quinta-feira

STAR 80


STAR 80 (Star 80, 1983, The Ladd Company, 103min) Direção: Bob Fosse. Roteiro: Bob Fosse, livro "Death of a playmate", de Teresa Carpenter. Fotografia: Sven Nykvist. Montagem: Alan Heim. Música: Ralph Burns. Figurino: Albert Wolsky. Direção de arte/cenários: Michael Bolton, Jack G. Taylor Jr./Ann McCulley, Kimberley Richardson. Produção: Wolfgang Glattes, Kenneth Utt. Elenco: Eric Roberts, Mariel Hemingway, Cliff Robertson, Carroll Baker, Roger Rees, Josh Mostel. Estreia: 10/11/83

Nascida em 28 de fevereiro de 1960, em Vancouver (Canadá), Dorothy Stratten teve uma meteórica carreira artística a partir do momento em que, pelas mãos do namorado Paul Snider, se viu diante de Hugh Hefner, o todo-poderoso dono do império Playboy - que lhe deu as primeiras chances como modelo -, e de Peter Bogdanovich, cineasta premiado e consagrado - que apaixonou-se por sua beleza e sua doçura e lhe prometeu fama e prestígio como atriz. Sua trajetória e seu trágico final foram relatados em "Death of a playmate", um artigo de Teresa Carpenter, publicado no jornal The Village Voice que ganhou o Pulitzer de 1981 e causou polêmica ao colocar tanto Hefner quanto Bogdanovich como corresponsáveis pelo crime que causou sua morte. O cineasta ainda tentou contar sua versão da história com o livro "The killing of a unicorn: Dorothy Stratten (1960-1980)", mas antes mesmo de seu lançamento a adaptação cinematográfica do texto de Carpenter já havia estreado, recebido uma indicação ao Golden Globe e causado comoção. Último filme dirigido por Bob Fosse, "Star 80" pode não ter tido o mesmo impacto de "Cabaret" (1972) ou "All that jazz: o show deve continuar" (1979), mas alcançou repercussão suficiente para abafar uma versão televisiva do mesmo tema, "Mulher ardente", levada ao ar em 1981 pela NBC e estrelada por Jamie Lee Curtis.

Apesar de ser baseada em uma história real, a trama de "Star 80" não escapa muito dos clichês que abundam em filmes que retratam os bastidores do show business - especialmente quando o foco é seu lado sombrio. Tudo começa em 1978, quando o ambicioso Paul Snider (Eric Roberts) conhece a muito jovem e bela Dorothy Stratten (Mariel Hemingway). Fascinado com a aura angelical e ao mesmo tempo sensual da estudante, Snider não apenas a seduz - indo contra os desejos da família - como a introduz em um mundo novo, que valoriza a imagem e a fama. O objetivo de Snider - ascender socialmente e tornar-se parte integrante de um círculo de dinheiro e prestígio - começa a tornar-se realidade quando sua musa (e já esposa) chama a atenção das pessoas certas e passa a frequentar as disputadas festas na mansão do milionário Hugh Hefner (Cliff Robertson), que a põe sob sua proteção pessoal. Aos poucos o sucesso de Dorothy passa a chamar a atenção de outros nomes influentes, o que a leva a começar uma tímida carreira de atriz. É nesse ponto que ela conhece o veterano cineasta Aram Nicholas (Roger Rees), que se apaixona por ela e lhe dá a grande chance de sua carreira artística. No ápice do ciúme, porém, Snider não se conforma com a suspeita cada vez maior de um caso entre sua mulher e o diretor - e passa a assumir um comportamento errático e ameaçador.

 

Realizado por Fosse mesmo depois dos apelos de Bogdanovich para que o projeto não fosse adiante, "Star 80" não ficou imune a polêmicas, especialmente devido a críticas do próprio diretor de "Essa pequena é uma parada" (1973) - cujo nome no filme foi alterado para Aram Nicholas - e pelo processo movido por Hugh Hefner, que não gostou nem um pouco da forma como foi retratado na montagem final (apesar da participação especial de seu filho caçula, Keith). Eric Roberts, unanimemente elogiado por seu desempenho como Paul Snider, chegou a ser indicado ao Golden Globe de melhor ator dramático - perdeu para o vencedor do Oscar da temporada, Robert Duvall, por "A força do carinho" -, enquanto a atuação de Mariel Hemingway - indicada ao Oscar de coadjuvante por "Manhattan" (1979) - reforçava seu status de ninfeta sexy que a atormentou por anos. A dupla é dona dos melhores momentos do filme - algo que poderia não ter acontecido se outros atores cotados para os papéis (Richard Gere como Snider, Melanie Griffith ou Daryl Hannah como Dorothy) tivessem sido escolhidos pelos produtores, e a participação especial de Carroll Baker como a mãe de Stratten não deixa de ser uma ironia inteligente: em 1956, aos 25 anos, ela causou celeuma ao protagonizar "Boneca de carne", de Elia Kazan, onde interpretava uma jovem vista exclusivamente como objeto de lascívia.

Bastidores e controvérsias à parte, "Star 80" é uma produção que, apesar de suas qualidades, é muito aquém da filmografia pregressa de Bob Fosse. Não há, nele, nada da ousadia narrativa de "All that jazz", da sofisticação visual de "Cabaret" ou mesmo a coragem quase suicida de "Lenny" (1974): linear e pouco inspirado, o roteiro do próprio diretor até tenta criar suspense a respeito do desenrolar da história (apesar do desfecho já amplamente conhecido), mas esbarra em uma inesperada falta de emoção - talvez pela atuação apática de Mariel Hemingway, talvez pelo tom semidocumental que impede uma maior aproximação entre o espectador e os personagens. Eric Roberts sai-se bastante bem na pele do desequilibrado Paul Snider, mas não consegue fugir do maniqueísmo que o retrata como um psicopata unidimensional. Tampouco é perceptível no resultado final o apuro estético que caracterizou as obras anteriores de Fosse - é como se o cineasta/roteirista estivesse mais interessado no material explosivo da história de Stratten do que em fazer dela uma obra de arte do mesmo nível de seus filmes premiados. Uma pena, já que foi seu derradeiro trabalho na cadeira de diretor.

Quanto ao pós-filme, não faltaram acontecimentos que dariam um novo longa-metragem. Sentindo-se parcialmente culpado pelo destino de Dorothy, o cineasta Peter Bogdanovich não apenas escreveu um livro sobre o assunto - o já citado "Death of a unicorn" - como tomou sua proteção a mãe e a irmã caçula da modelo, com quem se casou em 1988 (mesmo com uma diferença de 29 anos entre eles) e se divorciou em 2001. Além disso, foi acusado por Hugh Hefner de ter lhe causado um ataque cardíaco, devido às acusações feitas em seu livro - de que o milionário havia seduzido Stratten ao mesmo tempo em que a tratava como filha. Objeto também de uma canção do canadense Bryan Adams - "The best was yet to come", lançada em 1983 -, Dorothy Stratten permaneceu no inconsciente coletivo (especialmente dos EUA) por um bom tempo, como uma forma de lembrar sempre os perigos que sempre rondam o mundo da fama e da beleza, principalmente quando se trata de mulheres à mercê de seus algozes.

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