segunda-feira

MINHA VIDA COM LIBERACE

MINHA VIDA COM LIBERACE (Behind the candelabra, 2013, HBO Films, 118min) Direção: Steven Soderbergh. Roteiro: Richard LaGravenese, livro de Scott Thorson, Alex Thorleifson. Fotografia: Peter Andrews (Steven Soderbergh). Montagem: Mary Ann Bernard (Steven Soderbergh). Figurino: Ellen Mirojnick. Direção de arte/cenários: Howard Cummings/Barbara Munch Cameron. Produção executiva: Jerry Weintraub. Produção: Susan Ekins, Gregory Jacobs, Michael Polaire. Elenco: Michael Douglas, Matt Damon, Scott Bakula, Rob Lowe, Debbie Reynolds, Cheyenne Jackson, Dan Ayckroyd, Paul Reiser. Estreia: 21/5/13 (Festival de Cannes)

Vencedor de 2 Golden Globes: Melhor Filme ou Minissérie para TV; Melhor Ator de Filme ou Minissérie para TV (Michael Douglas)

Quando o projeto de "Minha vida com Liberace" foi anunciado, em 2008, houve uma surpresa generalizada com o fato de, mesmo com a direção do consagrado Steven Soderbergh e com a presença de astros do calibre de Michael Douglas e Matt Damon - todos os três já premiados com o Oscar - o filme fosse ser produzido pela HBO e lançado como filme para a televisão. Foi o próprio cineasta quem explicou o motivo da recusa de todos os grandes estúdios de Hollywood: considerada gay demais até mesmo para o público que havia feito de "O segredo de Brokeback Mountain" um inesperado sucesso de bilheteria, a história real do mais famoso e extravagante pianista americano do século XX e de seus segredos mais bem escondidos (ao menos para a maioria de fãs femininas que lotavam seus concertos em Las Vegas) estava ameaçada de não sair das páginas do livro de seu ex-amante Scott Thorson e do roteiro do igualmente respeitado Richard LaGravenese (indicado ao Oscar por "O pescador de ilusões"). A decisão da HBO - conhecida pela alta qualidade de seus filmes, séries e minisséries - porém, não foi capaz de solucionar outro problema surgido logo à frente, mais grave e preocupante: a saúde debilitada de Michael Douglas, diagnosticado com câncer assim que o projeto foi anunciado. Filmagens adiadas, mas não canceladas. Felizmente recuperado, Douglas encarnou com maestria um de seus mais desafiadores papéis - e o filme, depois de uma estreia com pompa e circunstância no Festival de Cannes, tornou-se uma das produções mais elogiadas da temporada, com direito a lançamento internacional com o tratamento de uma produção para as telonas. Nada mais justo, já que é um dos melhores filmes de Soderbergh.

Vindo de um período ultra-prolífico mas pouco interessante - em que intercalava filmes medianos como "Terapia de risco" e outros simplesmente ruins, como "Magic Mike" - Soderbergh parecia ter perdido a mão, entregando ao público filmes que, mesmo quando faziam sucesso de bilheteria, jamais traíam a inteligência e o talento de obras como "Irresistível paixão" e "Traffic", que chegou a lhe render um Oscar de melhor diretor. Desacreditado junto à crítica e aos cinéfilos mais exigentes, ele acabou surpreendendo justamente onde ninguém levava muita fé: em um projeto para a televisão, um veículo que, a despeito do preconceito de que sempre foi vítima na comunidade cinematográfica, tornou-se, aos poucos, refúgio de muitos talentos e laboratório para as ousadias narrativas que a busca desesperada pela bilheteria da indústria sepultou sem dó nem piedade. Sem demonstrar qualquer tipo de descaso pelo novo veículo, Soderbergh acabou por voltar à sua melhor forma: "Minha vida com Liberace" é um belo trabalho: sério mas dotado de senso de humor, ousado na temática mas discreto na realização, respeitoso com o protagonista mas nunca condescendente e, mais do que tudo, com uma direção de atores que explica porque Julia Roberts e Benicio Del Toro foram premiados com o Oscar sob o comando do cineasta.


Mais velho do que o próprio artista estava quando morreu - vítima de complicações ligadas ao vírus da AIDS - mas totalmente convincente no papel que lhe rendeu o Golden Globe e o Emmy, Michael Douglas deita e rola: não apenas cria um Liberace egocêntrico a ponto de obrigar o amante a fazer uma plástica facial para ficar parecido com ele como mostra à plateia seu lado carente e generoso (ainda que tal generosidade seja discutível, como mostra o desfecho da história). Quando retrata o Liberace ídolo - adorado por fãs e admirado pela indústria do entretenimento - fica ainda melhor: suas apresentações abarrotadas de casacos de pele, candelabros e brilhos dos mais diversos são o ponto alto do filme, quando Douglas deixa de lado a persona viril que vinha imprimindo à sua carreira até então para se jogar em uma atuação divertida e leve - mas que jamais escorrega para a caricatura, o que seria o caminho mais fácil quando se trata de um personagem tão excêntrico. O respeito de Douglas pelo material é perceptível (até porque seu pai, Kirk Douglas, era amigo de Liberace) e a falta de vaidade com que se entrega a cenas difíceis e delicadas é admirável. Felizmente ele tem a seu lado um Matt Damon igualmente dedicado, em um duelo de gerações que só faz aumentar a qualidade geral da produção.

Na verdade, Damon é o real protagonista de "Minha vida com Liberace": ele vive Scott Thorson, o rapaz tímido e com problemas com os pais que vê sua vida totalmente transformada quando se torna amante e companheiro de Liberace, um dos maiores ídolos do país e que o insere em um universo repleto de luxos e competições internas. Ingênuo até certo ponto, ele demora a perceber que seu valor dentro da mansão do músico está intimamente ligado à sua juventude e sua beleza e, quando isso acontece, entra em rota de colisão com toda a equipe do artista, acostumada com as oscilações dos afetos do patrão. Até que ponto as lembranças de Scott são verdadeiras ou fruto do final amargo de seu relacionamento com Liberace é uma questão que o filme não tenta responder, apesar de seu roteiro jamais por em dúvida as declarações do rapaz. O que o filme mostra é seu ponto de vista, mas, a julgar pelo silêncio que se fez em relação aos fatos (não houve nenhum tipo de desmentido desde a estreia), se não é tudo verdade, boa parte é.

O que importa, no fim das contas, é que "Minha vida com Liberace" devolveu o crédito a Steven Soderbergh, proporcionou a Michael Douglas um retorno triunfal com direito a prêmios e elogios entusiasmados, recolocou Debbie Reynolds na mídia - irreconhecível como a mãe do pianista - e mostrou que não é mais preciso que os grandes estúdios invistam para que filmes de qualidade cheguem aos fãs. É o futuro mostrando seu rosto.

domingo

INSIDE LLEWYN DAVIS - BALADA DE UM HOMEM COMUM

INSIDE LLEWYN DAVIS - BALADA DE UM HOMEM COMUM (Inside Llewyn Davis, 2013, CBS Films/StudioCanal, 104min) Direção e roteiro: Ethan Coen, Joel Coen. Fotografia: Bruno Delbonnel. Montagem: Roderick Jaynes. Figurino: Mary Zophres. Direção de arte/cenários: Jess Gonchor/Susan Bode Tyson. Produção executiva: Olivier Courson, Robert Graf, Ron Halpern. Produção: Ethan Coen, Joel Coen, Scott Rudin. Elenco: Oscar Isaac, Carey Mulligan, Justin Timberlake, Ethan Phillips, Max Casella, Adam Driver, John Goodman, Garrett Hedlund, F. Murray Abraham. Estreia: 19/5/13 (Festival de Cannes)

2 indicações ao Oscar: Fotografia, Mixagem de Som

Não adianta. Entra ano e sai ano, os irmãos Coen continuam sendo uma voz única (por mais paradoxal que seja a afirmação, uma vez que eles são dois) dentro da mesmice do cinema americano. Mesmo que por vezes aceitem fazer o jogo da indústria - com filmes mais comerciais, como "O amor custa caro" e "Queime depois de ler", que ainda assim tem um quê de rebeldia disfarçada pelos elencos estelares - eles nunca abrem mão de imprimir em cada trabalho uma personalidade que os diferenciam do mainstream. Mais uma prova disso - se é que precisa de mais uma - é o melancólico "Inside Llewyn Davis, balada de um homem comum", injustamente ignorado pela mesma Academia que encheu de louvores o fraco e previsível "Clube de compras Dallas". Repleto das qualidades que fazem da filmografia dos Coen uma das mais consistentes do cinema ianque desde sua estreia com a revisita ao filme noir "Gosto de sangue" (84), a odisseia do músico folk do título, vivido com intensidade crua pelo ótimo Oscar Isaac, é uma pérola de sensibilidade, humor negro e boa música, capaz de envolver a audiência sem precisar de grandes eventos dramáticos para isso.

