quarta-feira

O AMOR É CEGO


O AMOR É CEGO (Shallow Hal, 2001, 20th Century Fox, 113min) Direção: Bobby Farrelly, Peter Farrelly. Roteiro: Bobby Farrelly, Peter Farrelly, Sean Moynihan. Fotografia: Russell Carpenter. Montagem: Christopher Greenbury. Música: Billy Goodrum. Figurino:Pamela Whiters. Direção de arte/cenários: Sidney J. Bartholomew Jr./Scott Jacobson. Produção: Bobby Farrelly, Peter Farrelly, Bradley Thomas, Charles B. Wessler. Elenco: Jack Black, Gwyneth Paltrow, Jason Alexander, Joe Vitarelli, Anthony Robbins. Estreia: 09/11/2001

Bem no fundo, os irmãos Farrelly são dois românticos. Afinal, em seus filmes, por mais escatológicos e politicamente incorretos que eles sejam, sempre há espaço para histórias de amor. Em "Quem vai ficar com Mary?" (1997), Ben Stiller comia o pão que o diabo amassou para conquistar a mulher de sua vida, vivida por Cameron Diaz. Em "Eu, eu mesmo e Irene" (2000), Jim Carrey e sua segunda personalidade disputavam a foragida Renée Zellweger, E em "O amor é cego", lançado em 2001, é Jack Black quem vê sua rotina transformada pela paixão avassaladora por uma mulher - no caso a então recente vencedora do Oscar Gwyneth Paltrow. Porém, ser romântico não significa abrir mão de seu olhar bizarro sobre o cotidiano, e nem mesmo a longilínea Gwyneth escapou de ser alvo das gozações constrangedoras da dupla de diretores. Em uma produção que mais uma vez usa e abusa do humor sobre as minorias, eles surpreendem, no entanto, ao acrescentar uma bem-vinda dose de ternura, que quase ameniza a característica falta de sutileza de suas obras. Isso mesmo: "O amor é cego" é uma comédia dos irmãos Farrelly com moral da história.

Exagerado como sempre, Jack Black dá vida ao protagonista Hal Larson, um homem incapaz de manter um relacionamento sério desde que resolveu seguir os conselhos que o pai lhe deu no leito de morte: arrependido por ter casado cedo e com uma mulher por quem não se sentia atraído fisicamente, o moribundo exige do filho de nove anos que, em sua vida adulta, se envolva somente com mulheres deslumbrantes e sensuais, que possam lhe realizar sexualmente. Relativamente bem-sucedido profissionalmente, Hal vive à procura da mulher ideal, assim como seu melhor amigo, Mauricio (Jason Alexander) - que, assim como ele, estabeleceu padrões estéticos quase inalcançáveis para uma futura namorada. O problema é que, com as diretrizes do pai sempre vivas, Hal - que não é exatamente um exemplo de beleza masculina - só se interessa por modelos de corpo escultural e postura de modelos. Magoado com a imagem de superficialidade que transmite às pessoas que o cercam, o rapaz vê sua vida mudar com o encontro inusitado com Tony Robbins (no papel dele mesmo) em um elevador defeituoso: tocado com a nítida infelicidade do aspirante a garanhão, o palestrante e mentor lhe hipnotiza para que, a partir de então, ele consiga ver somente a beleza interior das pessoas. O resultado é imediato, e Hal passa a interessar-se por mulheres fisicamente pouco atraentes mas com personalidades e inteligências encantadoras. O ápice de sua nova condição acontece quando ele se apaixona por Rosemary Shanahan (Gwyneth Paltrow): vista por ele como uma loira espetacular e sexy, ela, na verdade, é uma mulher muito acima do peso, que sofre preconceitos por onde passa e que não consegue acreditar em sua repentina história de amor.

 

Como não poderia deixar de ser em um filme da dupla de diretores, "O amor é cego" não dispensa as piadas grosseiras e constrangedoras (algumas legitimamente engraçadas, outras nem tanto), mas é nítido como dessa vez sua vontade de contar uma história é maior do que aquela de simplesmente ofender qualquer minoria ou condição física, mental ou social. O arco dramático de Hal é verossímil, e sua relação com Rosemary desperta a torcida que todo filme romântico busca. Mesmo que a duração seja um tanto excessiva - uns bons quinze minutos a menos faria milagres pelo ritmo - e Jack Black não consiga deixar de lado sua tendência ao overacting, a direção dos Farrelly encontra um equilíbrio nunca visto em seus trabalhos anteriores. O roteiro é suave em sua transição entre a comédia física quase cruel e o romance doce entre seus protagonistas, e é surpreendente como eles encontram espaço até mesmo para um momento de genuína emoção: em um hospital infantil, já no ato final do filme, há o vislumbre  de uma insuspeita sensibilidade de dois homens que já fizeram rir de esquizofrênicos, fluidos corporais, pessoas com deficiências físicas e outros itens menos cotados. O arrependimento de Jack Black e Gwyneth Paltrow de terem participado do filme - conforme declarado anos depois - não deixa de ser um grande exagero.

Em termos de bilheteria, "O amor é cego" não chegou a ser um fracasso, ainda que tenha ficado muito atrás do sucesso comercial de "Quem vai ficar com Mary?", que rendeu inacreditáveis 370 milhões de dólares ao redor do mundo.  Se aproveitando da popularidade de seus atores centrais - Paltrow vinha do Oscar por "Shakespeare apaixonado" (1999) e Black de seu destaque em "Alta fidelidade" (1999) - e da grife de seus diretores, a 20th Century Fox acabou por embolsar quase 150 milhões por uma comédia romântica repleta de tiradas raras no gênero e uma atípica dupla de protagonistas. Não é pouca coisa se levarmos em consideração a previsibilidade e a apatia da maioria das produções do gênero.

 

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