uma sóbria sinfonia que aos poucos vai se deixando
envolver pela tragédia, “Anna Karenina” é um trabalho raro. De extremo cuidado
plástico e emocional, é um dos mais fascinantes filmes de 2012 apesar de alguns
pequenos pecados. Altamente recomendável para quem gosta de cinema com
conteúdo.
quinta-feira
BATMAN: O CAVALEIRO DAS TREVAS RESSURGE
BATMAN: O CAVALEIRO DAS TREVAS RESSURGE (The Dark Knight rises, 2012, Warner Bros/Legendary Pictures, 165min) Direção: Christopher Nolan. Roteiro: Christopher Nolan, Jonathan Nolan, estória de Christopher Nolan, David S. Goyer, personagens criados por Bob Kane. Fotografia: Wally Pfister. Montagem: Lee Smith. Música: Hans Zimmer. Figurino: Lindy Hemming, Craciunica Roberto. Direção de arte/cenários: Nathan Crowley/Kevin Kavanaugh. Produção executiva: Kevin De La Noy, Benjamin Melniker, Thomas Tull, Michael E. Uslan. Produção: Christopher Nolan, Charles Roven, Emma Thomas. Elenco: Christian Bale, Anne Hathaway, Michael Caine, Joseph Gordon-Levitt, Tom Hardy, Marion Cottilard, Gary Oldman, Morgan Freeman, Matthew Modine, Cillian Murphy, Ben Mendelsohn, Juno Temple, Thomas Lennon, Liam Neeson. Estreia: 16/7/12
O que falta dizer sobre "Batman: O Cavaleiro das Trevas ressurge" que ainda não foi dito, analisado, dissecado e elogiado desde sua estreia, a maior de 2012, com uma bilheteria arrasadora que confirmou de uma vez por todas a força do personagem e do talento de todos os envolvidos? O encerramento da trilogia dirigida por Christopher Nolan - que provou que entretenimento e inteligência podem conviver pacificamente em um blockbuster, haja visto também o sucesso merecido de "A origem", que chegou a concorrer ao Oscar de melhor filme - pode não ser tão impactante quanto o segundo capítulo da série (que, afinal de contas, contava com a atuação assombrosa de Heath Ledger) mas consegue ser empolgante, comovente e surpreendente, apesar de alguns pequenos defeitos. De quantos "filmes de verão", pouco afeitos a "detalhes" como roteiro e direção de atores se pode pode afirmar a mesma coisa?
A essa altura todo mundo sabe que a trama mantida em segredo por Nolan antes da estreia começa sete anos depois dos acontecimentos do segundo filme, mostrando Bruce Wayne (Christian Bale) isolado em sua mansão e a imagem de Batman manchada pela acusação da morte de Harvey Dent (Aaron Eckhart) - na verdade obra das armações do Coringa (Heath Ledger). Batman e Wayne são obrigados a voltar à ação, no entanto, quando um mercenário chamado Bane (o impressionante Tom Hardy) passa a ameaçar Gotham City com a destruição em massa proposta por Ra's Al Ghul (Liam Neeson), mentor de ambos na Liga das Sombras. Junta-se à receita a charmosa ladra Selina Kyle (Anne Hathway na ingrata tarefa de ofuscar a Mulher-Gato de Michelle Pfeiffer no filme comandado por Tim Burton em 1992), o jovem policial idealista Blake (Joseph Gordon-Levitt) e a milionária Miranda Tate (Marion Cotillard) - que ambiciona tornar-se sócia de Wayne em seus experimentos - e pronto: Nolan oferece à audiência cenas de ação de extrema competência, dramas humanos críveis e reviravoltas em número suficiente para que as quase três horas de projeção passem voando diante dos olhos do público.
