segunda-feira

ENSINA-ME A VIVER

ENSINA-ME A VIVER (Harold and Maude, 1971, Paramount Pictures, 91min) Direção: Hal Ashby. Roteiro: Colin Higgins. Fotografia: John A. Alonzo. Montagem: William A. Sawyer, Edward Warschilka. Música: Cat Stevens. Figurino: William Theiss. Direção de arte/cenários: Michael Haller. Produção executiva: Mildred Lewis. Produção: Colin Higgins, Charles B. Mulvehill. Elenco: Ruth Gordon, Bud Cort, Vivian Pickles, Cyril Cusack. Estreia: 20/12/71

Alguns filmes parecem predestinados ao status de cult. Talvez pelo tema, pelo elenco ou pelas circunstâncias em que foram lançados, eles se tornam parte de um seleto grupo de produções que, mesmo sem a glória das premiações ou o selo de campeões de bilheteria, ultrapassam as limitações temporais e passam à eternidade graças às sensações que despertam nos espectadores. "Ensina-me a viver" é um desses afortunados. Longe de ter sido um estouro comercial no ano de seu lançamento (1971) - apesar de ter imediatamente conquistado fãs leais e devotados - e ignorado pelas principais cerimônias de premiação de Hollywood (recebeu apenas duas indicações ao Golden Globe), o filme de Hal Ashby ocupou lugar de destaque no coração do público principalmente pela forma afetuosa, respeitosa e bem-humorada com que trata de temas difíceis, como a velhice e a finitude. Mais do que uma história de amor entre duas pessoas completamente opostas, "Ensina-me a viver" é uma história de amor à vida e aos pequenos prazeres.

Antes de consagrar-se como o diretor de filmes vencedores do Oscar, como "Shampoo" (75), "Amargo regresso" (78) e "Muito além do jardim" (79), Hal Ashby só chegou ao comando de "Ensina-me a viver" quando o filme corria o sério risco de cancelamento. O projeto inicial, que teria o roteirista Colin Higgins como diretor, não passou da fase de pré-produção - quando, para papel o de protagonista masculino foram cotados nomes como Bob Balaban e Elton John (!!) - e a entrada de Ashby (que só tinha um filme no currículo) salvou o filme do limbo e lhe dotou de uma personalidade única, repleta de um humor seco e desconcertante, que quebra paradigmas românticos com a mesma desenvoltura com que se utiliza de alguns clichês do gênero para virá-los do avesso e apresentar ao público uma surpreendente e emocionante trama - que deixou apreensivos até mesmo os executivos da Paramount, temerosos com a reação da plateia diante do conteúdo pouco ortodoxo do roteiro.


Logo nas primeiras cenas o público é apresentado a Harold Chasen (Bud Cort), um excêntrico e solitário rapaz com mórbida fascinação pela morte. Constantemente simulando suicídio para chamar a atenção de sua mãe socialite - que não vê a hora de ou arranjar-lhe uma noiva ou mandar para uma instalação militar onde ele possa fazer carreira como seu tio - e frequentando funerais de desconhecidos, ele leva uma existência tão tediosa quanto fora do comum. Em um desses funerais é que ele conhece Maude (Ruth Gordon), que está às vésperas de completar seu 80º aniversário e, ao contrário dele, é obcecada pela vida. Igualmente solitária, mas dotada de um espírito aventureiro que a faz embarcar em situações impensáveis para gente de sua idade - como roubar carros e não dar a mínima importância a opiniões alheias -, Maude se torna uma companhia constante na vida do jovem, que vê nela um novo exemplo a ser seguido. Seus momentos juntos acabam se transformando em um amor inesperado e incompreendido.

Ilustrado por canções originais de Cat Stevens, "Ensina-me a viver" deve boa parte de seu charme irresistível e seu sucesso junto a plateias cativas à sua dupla central de atores. Apadrinhado por Robert Altman, o jovem Bud Cort parece talhado sob medida para viver o exótico Harold - um personagem quase inacreditável, mas interpretado com sensibilidade única. E Ruth Gordon dá um show na pele da divertida e entusiasmada Maude - uma mulher com um passado sombrio (revelado pelo roteiro apenas em uma tomada rápida que evita o sentimentalismo) e que persegue a vida com a sede de quem sabe que ela está cada vez mais finita. A química entre os dois - com direito até a uma cena de beijo - é esplêndida, como se ambos fossem feitos um para o outro, e se completassem com a naturalidade da existência. Mesmo não sendo um filme para todos os públicos - há quem possa se incomodar com o ritmo, com o estilo, com o visual - e merecidamente celebrado como cult, "Ensina-me a viver" é uma obra de rara luminosidade e sutileza, feita para todos aqueles que acreditam no amor e na vida.

2 comentários:

Lilian disse...

Um dos filmes mais genias e sensíveis que já vi na vida! Não tenho palavras para defini-lo! Adoro os filmes dos anos 70, ele nos leva a pensamentos e sentimentos que dificilmente filmes de outras décadas fazem. O cinema dos anos 70 é incrivelmente realista e dura.

P.S. Gosto muito das suas críticas. Quando vejo um filme, corro aqui para ler o que vc escreveu sobre ele. Demais esse blog!

Clenio disse...

Oi, Lilian, tudo bem? Obrigado pelas visitas e pelo comentário, que demorei a responder porque o Google não me entrega mais notificações....
Qto ao cinema dos anos 70 concordo totalmente, era uma época em que Hollywood realmente ousava mais. Não sei se você conhece um livro chamado "Como a geração sexo, drogas e rock'n'roll salvou Hollywood" - dá uma pesquisada. É sensacional e explica essa explosão de filmes corajosos da época.
E "Ensina-me a viver" é fantástico. Amo muito!
Abraços.

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