VESTIDA PARA MATAR (Dressed to kill, 1980, Filmways Pictures/Cinema 77 Films, 105min) Direção e roteiro: Brian De Palma. Fotografia: Ralf D. Bode. Montagem: Jerry Greenberg. Música: Pino Donaggio. Figurino: Gary Jones, Ann Roth. Direção de arte/cenários: Gary Weist/Gary Brink. Produção: George Litto. Elenco: Michael Caine, Angie Dickinson, Nancy Allen, Keith Gordon, Dennis Franz. Estreia: 25/7/80
Se o cineasta Brian De Palma ficou conhecido por ser o mais fiel discípulo de Alfred Hitchcock, boa parcela de responsabilidade por tal afirmação se deve a "Vestida para matar", um de seus mais radicais exercícios de estilo, dono de algumas das sequências mais empolgantes do início da década de 80. Violento, tenso e tecnicamente brilhante, o filme é uma antologia de momentos de cinema em forma pura, que dispensa diálogos desnecessários para jogar o espectador em uma trama labiríntica e doentia, que bebe da fonte do mestre do suspense tanto de forma discreta (o clima, a obsessão pela sexualidade reprimida) como de maneira nítida (com citações quase óbvias de "Um corpo que cai", "Janela indiscreta" e principalmente "Psicose"). Entretanto, mesmo com todas essas homenagens, De Palma consegue o que parecia impossível, imprimindo a seu trabalho uma personalidade que o separa de meros imitadores, com ousadias quase impensáveis para um filme com pretensões comerciais.
As ousadias de De Palma já começam a dar as caras na cena inicial, que apresenta aquela que, assim como Janet Leigh em "Psicose" (60), parece ser a protagonista: Kate Miller (Angie Dickinson) aparece em nudez frontal (dublada por outra atriz), tomando banho sensualmente, até ser atacada por trás por um desconhecido, enquanto seu marido se barbeia calmamente a poucos metros. Logo o público descobre que tudo não passa de um sonho, mas em poucos minutos tudo está estabelecido, desde o tom que substitui rapidamente o sonho pelo pesadelo até a personalidade insatisfeita de Kate, cujo segundo casamento não lhe faz feliz sexualmente. Logo ela está fazendo suas queixas a seu terapeuta, o dr. Robert Elliott (Michael Caine), que lhe confessa sentir uma forte atração por ela - atração esta impedida de tornar-se realidade por sua condição de médico e homem casado. É aí que De Palma dá a primeira mostra de sua eficiência: em uma longa sequência de vinte minutos quase sem nenhum diálogo, Kate visita um museu, acompanha com o olhar outros frequentadores, flerta com um desconhecido e posteriormente parte atrás dele, em enlouquecidos travellings que conduzem o público para dentro da angústia da protagonista. Mais adiante, ainda em silêncio, eles embarcam em uma tórrida cena de sexo dentro de um táxi, que tem continuidade no ato pós-sexual, quando ela descobre um segredo atordoante sobre seu romance ocasional. Dentro do elevador, ao deixar o prédio, ela dá ao espectador o choque que Hitchcock inaugurou e que funciona mais uma vez às mil maravilhas: é violentamente assassinada por uma mulher loira que a ataca com uma navalha.
A partir desse primeiro susto, o filme segue adiante em sua narrativa, acompanhando as investigações do assassinato, testemunhado por Liz Blake (Nancy Allen, esposa do diretor à época das filmagens), uma garota de programa que se torna a suspeita preferida do detetive Marino (Dennis Franz). Contando com a ajuda do filho de Kate, o jovem nerd Peter (Keith Gordon, hoje um cineasta que dirigiu o ótimo "Amor maior que a vida" (00)), Liz tenta descobrir quem é a assassina, mas logo descobre que está correndo sério risco de ser a próxima vítima. Vem então mais uma sequência digna de aplausos: perseguida pela misteriosa criminosa (que veste uma capa preta e sinistros óculos escuros mesmo à noite), a jovem prostituta encontra refúgio no metrô, mas encontra não apenas uma nova ameaça em um grupo de homens que insinuam querer estuprá-la mas também em um policial que desconfia de sua história. Durante vários minutos a respiração do público fica em suspenso, à espera de um novo susto. Palmas para a direção, a edição e a trilha sonora quase clássica de Pino Donaggio.
"Vestida para matar" não é, no entanto, apenas uma colagem de grandes sequências de suspense. É uma história inteligente e corajosa, que dá a Michael Caine um de seus papéis mais marcantes - que ele herdou, pasmem, de Sean Connery, que só não o interpretou por estar preso a outros compromissos profissionais. O final, surpreendente e psicologicamente coerente, também é inspirado em Hitchcock, mas de uma maneira que não soa requentado ou simplesmente imitado. De Palma, também autor do roteiro, dá a seu público um espetáculo de imagens e sons sem deixar de oferecer também uma trama consistente e que em momento algum subestima sua inteligência. Um dos melhores filmes de suspense de sua época, que ainda hoje funciona extraordinariamente bem.
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