quinta-feira

SEXO, MENTIRAS E VIDEOTAPE

SEXO, MENTIRAS E VIDEOTAPE (Sex, lies and videotape, 1989, Outlaw Productions, 100min) Direção e roteiro: Steven Soderbergh. Fotografia: Walt Lloyd. Montagem: Steven Soderbergh. Música: Cliff Martinez. Direção de arte/cenários: Joanne Schmidt/Victoria Spader. Produção executiva: Morgan Mason, Nancy Tenenbaum, Nick Wechsler. Produção: John Hardy, Robert Newmyer. Elenco: James Spader, Andie MacDowell, Peter Gallagher, Laura San Giacomo, Ron Vawter. Estreia: 20/01/89 (Festival de Sundance)

Indicado ao Oscar de Roteiro Original
Vencedor do Festival de Cannes: Melhor Diretor (Steven Soderbergh), Ator (James Spader)

Quando ganhou a Palma de Ouro de Melhor Diretor no Festival de Cannes 1989, o cineasta Steven Soderbergh tinha apenas 26 anos de idade e, de cara, tornou-se o vencedor mais jovem da categoria na história do prêmio. Mais impressionante ainda: escrito em oito dias, filmado em trinta e com um custo estimado de pouco mais de um milhão de dólares, seu filme "Sexo, mentiras e videotape" ainda saiu da Riviera Francesa com o prêmio de melhor ator (James Spader) e revolucionou o modo como os espectadores encaravam os filmes independentes. Não foi um sucesso de bilheteria, mas mostrou que, além dos espetáculos pirotécnicos de que Hollywood é pródiga, existia vida inteligente no cinema norte-americano. Sem efeitos especiais, astros milionários e campanhas de marketing massivas, tornou-se queridinho da crítica e do público, concorreu ao Oscar de roteiro original e impôs um dilema dos grandes a seu criador: tido como gênio já em seu filme de estreia, o que poderia Soderbergh fazer em seguida? A resposta veio dois anos depois com o pretensioso "Kafka" - estrelado por Jeremy Irons - mas demorou quase uma década até que a promessa de seu filme de estreia se cumprisse, com o sucesso de "Irresistível paixão" (98) e o Oscar de melhor direção por "Traffic" (2000), que ele disputou consigo mesmo por "Erin Brockovich: uma mulher de talento".

Mas até que se visse vítima do próprio sucesso repentino, Soderbergh colheu elogios rasgados com seu primeiro filme, que também conquistou prêmios importantes no Festival de Sundance (onde foi lançado, meses antes de Cannes), pelos críticos de Los Angeles e na cerimônia dos Independent Spirit Awards (o Oscar para filmes independentes, de onde saiu com quatro estatuetas, incluindo filme e diretor). Seu êxito em conquistar de forma tão ampla a boa vontade dos críticos e a simpatia dos espectadores dispostos a fugir dos blockbusters não é difícil de entender: inteligente, profundo e dotado de grande compreensão da natureza humana, "Sexo, mentiras e videotape" estreou no momento certo e refletia, como poucos filmes de então, o espírito de sua época, aprisionada pela hipocrisia que vinha à reboque do governo Reagan, recém encerrado. Falando abertamente sobre sexo em diálogos francos e diretos e com personagens tão falíveis quanto ambíguos, seu roteiro nadava contra a corrente do cinema americano dos anos 80, centrado basicamente no visual e na edição histérica: com movimentos de câmera suaves e eficientes, Soderbergh consegue extrair o máximo tanto da palavra quanto da imagem, fugindo da verborragia excessiva e evitando com maestria a tentação de fazer malabarismos estéticos. Usando a câmera como parte integrante da narrativa - dentro da história e fora dela, como instrumento para enfatizar a sensação de sufocamento - o filme mergulha o espectador em um jogo perigoso, onde traições, meias-verdades e luxúria estão em vias de implodir relacionamentos pouco saudáveis.





Um desses relacionamentos é o do casal Ann e John Mullany. Ela - interpretada por Andie MacDowell, que ficou com o papel oferecido a Elizabeth McGovern e Brooke Shields e levou pra casa o prêmio de melhor atriz pelos críticos de Los Angeles - é uma dona de casa introvertida, calada e aparentemente frígida, que se utiliza de terapia para tentar lidar com um casamento frio e sem amor. Ele (vivido por Peter Gallagher) é um advogado ambicioso e egoísta, que não apenas trata a esposa com quase desdém como também tem um caso com a própria irmã dela, Cynthia (Laura San Giacomo), uma garçonete expansiva e sensual, que não hesita em usar o corpo e o charme para conquistar o que quer. O triângulo amoroso secreto torna-se explosivo com a chegada de Graham (James Spader), antigo colega de John, um homem quieto e misterioso que não demora em atrair a atenção de Ann - que vê nele alguém em quem pode confiar seus segredos - e de Cynthia - que chega até ele depois de descobrir sua maior particularidade: impotente, o rapaz se satisfaz sexualmente assistindo às fitas de vídeo que gravou com mulheres contando suas intimidades para a câmera. O que deveria ser apenas uma espécie de hobby para Graham acaba se tornando o pivô de uma revolução na vida de todos, especialmente na de Ann, que se percebe no centro de um furacão pessoal que a levará a repensar toda sua vida sentimental.

Arrancando interpretações fascinantes do seu quarteto de atores - todos em total imersão em seus papéis - e manipulando com inteligência os desvios da trama, Steven Soderbergh aposta no minimalismo como forma de enfatizar o que realmente importa em seu roteiro: os personagens. Do lar quase asséptico de Ann à frugalidade da casa de Graham - quase desprovida de móveis - e passando pelo apartamento modernoso de Cynthia, tudo é milimetricamente planejado para transmitir, sem esforço, as características fundamentais de cada um, o que cada um carrega em sua personalidade para empurrar a trama adiante. Sem pressa de contar sua história, Soderbergh filma longos e esclarecedores diálogos com uma câmera discreta, que só se faz notar em momentos cruciais - especificamente quando os personagens são acuados pelas verdades incômodas que subitamente se tornam explícitas. Sem precisar apelar para discursos moralistas ou cenas catárticas, o roteiro do diretor (que perdeu o Oscar para o belo "Sociedade dos poetas mortos") é admirável também por falar muito até mesmo em silêncio: ao optar em não subestimar a inteligência do público, "Sexo, mentiras e videotape" mostra que é possível dialogar com o espectador sem tratá-lo como criança. É um filme adulto, elegante e que resiste ao tempo justamente por fugir do óbvio ao tratar de assuntos quase sempre tratados com superficialidade e/ou deboche pelo cinemão americano. Uma bela estreia de um cineasta de carreira irregular mas ocasionalmente fascinante.

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