Llewyn Davis, o protagonista, é um cantor folk sem lar, sem lenço e sem documento que transita pelo Greenwich Village de 1961, buscando uma chance de firmar-se na carreira depois do suicídio do parceiro artístico. Seguindo o vento, ele conta com a ajuda dos amigos para sobreviver sem um endereço fixo - mesmo que em várias ocasiões surjam conflitos sérios entre eles, especialmente com Jean (Carey Mulligan, mais uma vez ameaçando roubar a cena), namorada e parceira musical do talentoso Jim (o cantor Justin Timberlake acertando mais uma vez em sua carreira cinematográfica), que lhe revela estar grávida depois de um rápido e traumático caso. Sua vida itinerante o faz questionar frequentemente sua opção em tentar a vida artística, mas seu amor pela música sempre fala mais alto, mesmo quando tudo parece lhe gritar o contrário. Solitário e melancólico, ele vaga sem destino pelas ruas de Nova York - e Chicago - acompanhado apenas por um gato do qual nem sabe o nome e de seu violão, sua arma contra a mediocridade e a agressividade de um mundo hostil à sua presença quase invisível.





Tendo sua trajetória ilustrada pela excepcional trilha sonora supervisionada por T Bone Burnett (que fez o mesmo com "Coração louco", que deu o Oscar de melhor ator a Jeff Bridges em 2010) e iluminada magistralmente pela câmera do francês Bruno Delbonnell (merecidamente indicada a uma estatueta da Academia), que transforma cada cena em uma pequena obra de arte que reflete seu estado de espírito atormentado mas sempre inquebrantável, Llewyn Davis é mais um anti-heroi criado pelos irmãos Coen, um homem que, conforme destaca o desnecessário subtítulo nacional, é comum em seus sentimentos mas brilhante em sua tenacidade artística. Seus expressivos silêncios, seu olhar triste e a força de sua música - passional e potente - falam mais do que seus diálogos, repletos de um desamparo e de uma desesperança que contrastam com sua resiliência. Exímios roteiristas, os irmãos Coen preenchem seu filme ora com ataques agressivos ao protagonista - em especial quando se trata de Jean e sua metralhadora de ofensas - ora com um senso de humor negro sutil e inteligente. Em uma jogada de mestre, eles ainda dão a seu protagonista uma revelação bombástica, que pode (ou não) mudar drasticamente seu destino e fazem a escolha certa em relação à sua decisão de encará-la.


Brilhantemente interpretado por Oscar Isaac - ator nascido na Guatemala e que já foi visto mas pouco notado em filmes como "Drive" (onde fazia o marido de Carey Mulligan) e "W/E, o romance do século" (dirigido por Madonna) - Llewyn Davis passa o filme inteiro lutando contra os obstáculos de um cotidiano opressor e preto-e-branco contando apenas com sua quase implacável confiança em seu talento quase nunca devidamente reconhecido (e é diferente na vida real?). Passando por momentos ora surreais - como a carona com um desagradável John Goodman, colaborador habitual dos cineastas - ora de um tristeza quase tangível, o filme conquista pela sofisticação de sua narrativa e pela delicadeza estonteante de seu visual. É um pequeno grande filme que merece ser reconhecido como tal - nem que seja para provar que nem só de elaborados efeitos especiais vive o cinema americano.

sábado

UM ESTRANHO NO LAGO

UM ESTRANHO NO LAGO (L'inconnu du lac, 2013, Les Films du Worso/Arte France Cinéma, 100min) Direção e roteiro: Alain Guiraudie. Fotografia: Claire Mathon. Montagem: Jean-Christophe Hym. Direção de arte: Roy Genty, François Labarthe, Laurent Lunetta. Produção executiva: Benoit Quainon. Produção: Sylvie Pialat. Elenco: Pierre Delandonchamps, Christophe Paou, Patrick D'Assumçao, Jérôme Chappatte, Mathieu Vervisch. Estreia: 17/5/13 (Festival de Cannes)

Vencedor de 2 prêmios no Festival de Cannes 2013: Queer Palm (Filmes com Temática Homossexual) e Melhor Diretor (Alain Guiraudie) na Mostra "Um certo olhar"

Para se ter uma vaga ideia do quão explícitas são as cenas de sexo entre os personagens do francês "Um estranho no lago", basta dizer que seu diretor e roteirista Alain Guiraudie considerou contratar atores pornô para os papéis centrais do filme - ideia logo descartada para que ele pudesse contar com atores de verdade, que dessem consistência dramática à história. Realmente algumas sequências são bem fortes a quem está acostumado à pasteurização do sexo no cinema comercial (em especial no americano), mas o filme de Guiraudie é bem mais do que uma sucessão de momentos quentes entre homens à procura de sexo sem compromisso. Suspense psicológico construído aos poucos, que privilegia o clima à violência gráfica e não tem medo de desafiar as regras do gênero, "Um estranho no lago" pode não agradar a todo mundo, mas é um trabalho acima da média, que ousa sem fazer alarde e conquista o público sem fazer concessões ao politicamente correto.

Duplamente premiado no Festival de Cannes 2013 - melhor filme de temática gay (Queer Palm) e melhor diretor da mostra "Un certain regard" - e indicado a 8 César (o Oscar francês) - do qual Pierre Deladonchamps saiu vitorioso como melhor promessa masculina - "Um estranho no lago" também foi muito bem-recebido pela crítica mundial, que percebeu que ele, mais do que simplesmente um filme gay, é um interessante estudo sobre como o amor/obsessão pode muitas vezes suplantar a racionalidade, mesmo quando o preço pode ser a própria vida. Pintando um retrato imparcial sobre um estilo de vida muitas vezes criticado e incompreendido, Guiraudie conta sua história sem sobressaltos, optando por um viés contemplativo e delicado que contrasta violentamente com o teor da trama, um enredo policial simples mas bastante eficiente em seu objetivo de prender a atenção até o último minuto de projeção - ainda que o final tenha sérias possibilidades de desagradar boa parte da plateia.


A história se passa dentro de um período de dez dias bem marcados pela edição concisa - que resumiu a primeira metragem de 2h18 finalizada pelo cineasta - e narra, a princípio, o dia-a-dia de homossexuais masculinos que frequentam um bucólico e tranquilo lago que serve também como local para encontros sexuais anônimos e efêmeros. O protagonista é Franck (Pierre Deladonchamps), um jovem que há alguns anos tem o costume de passar seus verões aproveitando a tranquilidade do cenário, bem como procurando o prazer rápido e descompromissado das relações fugazes proporcionadas pelo clima de liberdade. Sua rotina é alterada quando ele passa a sentir-se fortemente atraído pelo charmoso Michel (Christophe Paou), de quem nunca consegue aproximar-se o bastante devido à presença constante de um outro rapaz com quem ele parece ter um relacionamento quase fixo. Em um final de tarde, porém, Franck testemunha Michel matar seu parceiro afogado no lago. Ao invés de afastar-se, no entanto, ele passa a sentir-se cada vez mais atraído e os dois acabam se envolvendo. Apaixonado, Franck passa a viver um misto de amor e medo, principalmente quando a polícia, na figura do Inspetor Damroder (Jérôme Chappatte) começa a fechar o cerco em relação a ambos.

