CHRISTINE (Christine, 2016, BorderLine Films/Fresh Jade, 119min) Direção: Antonio Campos. Roteiro: Craig Shilowich. Fotografia: Joe Anderson. Montagem: Sofia Subercaseaux. Música: Danny Bensi, Saunder Juriaans. Figurino: Emma Potter. Direção de arte/cenários: Scott Kuzio/Jess Royal. Produção executiva: Sean Durkin, Robert Halmi Jr., Josh Mond, Jim Reeve. Produção: Melody C. Roscher, Craig Shilowich. Elenco: Rebecca Hall, Michael C. Hall, Tracy Letts, Maria Dizzia, J.Smith-Cameron, John Cullum, Tim Simmons. Estreia: 23/01/16 (Festival de Sundance)
O Festival de Sundance 2016 apresentou uma situação atípica: dois filmes que tiveram sua estreia por lá tratavam exatamente do mesmo assunto, ou melhor, da mesma personagem principal. Enquanto "Kate plays Christine", de Robert Greene optava por uma mistura de documentário e ficção, no entanto, o filme de Antonio Campos - filho do jornalista brasileiro Lucas Mendes e da produtora italiana Rose Ganguzza, que foi empresária de Pelé por um período de tempo - se concentra em dramatizar a trágica história da repórter televisiva Christine Chubbuck, uma mulher presa em uma profunda depressão e lutando continuamente contra suas frustrações pessoais. "Christine", estrelado por uma perturbadora Rebecca Hall - premiada como melhor atriz no Festival de Chicago e elogiada unanimemente pela crítica - é um retrato ao mesmo tempo fascinante e mórbido de uma pessoa no limite de suas forças, o que faz dele, por consequência, uma experiência um tanto desconfortável ao espectador que procura apenas por entretenimento. No entanto, é um trabalho forte e consistente, que revela em Campos um cineasta de grande futuro.
Interessado pela história da protagonista por também ter passado por episódios de severa depressão, Antonio Campos tem outra grande qualidade: é um diretor que nutre grande respeito por seu material humano, que acredita na força de sua personagem central e não a trata como mero elemento narrativo. Ainda que a verdadeira Christine Chubbuck não fosse tão perceptivelmente deprimida como mostrado no filme (uma pequena licença poética que em nada tira a força do resultado final, muito pelo contrário), a forma como o roteiro de Craig Shilowich vai gradualmente envolvendo a plateia em seu turbilhão emocional demonstra seu objetivo em criar uma empatia entre público e personagem - por mais que ela seja dotada de uma estranheza que dificulte tal conexão. É nesse ponto que entra o intenso desempenho de Rebecca Hall: em seu trabalho mais desafiador, a atriz entrega uma metódica interpretação, repleta de detalhes físicos que explicitam seu estado de espírito mesmo quando os diálogos que trava com colegas e a mãe dizem exatamente o oposto. Em sua pele, Christine desperta um misto de compaixão e desconforto. É uma performance impecável!
Mas afinal qual é a história contada no filme? Para quem não conhece o desfecho da trajetória de Christine o melhor é não saber de muitos detalhes - o final é chocante e até hoje desperta muita controvérsia, com teorias de conspiração surgindo a cada momento. O que se pode adiantar sem prejuízo é que o roteiro acompanha a busca da repórter televisiva Christine Chubbuck, que, na segunda metade dos anos 70, luta para ser reconhecida por seus colegas e superiores de uma pequena emissora de uma cidade do interior. Depois de ter passado por uma severa crise depressiva, Christine vive uma relação tumultuada com a mãe, Peg (J. Smith-Cameron) - uma mulher que tenta aproximar-se da filha mas nem sempre é bem-sucedida - e, ao contrário do que se poderia supor de alguém que é voluntária em um hospital infantil com um teatro de fantoches, esconde uma vontade quase mórbida de ascender profissionalmente e levar uma vida normal. Uma série de problemas se acumulam em seus dias e nem mesmo a proximidade com o colega George (Michael C. Hall, da série "Dexter") parece ser capaz de afastá-la da tristeza. Frustrada tanto na vida pessoal como na profissional, ela leva ao pé da letra o conselho de seu chefe Michael (Tracy Letts) e decide correr atrás de uma notícia que seja impactante e diferente do que o público está acostumado a ver na televisão.
Com uma leve crítica à morbidez do telespectador e do sadismo das emissoras de televisão, "Christine" é um filme difícil, principalmente por não aliviar a barra no retrato da doença de sua protagonista com momentos de humor. Não há leveza no tratamento que é dado à história, o que é coerente com o tom escolhido pelo diretor e essa coragem fica evidente inclusive no ritmo, que substitui a agilidade de uma edição picotada por um estilo minimalista de narração. Não há grandes cenas de catarse - com a possível exceção de seu clímax - nem tampouco explicações fáceis ou excessivamente didáticas. Ao não subestimar sua audiência e confiar em seu material, Antonio Campos criou um filme discreto mas com potência o bastante para ficar na cabeça do público por um bom tempo. Uma bela surpresa que merece ser descoberta e compartilhada - e que deixa a vontade irresistível de correr ao Google para saber mais sobre a protagonista. Missão cumprida!
Filmes, filmes e mais filmes. De todos os gêneros, países, épocas e níveis de qualidade. Afinal, a sétima arte não tem esse nome à toa.
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