Fugindo do limitativo nicho de "filmes de super-herói", a trilogia do Homem-morcego criada por Nolan tem uma consistência rara, mantendo um nível de qualidade que encanta tanto aos fãs de histórias em quadrinhos quanto àqueles interessados apenas em um bom filme de ação. Tudo tem espaço no roteiro do cineasta, que tem óbvio carinho pelas personagens e pelos atores que as interpretam (não é à toa que o "time Nolan" está todo aqui, de Bale, Michael Caine e Cillian Murphy aos novos integrantes da troupe, Marion Cotillard, Joseph Gordon-Levitt e Tom Hardy, saídos direto de "A origem"). A história que conta é mais importante para o homem que despontou para o grande público com o fantástico "Amnésia" do que efeitos desconcertantes de câmera e efeitos especiais de ponta (e mesmo assim ele proporciona à plateia bons momentos assim). E é um desafio a qualquer um não sair do cinema bastante satisfeito com as ideias do excelente roteiro e com o final emocionante, com direito até mesmo a uma pequena e feliz surpresa. Seguindo o caminho de costurar várias linhas narrativas simultâneas e com inúmeros personagens, que pode ser bastante perigoso - caso do terceiro "Homem-aranha", de Sam Raimi - quanto bem-sucedido - como aconteceu com a trilogia "O Senhor dos Anéis", de Peter Jackson - Nolan conta com uma edição de extrema competência, que consegue dar conta de tudo mesmo quando a aparência é de uma bagunça descontrolada. Realmente existe um acúmulo de personagens, mas Nolan mantém o pulso firme até o final - e ainda consegue chocar a audiência com uma das cenas mais impressionantes da trilogia (retirada diretamente dos quadrinhos).
Difícil falar de "Batman: O Cavaleiro das Trevas ressurge", em especial depois que tudo foi dito. Mas algo precisa ser afirmado apesar de tudo: é absolutamente imperdível e satisfaz até ao mais exigente fã do personagem de Bob Kane. É um encerramento absolutamente digno e se Anne Hathway não rouba a coroa de Michelle Pfeiffer ao menos faz bonito em cena, com beleza, carisma e talento. Uma pena, no entanto, que a personagem de Marion Cottilard seja tão pouco aproveitada e que agora estejamos todos reféns de novas e temíveis adaptações do herói para o cinema. Obrigado, Nolan, por esses anos de entretenimento de primeira qualidade.
O que falta dizer sobre "Batman: O Cavaleiro das Trevas ressurge" que ainda não foi dito, analisado, dissecado e elogiado desde sua estreia, a maior de 2012, com uma bilheteria arrasadora que confirmou de uma vez por todas a força do personagem e do talento de todos os envolvidos? O encerramento da trilogia dirigida por Christopher Nolan - que provou que entretenimento e inteligência podem conviver pacificamente em um blockbuster, haja visto também o sucesso merecido de "A origem", que chegou a concorrer ao Oscar de melhor filme - pode não ser tão impactante quanto o segundo capítulo da série (que, afinal de contas, contava com a atuação assombrosa de Heath Ledger) mas consegue ser empolgante, comovente e surpreendente, apesar de alguns pequenos defeitos. De quantos "filmes de verão", pouco afeitos a "detalhes" como roteiro e direção de atores se pode pode afirmar a mesma coisa?
A essa altura todo mundo sabe que a trama mantida em segredo por Nolan antes da estreia começa sete anos depois dos acontecimentos do segundo filme, mostrando Bruce Wayne (Christian Bale) isolado em sua mansão e a imagem de Batman manchada pela acusação da morte de Harvey Dent (Aaron Eckhart) - na verdade obra das armações do Coringa (Heath Ledger). Batman e Wayne são obrigados a voltar à ação, no entanto, quando um mercenário chamado Bane (o impressionante Tom Hardy) passa a ameaçar Gotham City com a destruição em massa proposta por Ra's Al Ghul (Liam Neeson), mentor de ambos na Liga das Sombras. Junta-se à receita a charmosa ladra Selina Kyle (Anne Hathway na ingrata tarefa de ofuscar a Mulher-Gato de Michelle Pfeiffer no filme comandado por Tim Burton em 1992), o jovem policial idealista Blake (Joseph Gordon-Levitt) e a milionária Miranda Tate (Marion Cotillard) - que ambiciona tornar-se sócia de Wayne em seus experimentos - e pronto: Nolan oferece à audiência cenas de ação de extrema competência, dramas humanos críveis e reviravoltas em número suficiente para que as quase três horas de projeção passem voando diante dos olhos do público.
