terça-feira

NOITES DE CABÍRIA


NOITES DE CABÍRIA (Le notti di Cabiria, 1957, De Laurentiis/Marceau, 110min) Direção: Federico Fellini. Roteir: Federico Fellini, Ennio Flaiano, Tullio Pinelli. Fotografia: Aldo Tonti. Montagem: Leo Catozzo. Música: Nino Rota. Figurino: Piero Gherardi. Direção de arte: Piero Gherardi. Produção: Dino De Laurentiis. Elenco: Giulietta Masina, François Perier, Franca Marzi, Dorian Gray. Estreia: 11/5/57 (Festival de Cannes)

Vencedor do Oscar de Melhor Filme Estrangeiro
Vencedor da Palma de Ouro no Festival de Cannes: Melhor Atriz (Giulietta Masina)

É impossível não se apaixonar por Cabíria. Alegre, resiliente e sempre otimista apesar de o mundo tentar nocauteá-la, ela trabalha nas ruas de Roma e se ergue constantemente das ruínas a que é transformada a cada (e frequente) decepção. E assim como é impossível não se apaixonar por Cabíria, é igualmente desafiador não se encantar por Giuletta Masina. Não apenas é ela é quem dá vida, corpo e alma à mais famosa prostituta do cinema europeu, como também é a responsável por fazer o espectador se envolver incondicionalmente com seus dramas e amores desde os primeiros minutos do filme, premiado com o Oscar de melhor produção estrangeira de 1957. Expressiva e carismática, não levou à toa a Palma de Ouro no Festival de Cannes do mesmo ano: em cada momento, em cada cena, em cada linha de diálogo ou em cada close em seus olhos molhados de lágrima (de alegria ou tristeza), Masina transmite um mundo de emoções de que somente as grandes atrizes são capazes. Seu encontro com Cabíria é, sem favor, um dos casamentos mais perfeitos, na história do cinema, entre atriz e personagem. Tudo sob o olhar luminoso e quase poético de Federico Fellini - ele mesmo um eterno apaixonado (e correspondido) por sua musa.

Cabíria não tem sorte na vida. Nem no amor. Logo nas primeiras cenas do filme ela quase morre afogada, empurrada em um rio por aquele a quem considerava o homem perfeito. De volta às ruas, continua sua rotina regada a rivalidades, amizades (profundas ou nem tanto) e pela busca pela felicidade. Dentre clientes encrenqueiros, noites solitárias e rituais católicos que remetem a crenças religiosas que conflitam com sua profissão, Cabíria se vê às voltas, ocasionalmente, com a esperança de preencher seu coração carente. É assim com Alberto Lazzari (Amedeo Nazzari, em personagem batizado e criado em sua própria homenagem), um astro de cinema que lhe dá o vislumbre de um mundo de sofisticação e glamour, antes de tratá-la como alguém inferior. E é assim, principalmente, com Oscar (François Périer), um homem que surge como a resposta a suas preces mais sentidas: completamente apaixonada, a doce e romântica prostituta se deixa seduzir pela chance de casar, formar uma família e abandonar a vida fácil. Mas, como já dizem por aí, para ver Deus rir, basta contar seus planos a Ele.

 

Embalado pela delicada trilha sonora de Nino Rota, "Noites de Cabíria" encontra beleza até mesmo na dureza do cotidiano de sua protagonista, graças a um roteiro que, ao contrário de algumas das mais famosas obras de Fellini, aposta na linearidade e no realismo (ainda que envernizado pelo tom poético da fotografia em preto-e-branco de Aldo Tonti). As prostitutas que cercam Cabíria - e até ela mesma - não são aquelas mostradas por Hollywood, e sofrem na carne uma vida repleta de privações. Cabíria mora em uma casa própria, mas nada em sua moradia lembra luxo ou comodidade. Cabíria não é deslumbrante nem exibe um corpo escultural. Não é particularmente inteligente e sua aparente vulnerabilidade só desaparece diante das (muitas) adversidades. E justamente por sua falta de grandeza, conquista a simpatia e a identificação com o público, que se vê nas telas com todas as suas fraquezas e - por que não? - encantos. Uma força da natureza em forma de atriz, Giulietta Masina é a mais completa tradução do cinema italiano dos anos 1950 - e a intérprete que melhor representou a veia artística de Federico Fellini em seus mais puro delírios artísticos.

Longe das elocubrações existenciais de "A doce vida" (1960), da metalinguagem autoparódica de "Oito e meio" (1963) e da nostalgia lúdica de "Amarcord" (1973), a direção de Fellini em "Noites de Cabíria"  se dedica à delicadeza, ao onírico, ao romantismo melancólico e ao humor por vezes involuntário que surge das desventuras tragicômicas de sua protagonista. O registro amoroso do cineasta fascina e  emociona no mais íntimo do espectador. Ao falar diretamente ao coração, ele acerta em cheio e assina (mais uma vez) sua entrada no rol do inesquecível.

 

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