sexta-feira

VIDAS SEM RUMO

VIDAS SEM RUMO (The outsiders, 1983, Zoetrope Studios, 91min) Direção: Francis Ford Coppola. Roteiro: Kathleen Knutsen Rowell, romance de S.E. Hinton. Fotografia: Stephen H. Burum. Montagem: Anne Goursaud. Música: Carmine Coppola. Direção de arte/cenários: Dean Tavoularis/Gary Fettis. Produção Gray Frederickson, Fred Roos. Elenco: C. Thomas Howell, Ralph Macchio, Matt Dillon, Patrick Swayze, Diane Lane, Tom Cruise, Rob Lowe, Emilio Estevez. Estreia: 25/3/83

O filme "Vidas sem rumo" nasceu do encontro inusitado entre as fãs do romance escrito por S.E. Hinton e lançado em 1967 e o cineasta Francis Ford Coppola, vindo da falência de seu estúdio, o American Zoetrope, causada pelo fracasso calamitoso de "O fundo do coração" (82). Desiludido com o cinema, o homem que havia legado ao mundo as duas partes premiadas e elogiadas de "O poderoso chefão" e o problemático porém louvado "Apocalypse now" recebeu uma calorosa carta escrita por alunos de uma escola secundarista de Fresno, na California. Eles alegavam que somente Coppola poderia traduzir em imagens seu livro preferido. Escrito por Hinton quando ainda era uma adolescente de quinze anos, o livro contava a história de um grupo de adolescentes dos anos 50 que sofriam na pele tudo aquilo que os estudantes da década de 80 também sentiam: insegurança, deslocamento de uma sociedade que podia ser muito restritiva e principalmente a força dos laços de amizade. Não foi preciso insistir muito e Coppola aceitou o desafio. Lançado em 1983, seu novo trabalho não ajudou muito em suas finanças já atribuladas - não teve uma bilheteria significativa - mas o incentivou a adaptar outro romance de Hinton em 1984, "O selvagem da motocicleta", e, mais importante que tudo, deu o pontapé inicial nas carreiras de nomes que, nos anos seguintes, dominariam o cinema americano.

Os créditos de "Vidas sem rumo" são um verdadeiro quem é quem do cinema jovem hollywoodiano dos anos 80: estão lá Matt Dillon, Emilio Estevez, Patrick Swayze, Rob Lowe, Diane Lane, C. Thomas Howell, Ralph Macchio e Tom Cruise (em um papel bastante pequeno e bem diferente do galã que se tornaria ainda em 1983 com "Negócio arriscado"). Quando o filme foi feito, nenhum deles era famoso, o que demonstra, no mínimo, o faro de Coppola em descobrir novos talentos - é bom lembrar que foi ele quem insistiu em Al Pacino para viver Michael Corleone no primeiro "Chefão". Sua maior felicidade, em "Vidas sem rumo", foi encontrar atores que encarnam seus personagens com tal verdade que é difícil ficar indiferente a seus dramas apesar do roteiro falhar em desenvolvê-los melhor. No entanto, a ingenuidade, o frescor e o carinho com que todos são tratados na história se reflete na direção sensível de Coppola, que usa e abusa de belíssimas sequências de pôr-do-sol - cortesia de Stephen H. Burum - remetendo tanto ao ocaso da inocência de seus protagonistas quanto à adoração do doce Ponyboy (C. Thomas Howell) pelo livro "...E o vento levou", de Margareth Mitchell, citado em vários momentos no decorrer da narrativa.


"Vidas sem rumo" se passa em uma pequena cidade de Oklahoma, em um ano qualquer durante a década de 50 e narra basicamente a violenta rivalidade entre dois grupos de jovens, os Greasers e os Socials. Do primeiro grupo (assim batizado por utilizarem brilhantina no cabelo) faz parte o protagonista, Ponyboy Curtis, de 14 anos. Órfão e criado pelo irmão mais velho, Darrell (Patrick Swayze) - que também é o responsável pelo outro irmão, Sodapop (Rob Lowe) - Ponyboy vive em constante tensão devido ao clima de guerra declarado pelos dois grupos, que se dividem principalmente por suas classes sociais. Quem acaba por unindo, ainda que por pouco tempo, as duas facções, é a bela Cherry (Diane Lane em papel recusado por Sarah Jessica Parker e Brooke Shields), namorada de um dos líderes dos Socials que faz amizade com Ponyboy e sente-se atraída pelo beligerante Dallas (Matt Dillon), rapaz mais velho que passou inclusive uma temporada na cadeia. A relativa paz entre as duas gangues é interrompida, porém, quando o melhor amigo de Ponyboy, Johnny Cade (Ralph Macchio, o futuro Karatê Kid), mata um dos integrantes do grupo rival, o que desencadeia um recrudescimento ainda maior da violência que os cerca.

Mesmo tratando de uma história onde a violência e a tensão estão sempre presentes, Coppola não se deixa seduzir pela tentação de lavar a tela de sangue - ainda que em uma bela cena ele seja um elemento crucial e impactante. Sua preferência é investigar o relacionamento quase familiar que existe entre seus personagens, que criam um núcleo de auto-proteção e carinho que contrasta com a frieza e a crueldade com que eles constantemente esbarram em seu dia-a-dia. Coppola não se furta a enfatizar, sempre que possível, que aqueles meninos que estão na tela não são maus, nem ferozes, e sim adolescentes carentes de amor, de atenção, de igualdade de chances. É particularmente tocante o destino de Johnny, que acaba sendo o catalisador para o desfecho catártico de toda a trama: justo ele, que flertava com a morte por não suportar a vida como ela lhe aparecia, muda seu ponto de vista quando a encara de frente e precisa lutar para manter-se vivo, enquanto seus amigos partem em sua defesa, em uma cena de briga de gangues que, apesar de curta, já nasceu clássica graças a seu background literário e a seu elenco de ouro.

"Vidas sem rumo" é uma obra feita para se tornar o filme de cabeceira dos fãs do romance - que, a despeito da qualidade da adaptação, ainda assim conseguiram achar do que reclamar - e de adolescentes que se veem retratados com respeito e admiração, sem tentar explicar comportamentos com psicologismos baratos. É um belo e sincero filme, realizado por um diretor apaixonado para um público ainda mais ardoroso, e como tal, é uma versão emocionante e envolvente.

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