Centrando seu foco na sensação de desejo/medo de Franck - que investe em Michel mesmo sabendo de suas tendências homicidas, sublinhadas por seu jeito fechado e misterioso - o roteiro de "Um estranho no lago" acerta em deixar claro, desde o início, a culpa de Michel, evitando, assim, os clichês que acompanham boa parte dos filmes policiais, que centram sua narrativa na tentativa de descobrir quem é o culpado pelos crimes. A história que Guiraudie quer contar é outra, e ele deixa bem clara essa opção assim que mostra o assassinato e passa a dedicar-se ao dilema enfrentado pelo protagonista, dividido entre denunciar o homem por quem é apaixonado ou viver uma história de amor que pode acabar com sua vida. Sem preocupar-se em mostrar a vida dos personagens fora do cenário natural onde se passa toda a trama - não se sabe nada a respeito de ninguém quando saem do lago - ele deixa o espectador tão perdido quanto o inspetor e até mesmo os envolvidos na história, o que inclui o solitário Henri (Patrick D'Assumçao), que se torna amigo de Franck e, em seu silêncio, sabe mais do que aparenta a princípio. Essa ideia de negar a seus personagens uma vida além de sua sexualidade, apesar de parecer um tanto preconceituosa em um primeiro olhar - homens gays sem identidade em busca unicamente de sexo - acaba por ser um ponto de verdade muito bem-vindo. Sem julgamentos morais, o cineasta/roteirista mostra uma realidade comum à comunidade gay - vale lembrar que ele tentou situar a história em um universo heterossexual, mas percebeu que a essência da trama não se encaixava em outro ambiente que não o altamente erotizado mostrado em seu filme.

Mantendo o tom de suspense psicológico até seus derradeiros (e polêmicos) minutos finais, "Um estranho no lago" tem ainda o mérito de tirar o cinema gay do nicho das histórias de amor condenadas pelo preconceito (um clichê já desgastado mas que, em alguns casos ainda funciona) e jogá-lo em outro gênero. Só por essa lufada de ar fresco - sintomaticamente vinda do cinema não-hollywoodiano - já merece ser conhecido e aplaudido, mesmo que seu desfecho corra o risco de deixar muita gente decepcionada (outra ousadia de um diretor que ainda pode surpreender muito no futuro).

sexta-feira

O GRANDE GATSBY

O GRANDE GATSBY (The Great Gatsby, 2013, Warner Bros/Village Roadshow Pictures, 143min) Direção: Baz Luhrmann. Roteiro: Baz Luhrmann, Craig Pearce, romance de F. Scott Fitzgerald. Fotografia: Simon Duggan. Montagem: Jason Ballantine, Jonathan Redmond, Matt Villa. Música: Craig Armstrong. Figurino: Catherine Martin. Direção de arte/cenários: Catherine Martin/Beverley Dunn, Eva Starlite. Produção executiva: Bruce Berman, Shawn "Jay Z" Carter, Barrie M. Osborne. Produção: Lucy Fisher, Catherine Knapman, Baz Luhrmann, Catherine Martin, Douglas Wick. Elenco: Leonardo DiCaprio, Carey Mulligan, Tobey Maguire, Joel Edgerton, Isla Fischer, Jason Clarke. Estreia: 01/5/13

Vencedor de 2 Oscar: Figurino, Direção de Arte/Cenários

Quem conhece o cinema do australiano Baz Luhrmann sabe exatamente o que esperar de sua adaptação do clássico americano "O grande Gatsby", de F. Scott Fitzgerald. Deixando de lado a suntuosidade discreta e fleumática da versão de Jack Clayton, lançada em 1974 e estrelada por Robert Redford e Mia Farrow - e vencedora do Oscar de figurino - o homem que deu ao mundo obras que são um louvor incontestável ao kitsch, como "Vem dançar comigo" e "Moulin Rouge, o amor em vermelho", reitera suas convicções estéticas ao compor uma sinfonia de cores e opulência que, ao contrário do que se poderia esperar, casa perfeitamente com a história do romance de Fitzgerald. Se o filme de Clayton é considerado quase unanimemente chato pela crítica e pelo público por seguir fielmente o livro, a obra de Luhrmann irradia luz, calor e paixão na medida certa - ainda que, como sempre acontece com seus trabalhos, carregue nas tintas em seu começo, para somente depois envolver a plateia na história.

Tendo em vista seu currículo - onde o luxo e a efervescência cultural são ingredientes indispensáveis - é quase impossível pensar em outro diretor mais capaz do que Luhrmann de traduzir em imagens as palavras clássicas do homem que é também o criador do inesquecível Benjamin Button. Fotografada com precisão pelo neozelandês Simon Duggan, a recriação da Long Island dos anos 20 é perfeita em sua concepção: a ideia do diretor e de seus fieis colaboradores (entre eles a sua mulher, Catherine Martin, responsável pelo desenho de produção e pelos figurinos, ambos premiados com o Oscar) não é ser fiel à realidade, e sim, às memórias de quem narra a estória, no caso, o escritor Nick Carraway (vivido com a habitual falta de entusiasmo por Tobey Maguire). Com sua visão de literato, Carraway não deixa de misturar ao real uma pitada bastante grande de poesia e ludicidade. Os olhos da audiência são os olhos de Carraway, e essa liberdade de ponto de vista é que transforma "O grande Gatbsy" via Luhrmann em, mais do que uma história de amor, um espetáculo de forma, cor e o sempre bem-vindo anacronismo musical que faz a delícia de seus fãs.


Se em "Moulin Rouge" o cineasta contou uma história passada no final do século XIX utilizando como trilha sonora nomes tão aparentemente incongruentes como Madonna, Nirvana, Paul McCartney e David Bowie, dessa vez ele conta com Beyoncé, Lana Del Rey e Florence Welch como moldura para suas insanidades visuais. Porém, aqui a música não é o prato principal, e sim um acompanhamento de luxo a uma trama de amor desesperado, contada com a sensibilidade e o ritmo do século XXI. Para tal, Luhrmann volta a contar com Leonardo DiCaprio, a quem ajudou a transformar em ídolo adolescente em 1996, com sua versão psicodélica de "Romeu e Julieta". DiCaprio - ainda tentando livrar-se da eterna imagem juvenil - vive o personagem-título, Jay Gatsby, um milionário conhecido por oferecer festas gigantescas em sua mansão em Long Island e que desperta a curiosidade de seu jovem vizinho, um aspirante a escritor que se vê envolvido no mundo alucinante e festivo dos anos 20. Não demora muito, porém, para que as razões que levam Gatsby a ser o anfitrião mais conhecido das redondezas sejam conhecidas: apaixonado por uma antiga namorada, ele vê nessa vida de pompa e circunstância a oportunidade de reencontrá-la. O escritor não demora também a descobrir que tal namorada é sua prima, a bela Daisy Buchanam (Carey Mulligan), casada com o infiel e pouco dado a delicadezas Tom (Joel Edgerton). O triângulo amoroso, potencializado pelo caráter violento de Tom e pela impossibilidade de Daisy em abdicar de sua vida familiar, acaba banhando o belo litoral em sangue e lágrimas (sempre iluminados com um capricho arrebatador, dessa vez filmado em 3D).

