GRAND
CANYON, ANSIEDADE DE UMA GERAÇÃO (Grand Canyon, 1991, 20th Century Fox,
134min) Direção: Lawrence Kasdan. Roteiro: Lawrence Kasdan, Meg Kasdan.
Fotografia: Owen Roizman. Montagem: Carol Littleton. Música: James
Newton Howard. Figurino: Aggie Guerard Rodgers. Direção de
arte/cenários: Bo Welch/Cheryl Carasik. Produção: Michael Grillo,
Lawrence Kasdan, Charles Okun. Elenco: Kevin Kline, Steve Martin, Danny
Glover, Mary McDonnell, Mary-Louise Parker, Alfre Woodard, Jeremy Sisto,
Tina Lifford, Clifton Collins Jr.. Estreia: 25/12/91
Indicado ao Oscar de Roteiro Original
Em
2005, quando o filme "Crash, no limite" foi lançado, muita gente
elogiou sua coragem em tocar no assunto do racismo efervescente da
cidade de Los Angeles ao contar várias histórias paralelas que se
tocavam tenuemente. O filme de Paul Haggis, repleto de clichês,
preconceituoso e superficial ao extremo, conseguiu enganar até mesmo aos
membros da Academia, que o escolheram como o melhor filme do ano sobre o
infinitamente superior "O segredo de Brokeback Mountain" - não que
enganar os vetustos da Academia seja exatamente difícil, que o digam os
produtores de "Dança com lobos" (90) e mais recentemente "O discurso do
rei" (10). Mas o que pouca gente sabia é que, quase quinze anos antes,
um filme mais corajoso, sutil, inteligente e bem escrito também já havia
mexido nessa ferida tão dolorosa das diferenças sociais e raciais que
flagelam a América. "Grand Canyon, ansiedade de uma geração", dirigido e
co-escrito por Lawrence Kasdan, é um sensível e esperançoso retrato de
um grupo de pessoas que, a despeito de suas angústias, tentam
transformar o seu mundo - e principalmente o dos outros - em um lugar
melhor para se viver.
Ao contrário de "Crash", que
tinha uma visão pessimista da sociedade e de seus integrantes, fossem
eles quais fossem, a visão de Kasdan é repleta de carinho e calor
humano, retratando seus personagens como pessoas e não estereótipos
rasos. Embora nenhum deles seja perfeito, existe neles um tom de
humanismo comovente, que impede tanto o sentimentalismo quanto a
generalização rasteira. E até mesmo a metáfora pertinente e esperta
utilizada pelo roteiro - e que dá título ao filme - soa poética e como
uma lufada de ar fresco diante de um mundo tão atribulado e povoado de
mesquinharias. Segundo a visão otimista de Kasdan, o Grand Canyon mostra
a real dimensão dos problemas humanos e da própria natureza
insignificante de qualquer um diante da imensidão do universo. E é por
essa medida que os personagens de seu filme irão avaliar o que o destino
põe diante de seus olhos, seja na forma de uma mão que impedem um deles
de ser estraçalhado por um ônibus ou do dono de um guincho que salva o
mesmo personagem de ser vítima de uma gangue. Sim, existe gangues no
universo criado por Kasdan e sua mulher, Meg, mas elas não estão no
roteiro apenas para justificar uma teoria racista, e sim para evitar o
maniqueísmo que poderia impor-se em uma trama tão, digamos assim,
inspiradora.
Se
existe um protagonista em "Grand Canyon" pode-se dizer que é Mack
(Kevin Kline, ótimo como sempre), um advogado de imigração bem-sucedido,
bem-casado com a analista Claire (Mary McDonnell) e pai de um
adolescente ajustado e saudável. Uma noite, voltando de um jogo de
basquete, ele resolve pegar um atalho para fugir do congestionamento e
acaba vendo seu carro - moderno, bem equipado e caro - pifar no meio da
rua deserta de um subúrbio nada afável. Quando está em vias de ser
assaltado por um grupo de jovens agressivos, ele é salvo pelo gongo, na
pele de Simon (Danny Glover), o dono do guincho que o resgata do perigo.
De uma conversa casual entre eles surge a vontade irrefreável em Mack
de ajudá-lo, seja arrumando uma moradia mais segura para sua irmã - que
cria sozinha dois filhos, sendo o mais velho um projeto de marginal
graças ao grupo que frequenta - ou apresentando-lhe uma colega de
trabalho, Jane (Alfre Woodard). Enquanto isso, sua esposa, durante o
tradicional cooper matinal encontra um bebê abandonado em um grupo de
arbustos e resolve adotá-lo - mesmo enfrentando a hesitação do marido,
que a questiona a respeito de tal vontade por julgar que não passa de
uma tentativa de repor na casa o filho que está em vias de ir para a
faculdade. Fechando o círculo, está Davis (Steve Martin), amigo de Mack
que, produtor de filmes violentos, vê seu próprio mundo voltando-se
contra ele depois que é assaltado e ferido gravemente e Dee (Mary-Louise
Parker), secretária de Mack que, depois de uma noite com o patrão, se
descobre perdidamente apaixonada.
Esse grupo de
personagens, ligados por um roteiro compassado e discreto, que não abusa
das emoções e nem enfatiza desnecessariamente as tragédias (maiores ou
menores) que os acometem, é o centro de "Grand Canyon". Através deles - e
das inspiradas atuações, em especial as de Kline e Mary McDonnell - o
filme de Kasdan apresenta ao espectador um panorama de emoções discretas
mas profundamente pertinentes à sua época, discutindo sem
lugares-comuns temas como a violência urbana, a diferença de classes, a
solidão e o vazio existencial. Pode-se dizer que seus personagens
principais - Mack, Claire e Davis - pertencem a um nicho restrito de Los
Angeles (aqueles que possuem bons empregos, carros e propriedades) e
que suas ações soam como paternalistas, mas é inegável que existe neles
uma boa vontade e um caráter admiráveis (com a possível exceção de
Davis, em uma interpretação contida de Steve Martin), que deixam essa
afirmação com um tom bastante cínico. Lawrence Kasdan quis mostrar em
seu filme que o calor humano e os laços formados a partir deles são as
únicas formas de comunicação em um mundo frio e frequentemente hostil a
sentimentos mais nobres. Conseguiu com louvor, apesar do filme
estender-se um pouquinho em seu terço final. É um belo filme - seu
roteiro foi indicado ao Oscar e perdeu para o genial "Thelma &
Louise" - que merecia ter tido mais sorte em seu lançamento.
Filmes, filmes e mais filmes. De todos os gêneros, países, épocas e níveis de qualidade. Afinal, a sétima arte não tem esse nome à toa.
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