BOB
ROBERTS (Bob Roberts, 1992, Miramax Films, 102min) Direção e roteiro:
Tim Robbins. Fotografia: Jean Lépine. Montagem: Lisa Zeno Churgin.
Música: David Robbins. Figurino: Bridget Kelly. Direção de
arte/cenários: Richard Hoover/Brian Kasch. Produção executiva: Tim
Bevan, Ronna B. Wallace, Paul Webster. Produção: Forrest Murray. Elenco:
Tim Robbins, Giancarlo Esposito, Alan Rickman, Ray Wise, Gore Vidal,
David Straithairn. Estreia: 04/9/92
Imagine um
Bolsonaro sem a cara de insano e dotado de carisma. Imagine também que,
antes de candidatar-se a qualquer cargo político, ele tenha iniciado uma
carreira de cantor, espalhando suas ideias neofascistas e ridiculamente
racistas pelas emissoras de rádio e televisão a ponto de conquistar um
público apaixonado (se bem que essa parte do público bovino aplaudindo
barbaridades nem é preciso imaginar). E por fim, imagine que ele
estivesse envolvido em escândalos relacionados a tráfico de drogas e
manobras sujas para denegrir a honra de seu adversário direto. Pois é
exatamente assim que é Bob Roberts, personagem criado por Tim Robbins
para sua estreia na direção. Republicano arraigado, cantor folk de
canções que defendem a pena de morte e o extermínio de moradores de rua
entre outras barbaridades, demagogo e ídolo de uma parcela da
sociedade americana tão podre quanto ele, Roberts é candidato ao Senado
e, disputando voto a voto com Brickley Paiste (o escritor Gore Vidal),
não hesita em apelar para os mais golpes baixos para alavancar sua
campanha. Interpretado na medida certa de ironia pelo próprio Tim
Robbins - que concorreu ao Golden Globe por seu desempenho - o venal
político é a prova cabal de que não é só no Brasil que o povo tem os
representantes que merece. As situações absurdas mostradas no filme
seriam cômicas se não fossem trágicas. Mas divertem e fazem massagem no
cérebro, o que pode ser dito de pouquíssimos filmes americanos.
Robbins,
que foi comparado a Orson Welles por sua estreia - por ter dirigido,
escrito e produzido o filme, além de interpretar o papel-título, cantar e
compor as canções da trilha sonora ao lado do irmão David - fez de seu
primeiro trabalho uma espécie de "O jogador" da política (com a
diferença de ter alcançado menos sucesso comercial e ser superior ao
filme de Robert Altman que ele coincidentemente estrelou). Não apenas
escancara o lado sujo dos bastidores políticos - ainda que pouca gente
tenha se surpreendido com tal podridão - como conta com um numeroso
elenco de astros convidados em pequenas pontas. Até mesmo como forma de
posicionar-se diante das atrocidades do governo Bush (o pai, não o filho
igualmente boçal) estão em cena, em papéis diminutos, Susan Sarandon
(esposa de Robbins à época), Peter Gallagher, Helen Hunt, James Spader,
Fred Ward e John Cusack, além de um estreante Jack Black e, em papéis
mais importantes, Alan Rickman e David Straithairn. Juntos, eles compõem
um painel divertido e por vezes assustador do tamanho das mentiras e
manipulações de que são capazes os homens e mulheres que almejam chegar
ao poder nos EUA. Narrada em estilo semi-documental (o filme em si é um
documentário que está sendo feito sobre a carreira e a ascensão de
Roberts), é uma estreia genial de um ator que sempre esteve abertamente
ligado à causas políticas (e por isso mesmo sempre comprou brigas,
juntamente com Sarandon, principalmente com os produtores do Oscar, que
os baniram da cerimônia por anos depois que eles se manifestaram, ao
vivo, contra a política do governo em barrar haitianos portadores do
vírus HIV).
Utilizando-se
da ironia como ferramenta central de seu roteiro, Robbins leva o
público a acompanhar a meteórica ascensão de Bob Roberts de cantor pouco
conhecido a ídolo de uma geração de eleitores que compartilham, como
ele, de ideias dramaticamente contra a democracia. Roberts renega o
legado dos anos 60 e dos jovens que lutavam contra a Guerra do Vietnã,
prega a utilização de um orçamento ainda maior para a segurança do país
em detrimento de ajudar aos mais necessitados (parasitas, segundo ele,
que tiram o lugar de trabalhadores mais dispostos) e é abertamente
racista. Suas ideias são transmitidas em suas músicas e videoclipes
(todos eles realizados de maneira séria mas decididamente hilariantes em
sua crítica), além de discursos inflamados e entrevistas que
invariavelmente acabam com a fúria dos apresentadores - é especialmente
divertida a sequência em que ele vai participar de um programa ao estilo
"Saturday night live" e pé francamente hostilizado pelo elenco. Sua
máscara, no entanto, não engana a um homem em especial: o repórter
independente Bugs Raplin (Giancarlo Esposito, irreconhecível e
excepcional), que tem como principal objetivo de vida mostrar ao público
quem é de verdade o almofadinha que, por trás de um homem preocupado
com o bem-estar das crianças, esconde alguém capaz de usar dinheiro de
casas populares para traficar drogas.
"Bob Roberts" é
um rasgo de sarcasmo e mordacidade na bem-comportada comédia americana.
Politicamente ousado e sem medo de tocar em feridas bem abertas no
imaginário ianque - tais como a guerra inventada por George Bush e a
manipulação da opinião pública através da mídia - o filme de Tim Robbins
também é cruel por expor uma juventude desinformada e manobrável, capaz
dos atos mais insanos para defender seus pontos de vista tortuosos.
Mesmo que o roteiro trate os eleitores de Roberts como um bando de
idiotas (como o são aqueles que assinam embaixo dos absurdos da bancada
evangélica da nossa câmara de deputados e do já citado Bolsonaro), isso
não transforma a obra em um produto maniqueísta: não interessa ao
diretor discutir o que não deve ser discutido. Bob Roberts - o candidato
- é um câncer no sistema político. "Bob Roberts" - o filme - é uma das
comédias mais inteligentes da década de 90.
Filmes, filmes e mais filmes. De todos os gêneros, países, épocas e níveis de qualidade. Afinal, a sétima arte não tem esse nome à toa.
terça-feira
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