Se Leonardo DiCaprio não consegue fazer de seu Jay Gatsby uma figura potente e carismática a ponto de justificar o título do filme - chegando a ser irritante em alguns importantes momentos - e Tobey Maguire nunca ultrapassa o seu nível tradicional de interpretação, é inegável que Baz Luhrmann tem em mãos dois trunfos absolutos em termos dramáticos: Carey Mulligan e Joel Edgerton. O ator - que esteve em filmes elogiados como "Reino animal" e "Guerreiro", mas ainda não teve o devido reconhecimento - encontra o tom perfeito para seu Buchanan, roubando todas as cenas em que aparece. E Mulligan - que dispensa maiores comentários - cria uma Daisy etérea, delicada e frágil na medida certa, valorizada pelo figurino impecável e por seu talento imenso. Se o visual acachapante criado por Luhrmann é o corpo de "O grande Gatsby", Carey é sua alma, mesmo tendo em suas mãos uma personagem nem sempre amável ou de atitudes compreensíveis. O olhar de Mulligan, expressivo e melancólico, é a tradução perfeita da ressaca que veio depois dos esfuziantes anos 20 retratados por Fitzgerald. Um acerto gigantesco na escolha do elenco e que faz do filme um programa obrigatório.

quinta-feira

OS AMANTES PASSAGEIROS

OS AMANTES PASSAGEIROS (Los amantes pasajeros, 2013, El Deseo, 96min) Direção e roteiro: Pedro Almodóvar. Fotografia: Jose Luis Alcaine. Montagem: José Salcedo. Música: Alberto Iglesias. Figurino: Davidelfin, Tatiana Hernández. Direção de arte/cenários: Antxón Gómez/Clara Notari. Produção: Agustin Almodovar, Esther García. Elenco: Antonio Banderas, Penelope Cruz, Javier Camara, Cecilia Roth, Lola Dueñas, Antonio de la Torre, Raul Arévalo, Carlos Areces, Hugo Silva, Miguel Ángel Silvestre, Laya Martí, Paz Vega, Blanca Suárez. Estreia: 08/3/13

Depois de aventurar-se pelo lado negro da alma humana no denso "A pele que habito", Pedro Almodovar parece ter voltado às origens transgressoras e debochadas do início de sua carreira com "Os amantes passageiros". Despretensioso e abertamente escrachado, seu filme mostra que aquele senso de humor que era a essência de obras como "Labirinto de paixões" e "Pepi, Luci, Bom" continua intacto debaixo do verniz de cineasta sério e consagrado com dois Oscar. Centrado quase que exclusivamente em um único cenário - um avião com uma pane que ameaça a todos os tripulantes e passageiros - o roteiro de Almodovar usa e abusa de diálogos surreais, personagens ensandecidos (por nascimento ou pelo abuso de álcool e drogas) e atores velhos conhecidos do diretor, como Cecilia Roth, Lola Dueñas e Javier Camara - até mesmo Antonio Banderas e Penélope Cruz participam da brincadeira, em uma participação especial nos primeiros minutos de projeção.

Conforme o próprio trailer já deixava antever, "Os amantes passageiros" não se leva a sério - e nem pede à audiência que o faça. A começar pelo trio de protagonistas - comissários de bordo gays vividos por Javier Camara, Raúl Arévalo e Carlos Areces em atuações pra lá de inspiradas - tudo no filme pede que o público esqueça qualquer preconceito e se entregue sem medidas às loucuras do roteiro. Só mesmo assim - com total consciência da real essência do diretor - é que a experiência se torna ainda mais divertida. O Almodovar de "Os amores passageiros" está muito mais para o diretor trash e criativo de "Maus hábitos" e "O que fiz eu para merecer isto?" do que para o bem mais comportado (mas nem por isso menos genial) criador de "Tudo sobre minha mãe" e "Fale com ela". Estão em cena situações bizarras que combinam muito mais com a primeira fase de sua carreira - em que desafiava com humor e ironia o governo franquista - do que com seu momentos mais reflexivos, que lhe tornaram o cineasta espanhol mais respeitado desde Buñuel. É esse Almodovar original que consegue fazer com que o absurdo se torne crível, como nos melhores momentos de sua filmografia.


A trama começa com uma sequência aparentemente sem importância que reúne Antonio Banderas e Penélope Cruz como um casal de namorados que trabalha para uma companhia aérea e que, felizes com a notícia de uma gravidez, não percebe que falhou em um dos procedimentos de segurança antes do próximo voo. Tal erro só é percebido tarde demais, quando o avião já está a caminho da Cidade do México, com passageiros e tripulação a bordo e descobrindo, aos poucos, que podem estar em seus últimos momentos. Para aliviar a tensão, os comissários Joserra (Javier Camara), Fajas (Carlos Areces) e Ulloa (Raúl Arévalo) fazem o possível, dopando a segunda classe e promovendo shows de dublagem para os demais passageiros. Entre eles, inclui-se Norma Boss (Cecilia Roth), uma ex-atriz, hoje empresária no ramo da prostituição de luxo que está na mira de um assassino de aluguel, Ricardo Galán (Guilermo Toledo), um ator dividido entre duas mulheres, e Sr. Más (José Luís Torrijo), o presidente de um banco envolvido em um escândalo financeiro - além de um noivo (Miguel Ángel Silvestre, que depois faria sucesso na série "Sense8") que está em lua-de-mel e é cobiçado pela sensitiva Bruna (Lola Dueñas), que quer perder a virgindade antes de morrer, e pelo comissário Fajas. Enquanto os pobres passageiros não sabem, a princípio, o tamanho do perigo que correm, os pilotos estão mais preocupados com seus problemas conjugais e sexuais do que com a possibilidade de espatifar seu avião.

Livre da pressão de realizar mais um filme para agradar aos festivais de cinema e à crítica intelectualoide que tornou-o hype, Almodovar fez, com "Os amantes passageiros", o que há muito tempo seu público fiel vinha desejando: um trabalho anárquico, sem amarras e sem preocupações que não a de fazer rir. Talvez isso decepcione quem espera algo mais impactante, mas sem dúvida agrada a quem sabe quem realmente o realizador é. O humor de seu novo filme brinca com a sexualidade, com a religião, com drogas, com redes sociais e com a família com o mesmo cáustico senso de humor que vinha sendo deixado de lado há bons anos. É iconoclasta, é cafona, é gay ao extremo - que o diga a sequência musical onde os comissários dublam a canção "I'm so excited" (título do filme para o mercado de língua inglesa).  Mas é, também, engraçadíssimo, leve, despretensioso e Almodovar na veia. Não é nem de longe seu melhor trabalho, mas é infinitamente superior a qualquer comédia que se pretende engraçada mas tem medo de ousadias.

quarta-feira

CAMILLE CLAUDEL 1915

CAMILLE CLAUDEL 1915 (Camille Claudel 1915, 2013, 3B Productions/Arte France Cinéma, 95min) Direção: Bruno Dumont. Roteiro: Bruno Dumont, cartas de Camille Claudel e Paul Claudel. Fotografia: Guillaume Deffontaines. Montagem: Basile Belkhiri, Bruno Dumont. Figurino: Alexandra Charles, Brigitte Massay-Sersour. Direção de arte: Laurent Dupire-Clément. Produção: Rachid Bouchareb, Jean Bréhat, Muriel Merlin. Elenco: Juliette Binoche, Jean-Luc Vincent, Robert Leroy, Marion Keller, Emmanuel Kauffman. Estreia: 12/02/13 (Festival de Berlim)

Em 1990, Isabelle Adjani concorreu ao Oscar de melhor atriz por seu intenso desempenho em "Camille Claudel", de Bruno Nuytten, onde interpretava com corpo e alma a brilhante escultora francesa que foi aluna e amante de Rodin e que acabou seus dias presa em um sanatório para doentes mentais. O filme também foi indicado na categoria de produção estrangeira e é, até hoje, o poderoso retrato de uma mulher apaixonada por sua arte e por um homem que acabou por ser o responsável por seu declínio. "Camille Claudel 1915", dirigido por Bruno Dumont e lançado no Festival de Berlim de 2013 pode ser considerado - sem que haja demérito nessa afirmação - uma continuação da história contada por Nuytten. Enquanto a produção estrelada por Adjani acabava com sua internação, o filme de Dumont se concentra em um período específico da vida da artista - justamente o inverno de 1915 citado no título - para mostrar sua triste rotina como interna em uma instituição no sul da França. Contando com mais uma arrebatadora atuação de Juliette Binoche, ele pode não ter conseguido a mesma potência dramática no todo, mas seu filme serve para jogar um pouco mais de luz na celebrada figura de Claudel.