Fugindo do limitativo nicho de "filmes de super-herói", a trilogia do Homem-morcego criada por Nolan tem uma consistência rara, mantendo um nível de qualidade que encanta tanto aos fãs de histórias em quadrinhos quanto àqueles interessados apenas em um bom filme de ação. Tudo tem espaço no roteiro do cineasta, que tem óbvio carinho pelas personagens e pelos atores que as interpretam (não é à toa que o "time Nolan" está todo aqui, de Bale, Michael Caine e Cillian Murphy aos novos integrantes da troupe, Marion Cotillard, Joseph Gordon-Levitt e Tom Hardy, saídos direto de "A origem"). A história que conta é mais importante para o homem que despontou para o grande público com o fantástico "Amnésia" do que efeitos desconcertantes de câmera e efeitos especiais de ponta (e mesmo assim ele proporciona à plateia bons momentos assim). E é um desafio a qualquer um não sair do cinema bastante satisfeito com as ideias do excelente roteiro e com o final emocionante, com direito até mesmo a uma pequena e feliz surpresa. Seguindo o caminho de costurar várias linhas narrativas simultâneas e com inúmeros personagens, que pode ser bastante perigoso - caso do terceiro "Homem-aranha", de Sam Raimi - quanto bem-sucedido - como aconteceu com a trilogia "O Senhor dos Anéis", de Peter Jackson - Nolan conta com uma edição de extrema competência, que consegue dar conta de tudo mesmo quando a aparência é de uma bagunça descontrolada. Realmente existe um acúmulo de personagens, mas Nolan mantém o pulso firme até o final - e ainda consegue chocar a audiência com uma das cenas mais impressionantes da trilogia (retirada diretamente dos quadrinhos).
Difícil falar de "Batman: O Cavaleiro das Trevas ressurge", em especial depois que tudo foi dito. Mas algo precisa ser afirmado apesar de tudo: é absolutamente imperdível e satisfaz até ao mais exigente fã do personagem de Bob Kane. É um encerramento absolutamente digno e se Anne Hathway não rouba a coroa de Michelle Pfeiffer ao menos faz bonito em cena, com beleza, carisma e talento. Uma pena, no entanto, que a personagem de Marion Cottilard seja tão pouco aproveitada e que agora estejamos todos reféns de novas e temíveis adaptações do herói para o cinema. Obrigado, Nolan, por esses anos de entretenimento de primeira qualidade.
quarta-feira
UM DIVÃ PARA DOIS
UM DIVÃ PARA DOIS (Hope Springs, 2012, Columbia Pictures/Mandate
Pictures, 100min) Direção: David Frankel. Roteiro: Vanessa Taylor.
Fotografia: Florian Ballhaus. Montagem: Steven Weisberg. Música:
Theodore Shapiro. Figurino: Ann Roth. Direção de arte/cenários: Stuart
Wurtzel/George DeTitta Jr.. Produção executiva: Jason Blumenthal, Nathan
Kahane, Jessie Nelson, Steve Tisch. Produção: Todd Black, Guymon
Casady. Elenco: Meryl Streep, Tommy Lee Jones, Steve Carrell, Jean
Smart, Elisabeth Shue, Mimi Rogers. Estreia: 08/8/12
Kay e Arnols Soames estão
comemorando 31 anos de casamento. Dessa relação sólida e tranquila, nasceram
dois filhos e um conforto que transformou-se em comodismo. Dormindo em quartos
separados e sem assuntos em comum, o casal parece ter aposentado
definitivamente sua vida sexual e afetiva. Mas Kay não quer entregar os pontos
facilmente e, depois de ler o livro de um terapeuta de casais extremamente
bem-sucedido, gasta quatro mil dólares de suas economias pagando um intensivo
de sete dias em uma cidade costeira do Maine para recuperar seu casamento. A princípio
decidido a não acompanhar a esposa no que considera uma loucura, Arnold acaba
por ceder e eles começam, então, um período onde terão que trazer à tona
assuntos que aprenderam a esconder com o passar dos anos. Com essa sinopse, “Um
divã para dois” poderia servir para um drama-cabeça do sueco Ingmar Bergman,
uma comédia intelectualizada de Woody Allen ou um filme erótico metido a
profundo de Bernardo Bertolucci. Mas, com Meryl Streep e Tommy Lee Jones nos
papéis principais e a direção de David Frankel (de “O diabo veste Prada”), é
apenas uma comédia dramática com bons momentos, bom elenco e a dose de
previsibilidade comum a uma produção comercial e despretensiosa. Não muda a
vida de ninguém, mas é garantia de um passatempo bastante agradável.