Em um filme de momentos, cujo roteiro baseia-se nas cartas escritas por Camille e seu irmão, o poeta Paul Claudel - um dos responsáveis por sua internação - Dumont conduz sua narrativa com uma placidez que contrasta violentamente com o turbilhão emocional da protagonista, pontuando-a com silêncios contemplativos e alguns (poucos) longos diálogos que iluminam muitos dos demônios que afastavam Camille de sua família e do convívio social. Com alto grau de paranoia, a escultora acreditava (hoje sabe-se que não tão erroneamente assim) que Rodin e seus alunos tinham por objetivo apossar-se de sua arte sem dar-lhe o devido crédito e, na tentativa de se fazer ouvir, encontrava resistência no cristianismo exarcebado de seu irmão, que o filme evita de apontar como vilão ou outra vítima da história. Em uma tentativa honesta de mostrar os dois lados da questão, o roteiro de Dumont dá espaço para as dúvidas de Paul Claudel tanto quanto para o desespero de sua irmã. Mas é impossível não sensibilizar-se bem mais com a solidão de Camille.


Com uma interpretação avassaladora, Juliette Binoche transmite, pelo simples olhar, toda uma vasta gama de emoções, em cenas de extrema simplicidade que se transformam, graças a seu talento, em grandes momentos dramáticos. É assim, por exemplo, quando ela esculpe um pássaro com a lama que junta do chão da floresta que circunda sua "prisão" e principalmente quando cai em prantos ao assistir ao ensaio de uma versão amadora - feita por suas colegas de reclusão - de "Don Juan": quando o diálogo que fala de amor e casamento cai em seus ouvidos, é impossível segurar as lágrimas, e com Binoche (e Claudel), o público se comove sem que uma única frase a respeito de sua situação seja dita. Sua explosão emocional - seguida de um acesso de fúria arrepiante - mostra tanto a imensidão da solidão e da tristeza da personagem quanto do talento de sua intérprete, em mais um grande momento da carreira.

Contando com pacientes reais como elenco de apoio - o que explica a sensação palpável de um confinamento em uma instituição psiquiátrica - Bruno Dumont fez de seu "Camille Claudel 1915" uma espécie de documentário dramático, uma homenagem delicada e ao mesmo tempo devastadora a uma das maiores artistas plásticas da história. Pode não ter tido o mesmo impacto do filme estrelado por Isabelle Adjani - também um belo espetáculo - mas merece aplausos pela coragem e sensibilidade. E nunca é perda de tempo testemunhar mais um desempenho irretocável de Juliette Binoche.

terça-feira

INSTINTO MATERNO

INSTINTO MATERNO (Pozitia copiulu/Child's pose, 2013, Parada Film/Hai Hui Entertainment, 112min) Direção: Calin Peter Netzer. Roteiro: Razvan Radulescu, Calin Peter Netzer. Fotografia: Andrei Butica. Montagem: Dana Bunescu. Figurino: Irina Marinescu. Direção de arte/cenários: Malina Ionescu/Ana Gabriela Lenmaru. Produção: Calin Peter Netzer, Ada Solomon. Elenco: Luminita Gheorghiu, Bogdan Dumitrache, Natasa Raab, Ilinca Goia, Florin Zamfirescu. Estreia: 11/02/13 (Festival de Berlim)

O cinema romeno não é tão reconhecido internacionalmente como o francês, o italiano, o iraniano e o chinês, mas a julgar pelo que é mostrado em "Instinto materno", que teve sua estreia mundial no Festival de Berlim de 2013, está a caminho de tornar-se mais uma cinematografia a encher os olhos e o coração dos cinéfilos. Ao contar uma história de aparente simplicidade dramática - mas que esconde grande força por debaixo do claramente perceptível - o filme do cineasta Calin Peter Netzer carrega o público à uma espiral de corrupção e ressentimentos familiares que demonstra, sem espaço para dúvidas, que o ser humano, independente de sua nacionalidade ou status social, é feito quase sempre do mesmo material.

A protagonista do filme é Cordelia Keneres (Luminita Gheorghiu), arquiteta bem-sucedida que tem uma relação complicada com o único filho, Barbu (Bogdan Dumitrache) e com a nora, Olga (Natasa Raab), que vem de outro casamento. As dificuldades de relacionamento são postas de lado, porém, quando Barbu, em excesso de velocidade, atropela e mata um menino de 14 anos e foge da cena do acidente. Ciente de que o filho irá enfrentar um julgamento por homícidio doloso, Cordelia aciona todas as suas influentes conexões políticas e começa um jogo sujo que inclui suborno, alteração de provas e altas doses de oportunismo. Enquanto mantém sua missão como prioridade, ela tenta aproximar-se do rapaz, utilizando-se da situação para afastá-lo da esposa e retomar seu lugar de mãe.


Representante oficial da Romênia na busca por uma indicação ao Oscar 2014 de filme estrangeiro, "Instinto materno" acabou ficando de fora da lista, mas isso não o impediu de ficar com um prêmio especial no Festival de Berlim, de onde saiu elogiadíssimo pela crítica. Motivos não faltaram: além do roteiro repleto de subtextos, que mescla com sutileza drama familiar, crítica social e uma pesada e contundente denúncia sobre a corrupção dos mais ricos, a direção de Netzer é sutil e delicada, dando atenção especial à cada nuance de seus atores, todos em grande sintonia. Luminita Gheorghiu, em especial, é um show à parte: sua Cordelia Keneres começa a trama como uma mulher fria e calculista, capaz de subornar discretamente a diarista para descobrir detalhes sobre a vida conjugal do filho, passa à uma avassaladora mãe coragem em defesa do rebento (ainda que com métodos condenáveis) e termina sua trajetória como uma mulher digna de pena e que mostra um lado até então escondido pelas roupas caras e pelo caráter um tanto dúbio, e a atriz está estupenda em todos os momentos. Discreta e de grande força no olhar, ela carrega o filme nas costas (apesar da qualidade de seus colegas de cena).

Mesmo que mude o tom da narrativa em sua metade final, substituindo a denúncia pelo drama e enfraquecendo sua potência inicial, "Instinto materno" se mantém como uma grata surpresa. Não apenas prende a atenção do público do princípio ao fim, como o faz sem apelar para clichês ou drama fácil. É um filme que faz pensar sem ser didático, emociona sem exagerar e apresenta ao público uma personagem riquíssima em nuances, interpretada por uma atriz espetacular. Se os próximos filmes romenos forem nesse nível, que sejam muito bem-vindos.

segunda-feira

TERAPIA DE RISCO

TERAPIA DE RISCO (Side effects, 2013, Endgame Entertainment/FilmNation Entertainment/Di Bonaventura Pictures, 106min) Direção: Steven Soderbergh. Roteiro: Scott Z. Burns. Fotografia: Peter Andrews (Steven Soderbergh). Montagem: Mary Ann Bernard (Steven Soderbergh). Música: Thomas Newman. Figurino: Susan Lyall. Direção de arte/cenários: Howard Cummings/Rena DeAngelo. Produção executiva: Douglas E. Hansen, Michael Polaire, James D. Stern. Produção: Scott Z. Burns, Lorenzo di Bonaventura, Gregory Jacobs. Elenco: Rooney Mara, Jude Law, Catherine Zeta-Jones, Channing Tatum, Ann Dowd, Mamie Gummer. Estreia: 08/02/13

Em “Contágio” (11), Steven Soderbergh já havia, de leve, provocado uma discussão a respeito da ganância da indústria farmacêutica, mas deu à trama a mesma importância que aos outros focos do filme – irresponsabilidade da mídia, o pânico diante de uma epidemia, o avanço da barbárie diante do imprevisto. Em seu trabalho seguinte, “Terapia de risco”, ele volta a esbarrar no assunto – dessa vez enfatizando os remédios antidepressivos – mas novamente desvia de uma discussão relevante e instigante para abraçar um gênero específico (no caso o suspense) e contar uma história que, a despeito de seu começo promissor, descamba para uma série de reviravoltas forçadas e inverossímeis. Mais uma vez o Soderbergh comercial – que assinou coisas terríveis como “Magic Mike” e alguns bons entretenimentos, como “Onze homens e um segredo” – ganhou do Soderbergh artista criativo e socialmente ativo – que ganhou a Palma de Ouro em Cannes por “sexo, mentiras e videotape” e o Oscar de melhor diretor por “Traffic”. Quem acabou perdendo foi o público.
Não que o grande público se incomode com o fato de o roteiro abandonar a chance de discutir um problema sério como o abuso de remédios controlados e a forma como a indústria que os fabrica conduz sua comercialização. O problema é que os dois primeiros terços do filme conduzem a narrativa por um caminho específico para, de uma hora para outra – com o objetivo de espantar a plateia – distorcer a trama de forma a fazê-la caber em um final-surpresa que enfraquece todo o tom sério e excitante que vinha sendo mostrado até então. Em resumo, “Terapia de risco” tem um começo promissor e um final decepcionante que não faz jus à carreira de seu diretor.
A trama tem início quando o jovem Martin Taylor (Channing Tatum) sai da cadeia, depois de quatro anos preso pelo crime de tráfico de informações financeiras. Quem o espera do lado de fora do presídio é sua esposa, Emily (Rooney Mara, de “Os homens que não amavam as mulheres, irreconhecível e sempre ótima atriz), que teve sua vida completamente desestruturada com a condenação do marido. Depois de perder o bebê que esperava e ter tido seu estilo de vida radicalmente transformado, a jovem acabou por tornar-se dependente de antidepressivos e, mesmo com a volta do marido, parece não dar sinais de melhora. Pelo contrário, duas tentativas de suicídio a levam até o doutor Jonathan Banks (Jude Law), que depois de algumas consultas propõe a ela que tome parte nos experimentos de uma nova droga que está sendo testada em pacientes em avançado estado de depressão. Emily aceita fazer parte do teste, mas um dos efeitos colaterais – sonambulismo – acaba por fazê-la cometer um homicídio. No banco dos réus, ela acaba por tornar-se alvo de uma polêmica: quem é, afinal, o responsável pelo crime? Ela, a indústria farmacêutica ou seu médico?



Esse ponto de partida – que toma boa parte dos dois terços iniciais do filme – é empolgante, inteligente e prende a atenção do público sem fazer esforço, graças em boa parte às interpretações do elenco e da direção segura e sóbria de Soderbergh. As coisas começam a degringolar quando Banks, sentindo-se acuado diante das acusações de irresponsabilidade e negligência médica, passa a investigar o passado de Emily e chega até sua médica anterior, Victoria Seibert (Catherine Zeta-Jones), uma mulher bem-sucedida que parece ter muito mais a esconder do que mostra em um primeiro olhar. A real ligação entre Emily e Victoria – o grande segredo do filme – vem à tona perto do final, e é aí que o roteiro põe tudo a perder. Sem querer estragar a surpresa dos que se arriscarem a uma sessão (e no final das contas até vale uma espiada, em especial pelo elenco), é um desfecho que parece jogado na tela, sem a preocupação básica de parecer realista.
Ok, Steven Soderbergh já fez coisas muito piores – “Magic Mike” à frente – mas é sempre triste ver um cineasta capaz de pequenas obras-primas como “Irresistível paixão” e “Traffic” se deixar cair na vala dos diretores puramente comerciais, optando pela mediocridade em detrimento da criatividade e da ousadia. “Terapia de risco” é um filme de gênero e logicamente deve seguir diretrizes já estabelecidas e consagradas, mas isso não justifica o golpe baixo que é dado nas expectativas do espectador que espera mais do que ser simplesmente pego de surpresa por um roteiro quase preguiçoso. Felizmente o elenco faz o que pode para manter o interesse. E consegue. Porém, Soderbergh poderia voltar a ser o diretor inteligente que um dia se propôs a ser.

domingo

FRUITVALE STATION: A ÚLTIMA PARADA

FRUITVALE STATION - A ÚLTIMA PARADA (Fruitvale Station, 2013, Forest Whitaker's Significant Productions, 89min) Direção e roteiro: Ryan Coogler. Fotografia: Rachel Morrison. Montagem: Claudia S. Castello, Michael P. Shawver. Música: Ludwig Girabsson. Figurino: Aggie Guerard Rodgers. Direção de arte/cenários: Hannah Beachler/Kris Boxell. Produção executiva: Michael Y. Chow. Produção: Nina Yang Bongiovi, Forest Whitaker. Elenco: Michael B. Jordan, Octavia Spencer, Melonie Diaz, Kevin Durand. Estreia: 19/01/13 (Festival de Sundance)

Em um país como o Brasil, onde a violência arbitrária da polícia frequenta com assiduidade os noticiários, a trama de "Fruitvale Station, a última parada" pode até parecer banal - vale lembrar inclusive do jovem brasileiro Jean Charles, que foi morto no metrô de Londres em julho de 2005  , confundido com um criminoso, e virou tema do filme de mesmo nome, estrelado por Selton Mello. Porém, a força do primeiro longa-metragem do cineasta Ryan Coogler vai além da denúncia que lhe inspirou. Conciso, forte e emocionalmente discreto, o filme - produzido pelo ator Forest Whitaker, fã dos trabalhos universitários do diretor, e comprado pela Weinstein Company (dos irmãos fundadores da Miramax) dois dias depois de sua estreia no Festival de Sundance 2013 - foge admiravelmente das armadilhas do panfletarismo ideológico para, sem deixar de sublinhar sua revolta, concentrar-se nas pessoas envolvidas na tragédia. Falíveis e despidos de quaisquer tipos de paternalismo barato, os personagens de "Fruitvale Station" são seu maior trunfo, em especial o protagonista vivido pelo ótimo Michael B. Jordan.

Primeira e única escolha de Coogler para interpretar Oscar Grant - vítima de um dos mais grotescos casos de violência policial contemporânea na história de São Francisco - Jordan (quase homônimo ao famoso jogador americano de basquete) injeta carisma e intensidade ao filme desde suas cenas iniciais, e vai demonstrando, no desenrolar da trama, talento suficiente para dar conta de todas as nuances de seu personagem. De criminoso arrependido a pai amoroso, de namorado infiel a companheiro apaixonado, de filho revoltado a irmão carinhoso, todas as facetas de Oscar são mostradas sem condescendência pela câmera nervosa de Coogler, que o acompanha desde as primeiras horas do dia 31 de dezembro de 2008 até a tragédia inesperada ocorrida nos primeiros momentos de 2009 - que tornou-se conhecida internacionalmente graças às filmagens de aparelhos celulares de testemunhas incrédulas e chocadas. Dividindo seu filme em duas pulsações distintas - a tranquilidade do princípio aos poucos sendo substituída pela tensão nervosa do terço final - Coogler constroi um filme que, apesar de curto, é dono de uma potência dramática inegável.


Para quem não conhece a história - o que até é preferível, para que as coisas sejam mais chocantes - pode-se dizer, sem medo de entregar todo o roteiro, que trata-se da história do jovem Oscar Grant, um jovem de 22 anos que, depois de um período na cadeia por tráfico de drogas, tenta recomeçar sua vida, ao lado da namorada, Sophina (Melonie Diaz) e da filha pequena, Tatiana (Ariana Neal). Desempregado devido a constantes atrasos, ele está disposto a fazer de 2009 o primeiro ano do resto de sua vida, e para isso conta com o apoio da família, especialmente da mãe, Wanda (Octavia Spencer, Oscar de atriz coadjuvante por "Histórias cruzadas"). Quando ele decide acatar o desejo de Sophina de assistir à queima de fogos de artifício da virada do ano, porém, nem imagina que seus planos podem sofrer uma brutal reviravolta.