É lógico que ter Meryl Streep ajuda e muito.
Já que o roteiro não foge do banal e da superficialidade, o talento da atriz em
tirar leite de pedra acaba por tornar-se a principal razão para assistir-se ao
filme. Mestre do minimalismo, Streep consegue convencer tanto nos momentos de
humor – sutil às vezes, quase de mau-gosto de vez em quando – quanto naqueles
em que sua capacidade de falar com os olhos lembra a plateia dos motivos que a
levam a ser considerada a melhor atriz americana de sua geração. Ciente das
vontades e do objetivo de Kay em salvar seu casamento e recuperar os dias de
paixão com o marido, o público torna-se seu cúmplice, entendendo sem fazer
esforço o que se passa por sua cabeça diante das constrangedoras perguntas
formuladas pelo dr. Bernard Feld (Steve Carrell, bastante contido). Em
contraste com a quase insensibilidade do marido (Tommy Lee Jones mais uma vez
em um papel seco e no limite do brutal), Streep é uma flor de delicadeza, capaz
de ultrapassar seus limites morais para reencontrar a felicidade doméstica
(inclusive tentando praticar o sexo oral que aprendeu a fazer lendo um livro
escrito por gays para ajudarem mulheres como ela). Mas que as feministas não
preparem suas reclamações: se Kay corre atrás do prejuízo, Arnold também percebe,
um tempo depois, que precisa fazer a mesma força. O filme não tem viés
feminista nem machista. É apenas inconsequente.
Kay não é uma dona-de-casa que viveu
para os filhos – apesar de não ter uma “carreira”, trabalha fora e tem
condições suficientes para uma vida independente, se assim o quisesse. Arnold
não é um homem mau, é apenas uma cria de sua geração, em que ser o provedor
basta para ser considerado um bom pai de família. Amor e sexo quase não entram
na sua equação, e ele acha que nunca ter traído Kay com outra mulher faz dele
um exemplo a ser seguido. Ambos tem suas razões, ambos tem suas culpas. Ao
longo do caminho, deixaram de lado suas vontades e seus desejos, assim como a
disposição de falar sobre eles. Tudo parecia feliz. Mas, como bem lembra o
terapeuta, para curar um desvio de septo é preciso quebrar o nariz; e para
quebrar o nariz é preciso que isso seja feito de forma rápida. Kay é a
catalisadora desse desejo de mudança. Arnold demora a acompanhá-la. É uma visão
um tanto simplista a respeito das características de gênero, mas é preciso
entender que estamos falando de um filme hollywoodiano com pretensões puramente
comerciais e dirigido por um cineasta apenas correto e sem ambições
sociológicas. “Um divã para dois” não se propõe a ser um estudo sobre as
relações homem/mulher. Ele quer ser apenas uma boa comédia, aspiração que
ocasionalmente alcança.
O maior acerto do filme é, sem
dúvida, direcionar seu foco nos atores. Mesmo relegando a ótima Elisabeth Shue
a uma única cena e Mimi Rogers a uma participação que nem chega a ser
considerável, Frankel explora sem medo o talento superlativo de Streep e Tommy
Lee Jones – que chega até mesmo a sorrir e dançar em uma cena, fato raro em uma
carreira repleta de personagens carrancudos e ranzinzas. Sem apelar para o
humor que se poderia esperar de Steve Carrell – o que não deixa de ser uma
pena, já que o ator é sensacional quando tem um bom material em mãos, que o
digam “Pequena Miss Sunshine” e “Amor à toda prova” – o cineasta só erra feio
quando prefere manter-se no trivial e perde a oportunidade de discutir com mais
afinco as questões levantadas pela trama: desde o princípio dá para imaginar o
desfecho da história, e o roteiro nada faz para mudar essa percepção. Essa
falta de ousadia é o que, afinal, impede “Um divã para dois” de ser uma comédia
memorável, mantendo-a no nível de um entretenimento divertido, mas nunca
brilhante.
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