Pontuando o roteiro com cenas que tiram de Oscar a aura de vítima pura e ao mesmo tempo o mostram como um ser humano repleto de qualidades, Ryan Coogler evita o maniqueísmo com admirável maestria, escorado por um elenco inspiradíssimo e por uma edição dotada de um ritmo ágil mas nunca apressado. Sua inteligente escolha em aumentar a sensação de suspense e medo perto do desenlace aproxima a plateia dos personagens com rara sinceridade, e é impossível não sentir-se tocado com o desfecho, por mais que ele seja conhecido desde o princípio. Esse talento demonstrado por Coogler em comover sem apelar para a lágrima fácil teve reconhecimento: dentre os inúmeros prêmios colecionados por "Fruitvale Station" há que se destacar quatro reconhecimentos pelo austero National Board of Review - atriz coadjuvante (Octavia Spencer), revelação masculina (Michael B. Jordan), melhor filme de estreia e eleição como um dos dez melhores filmes do ano - e a estatueta de melhor primeiro filme no Independent Spirit Awards (o Oscar do cinema independente). 

sábado

PARA MAIORES

PARA MAIORES (Movie 43, 2013, Relativity Media, 94min) Direção: Elizabeth Banks, Steven Brill, Steve Carr, Rusty Candief, James Duffy, Griffin Dunne, Peter Farrelly, Patrik Forsberg, Will Graham, James Gunn, Brett Ratner, Jonathan van Tulleken. Roteiro: Rocky Russo, Jeremy Sosenko, Ricky Blitt, Bill O'Malley, Will Graham, Jack Kukoda, Matt Portenoy, Claes Kjellstrom, Jonas Wittenmark, Tobias Carlson, Will Carlough, Jonathan van Tulleken, Elizabeth Shapiro, Patrik Forsberg, Olle Sarri, Jacob Fleisher, Greg Pritkin, James Gunn. Fotografia: Mattian Anderssonn Rudh, Frank G. DeMarco, Steve Gainer, Matthew F. Leonetti, Daryn Okada, William Rexer, Eric Scherbarth, Newton Thomas Sigel, Tim Suhrstedt. Montagem: Debra Chiate, Patrick J. Don Vito, Suzy Elmiger, Mark Helfrich, Craig Herring, Myron I. Kerstein, Joe Randall-Cutler, Sam Seig, Cara Silverman, Sandy S. Solowitz, Jonathan van Tulleken, Hakan Warn, Paul Zucker. Música: Tyler Bates, Christophe Beck, Leo Birenberg, William Goodrum, Dave Hodge. Figurino: Anna Bingemann, Nancy Ceo, Roseanne Fiedler, Florence Kemper, Judianna Makovsky, Sydney Maresca, Salvador Pérez Jr.. Direção de arte/cenários: Toby Corbett, Jade Healy, Nolan Hooper, Robb Wilson King, Dina Lipton, Happy Massee, Arlan Jay Vetter, Inbal Weinberg/Jasmine E. Ballou, Robert Covelman, Andrea Mae Fenton, Isaac Gabaeff, Amber Haley, Jean Landry, Lance Lombardo, Jessica Panuccio, Halina Siwolop. Produção executiva: Ron Burkle, Jason Felts, Tucker Tooley, Tim Williams. Produção: Peter Farrelly, Ryan Kavanaugh, John Penotti, Charles B. Wessler. Elenco: Hugh Jackman, Kate Winslet, Liev Schreiber, Naomi Watts, Anna Faris, Chris Pratt, Kieran Culkin, Emma Stone, Richard Gere, Kate Bosworth, Justin Long, Jason Sudeikis, Uma Thurman, Bobby Cannavale, Kristen Bell, Christopher Mintz-Plasse, Chloe Grace Moretz, Gerard Butler, Sean William Scott, Johnny Knoxville, Halle Berry, Stephen Merchant, Terrence Howard, Elizabeth Banks, Josh Duhamel. Estreia: 25/01/13

A primeira pergunta que surge na cabeça do espectador enquanto sobem os créditos finais da comédia "Para maiores" é a tradicional em casos do tipo: "Por que diabos atores tão bons e tão consagrados aceitaram fazer essa porcaria?" De fato a lista de nomes envolvidos no projeto é de causar inveja a qualquer diretor de elenco de Hollywood - há desde indicados e vencedores do Oscar, como Hugh Jackman, Kate Winslet e Halle Berry, até astros em franca ascensão, como Emma Stone, Chris Pratt e Chloe Grace Moretz - especialmente se for levado em consideração que o orçamento total não ultrapassou os seis milhões de dólares, o que normalmente não paga nem um terço do cachê de alguns dos atores escalados. Mas a gritaria quase unânime contra o filme - apedrejado sem dó nem piedade por crítica e público - não deixa de ser um tanto quanto exagerada. Ok, o humor de alguns quadros está realmente no limite do bom-gosto e nem sempre funciona como poderia. Tudo bem, a história que os liga é pífia e em muitos momentos tem-se a nítida impressão de que o roteiro foi escrito por um grupo de adolescentes escatológicos no auge da puberdade. Mas outros grandes sucessos de bilheteria também não eram exatamente assim? Não é à toa que um dos roteiristas e diretores do filme seja Peter Farrelly - um dos irmãos responsáveis por "Debi & Loide", que, apesar de ter o mesmo tipo de humor, serviu de trampolim milionário para a carreira de Jim Carrey.

Talvez o maior estranhamento em relação à "Para maiores" seja justamente o fato de contar com atores de prestígio e respeito se prestando a situações constrangedoras normalmente relegadas a elencos de segundo ou terceiro escalões. Não é sempre que se vê Hugh Jackman interpretando um homem com os testículos localizados no queixo ou Halle Berry fazendo guacamole com um seio. Sim, é esse o nível de humor do filme, que usa e abusa do politicamente incorreto e de algumas piadas francamente ofensivas para conquistar as gargalhadas da audiência. De acordo com a bilheteria - pouco mais de 8 milhões em casa, cerca de 23 no mercado internacional - nem todo mundo entendeu (ou quis entender) a brincadeira. O estigma de humor pouco sofisticado pesou mais do que o elenco milionário, mas não é difícil de imaginar que, deixando o preconceito de lado (junto com qualquer tipo de suscetibilidade), o público possa ter alguns bons momentos de diversão, mesmo que jamais assuma isso diante dos outros.

Quem quiser encarar o desafio de experimentar a brincadeira quase insana que é "Para maiores" tem que se preparar para quase tudo. Literalmente. Tudo começa quando dois adolescentes, em busca de vingança contra um amigo nerd, falam a ele sobre a existência de um filme maldito, proibido em todos os países do mundo e que só pode ser localizado no submundo da Internet. Tal premissa - boba como convém - serve como elo de ligação entre todos os esquetes da produção, que fazem as vezes de alguns dos filmes encontrados durante a procura dos jovens. A partir daí é bobagem atrás de bobagem, com níveis variáveis de graça e escatologia. Se não, vejamos: no primeiro encontro com um solteirão cobiçadíssimo (Hugh Jackman), uma mulher (Kate Winslet) descobre que ele tem uma particularidade física desconcertante; Naomi Watts e Liev Schreiber (casados na vida real) contam a um casal de amigos como fazem para fazer de seu lar o ambiente escolar ideal para o filho adolescente que estuda em casa; às vésperas de pedir sua namorada (Anna Faris) em casamento, rapaz (Chris Pratt, casado com Faris também atrás das câmeras) se surpreende com uma proposta pouco usual da moça para apimentar suas relações sexuais; caixa de um supermercado (Kieran Culkin) reencontra a namorada (Emma Stone) e resolve por a relação em pratos limpos esquecendo de desligar o microfone e faz todos os clientes de testemunhas de suas palavras pouco sutis.


A sessão de humor descompromissado segue adiante mostrando uma reunião de acionistas de um IPod em forma de boneca que vem mutilando os pênis dos usuários adolescentes e que encontra no diretor da empresa (Richard Gere) um empecilho para as mudanças necessárias solicitadas por uma colega do sexo oposto (Kate Bosworth); Justin Long aparece como Robin, que frequenta uma sessão de encontros-relâmpagos e dá de cara com Lois Lane (Uma Thurman), a Supergirl (Kristen Bell), o Batman (Jason Sudeikis) e o Superman (Bobby Cannavale); Chloe Grace Moretz é uma adolescente que tem a primeira menstruação na casa do namorado e, desesperada, não consegue a ajuda dele e do cunhado (Christopher Mintz-Plasse) para resolver o problema; para limpar a barra com o melhor amigo (Sean William Scott), Johnny Knoxville lhe dá de presente um duende irlandês desbocado e violento (Gerard Butler), o que irá lhes causar grandes dores de cabeça (e em outras partes do corpo); Halle Berry e Stephen Merchant se encontram às cegas e iniciam uma brincadeira de "Verdade ou desafio" que logo descamba para consequências impensáveis; Terrence Howard é um treinador de basquete dos anos 50 que tenta convencer seus atletas negros que eles tem possibilidade de vencer os rivais brancos somente porque são negros; e Elizabeth Banks (diretora do esquete estrelado por Chloe Grace Moretz) tenta, no último quadro, convencer seu noivo (Josh Duhamell) que o gato que ele trata como filho a odeia e nutre por ele sentimentos pouco fraternais e muito sexuais.

É de frequente mau-gosto? Sim. É ofensivo e por vezes inacreditável? Também. Mas "Para maiores" atinge plenamente seu objetivo de jogar para o alto o politicamente correto que vem minando a comédia no cinema e fazer rir, mesmo que de nervoso. Como cinema - em termos técnicos e narrativos - é uma nulidade, mas sua coragem em nadar contra a corrente merece ser louvada até mesmo por todos aqueles que rejeitam ferozmente seu resultado final. Não é uma comédia para todo mundo - pode-se até dizer que é para poucos, em um extremo oposto à sofisticação de Woody Allen, por exemplo - mas pode encontrar seu público, desde que este esteja disposto a mergulhar sem medo na baixaria explícita de um filme que jamais se leva a sério. Questão apenas de querer se arriscar!

sexta-feira

LOVELACE

LOVELACE (Lovelace, 2013, Millenium Films/Eclectic Pictures/Untitled Entertainment, 93min) Direção: Rob Epstein, Jeffrey Friedman. Roteiro: Andy Bellin. Fotografia: Eric Edwards. Montagem: Robert Dalva, Matthew Landon. Música: Stephen Trask. Figurino: Karyn Wagner. Direção de arte/cenários: William Arnold/David Smith. Produção executiva: Boaz Davidson, Danny Dimbort, Mark Gill, Merritt Johnson, Avi Lerner, Peter Sarsgaard, Amanda Seyfried, Trevor Short, John Thompson. Produção: Heidi Jo Markel, Laura Rister, Jason Weinberg, Jim Young. Elenco: Amanda Seyfried, Peter Sarsgaard, Sharon Stone, Robert Patrick, Juno Temple, Chris Noth, Bobby Cannavale, Hanz Azaria, Adam Brody, Chloe Sevigny, James Franco, Debi Mazar, Wes Bentley, Eric Roberts. Estreia: 22/01/13 (Festival de Sundance)

Não é preciso ser um fã do gênero para conhecer "Garganta profunda", um dos mais famosos e celebrados filmes pornográficos da história. Lançado em 1972, tornou-se um fenômeno de proporções inéditas e inspirou até mesmo o apelido do misterioso informante no infame Caso Watergate que derrubou o presidente Richard Nixon. Estrelada pela então desconhecida Linda Lovelace, a história da jovem que descobre ter o clitóris localizado na garganta e passa a conhecer o prazer sexual conforme vai se especializando em sexo oral é, até hoje, o filme adulto mais rentável já realizado (com uma renda estimada em 600 milhões de dólares) mas os bastidores de sua realização, bastante polêmicos, só estavam relegados aos leitores da biografia da atriz - lançada em 1980 - e aos comentários suscitados por seu posicionamento contra a indústria da pornografia que veio em seguida. A real história de Linda, com todos os seus lances dramáticos (anteriores e posteriores à fama), pedia uma versão cinematográfica à altura. Surgiu, então a cinebiografia dirigida pelos cineastas Rob Epstein e Jeffrey Friedman (que juntos, lançaram o sensacional documentário "O outro lado de Hollywood", sobre o tratamento dado pelo cinema à homossexualidade). O problema é que, apesar do tema explosivo, "Lovelace" parece ter medo da ousadia. E isso faz uma enorme diferença no resultado final.

Com uma narrativa quadradinha que enfraquece até mesmo sua segunda metade, quando o ponto de vista da protagonista assume o foco e as revelações sobre seu casamento e sua carreira dão outro viés aos acontecimentos, o filme de Epstein e Friedman perde a chance de revelar, através da história de um longa específico, a podridão dos bastidores da indústria da pornografia, algo que Paul Thomas Anderson atingiu com grande êxito em seu "Boogie nights, prazer sem limites", de 1997. Porém, ao contar uma história calcada basicamente em sexo puro, o roteiro parece ter medo de mergulhar no assunto, passando correndo por qualquer sequência que porventura possa ofender os pruridos cada vez maiores da plateia norte-americana. Mesmo que o foco não seja o sexo em si, não deixa de ser irônico que uma produção que tenta desmascarar a hipocrisia seja tão puritana. E seria injusto debitar isso ao elenco de nomes famosos, já que todos parecem extremamente à vontade em seus papéis, e os dois atores centrais, Amanda Seyfried e Peter Sarsgaard (que também assinam como produtores executivos), já tem no currículo filmes de alto teor erótico e não tem medo de se entregar de corpo e alma a seus personagens. O fato é que, mesmo com algumas louváveis qualidades, "Lovelace" perde pontos por jamais sair de sua zona de conforto.


O filme começa, como se poderia esperar, em 1970, quando a jovem Linda Boreman (Amanda Seyfried em papel herdado de Lindsay Lohan, então já em seu inferno astral pessoal e profissional) conhece o homem que se tornaria sua bênção e seu castigo. Chuck Treynor (Peter Sarsgaard, sempre dedicado e extremamente competente) é quem a tira da casa de seus severos pais (interpretados por Robert Patrick e uma irreconhecível Sharon Stone) e, aparentemente apaixonado e carinhoso, devolve a ela a autoestima perdida devidos a traumas do passado. Acontece que logo ele demonstra um lado pouco agradável e, metido com prostituição e na mira de credores perigosos, acaba por convencê-la a fazer o papel principal de um filme pornográfico que pode salvar suas finanças. O sucesso estrondoso do filme, "Garganta profunda", a torna internacionalmente conhecida, mas não a ajuda a ser feliz. Pouco tempo depois ela decide tornar públicas as humilhações pelas quais passou nas mãos de Treynor - e volta aos holofotes como uma vítima de violência doméstica que não ganhou um centavo com o trabalho que deixou os produtores milionários.

Recheando seu filme de rostos conhecidos do público - além dos já citados desfilam pela tela James Franco, Juno Temple, Chris Noth, Hank Azaria, Eric Roberts, Adam Brody e Bobby Cannavale - os cineastas são felizes em contar sua história de forma fluente e sem sobressaltos. Porém, mesmo quando há a ruptura narrativa que altera a percepção do público em relação à trajetória da protagonista, ela não acontece com o impacto que poderia. A opção dos diretores em manter o ritmo na mesma cadência acaba por ser um golpe fatal para seu filme, que tem a mesma pulsação do início ao fim. Não seria um problema se essa pulsação fosse excitante ou potente - como acontece com a obra de Anderson, que deixa o espectador sem fôlego durante suas duas horas e meia - mas a edição carece de energia e tesão, o que nesse caso específico, é um pecado quase imperdoável. Mesmo com o empenho de Seyfried e Sarsgaard, "Lovelace" fica aquém do que poderia ser. É um "Supercine" de luxo. Uma pena.

FUGA À MEIA-NOITE

  FUGA À MEIA-NOITE (Midnight run, 1988, Universal Pictures, 126min) Direção: Martin Brest.Roteiro: George Gallo. Fotografia: Donald E. Th...