LEMBRANÇAS
DE HOLLYWOOD (Postcards from the edge, 1990, Columbia Pictures, 101min )
Direção: Mike Nichols. Roteiro: Carrie Fisher, livro de sua autoria.
Fotografia: Michael Ballhaus. Montagem: Sam O'Steen. Música: Carly
Simon. Figurino: Ann Roth. Direção de arte/cenários: Patrizia Von
Brandestein/Chris A. Butler. Produção executiva: Robert Greenhut, Neil
Machlis. Produção: John Calley, Mike Nichols. Elenco: Meryl Streep,
Shirley MacLaine, Dennis Quaid, Gene Hackman, Richard Dreyfuss, Rob
Reiner, Annette Bening, Simon Callow, CCH Pounder, Oliver Platt, Michael
Ontkean, Anthony Heald. Estreia: 14/9/90
2 indicações ao Oscar: Atriz (Meryl Streep), Canção Original ("I'm checking out")
Carrie
Fisher foi ao inferno e voltou - com um humor mordaz e venenoso à
tiracolo. A eterna Princesa Leia da cinessérie "Star Wars" - filha de um
ícone (Debbie Reynolds), ex-mulher de outro (Paul Simon), ídolo de uma
(ou provavelmente mais de uma) geração de nerds - Fisher enfrentou um
perigoso vício em drogas e sobreviveu para contar sua história.
Disfarçada sob o rótulo de ficção, sua trajetória para recuperar sua
carreira, aprender a conviver com as idiossincrasias da mãe estrela de
cinema e de quebra fazer uma dura e mordaz crítica aos bastidores da
indústria do cinema americano chegou às livrarias com o título de
"Postcards from the edge" ("Cartões postais do abismo", em tradução
literal) e, mais tarde, como não poderia deixar de ser, apesar da
ironia, chamou a atenção dos produtores de Hollywood (que, sabidamente,
adoram ser retratados nas telas, por pior que seja tal retrato).
Dirigido pelo ótimo Mike Nichols - acostumado a lidar com os melindres
da terra do cinema - "Lembranças de Hollywood" acabou resultando em uma
agridoce comédia dramática que mesmo em seus momentos mais sentimentais
nunca abandona sua tendência ao sarcasmo - em boa parte porque o roteiro
ficou a cargo da própria Fisher, especialista em transformar aridez em
saborosos diálogos.
E diálogos furiosos banhados a
humor não faltam na história de Suzanne Vale, a protagonista
interpretada com verve cômica por Meryl Streep (que obviamente concorreu
ao Oscar por seu desempenho repleto de frescor e ironia). Famosa mais
por seu vício em drogas e por ser filha da excêntrica, querida e popular
Doris Mann (Shirley MacLaine, esplêndida), ela é obrigada a fazer um
tratamento de desintoxicação como cláusula para ser contratada para um
filme que ela nem mesmo está tão empolgada a fazer. O problema do
tratamento é, além daqueles normalmente inerentes a ele, é a obrigação
de voltar a conviver com a mãe, uma mulher carismática, adorada pelo
público e de cuja sombra ela vem tentando sair há anos. Com seus
próprios problemas de vício - dessa vez em álcool - Mann não chega a ser
um exemplo para a filha, mas a convivência, apesar de difícil, passa a
ser responsável por uma aproximação entre elas, principalmente quando
demônios e traumas passados vem à tona. Não bastasse tudo isso, Suzanne
ainda se vê diante de seus problemas amorosos, em especial quando se
encanta por um ator metido a conquistador, Jack Faulkner (Dennis Quaid).
Lotado
de participações especiais - Richard Dreyfuss como seu médico, Gene
Hackman como um cineasta com o coração bem menos duro do que aparenta, o
cineasta Rob Reiner como um produtor - "Lembranças de Hollywood" é um
retrato tão sincero dos bastidores do cinema comercial americano que
incomodou alguns (Lana Turner não gostou nem um pouco de ter sido citada
em uma cena que a qualificava como uma má mãe), trouxe lembrnças a
outros (Liza Minnelli encontrou ecos de sua relação com Judy Garland no
filme) e despertou cobiça em outros tantos (Janet Leigh queria fazer o
filme com a filha Jamie Lee Curtis e a própria Debbie Reynolds se
interessou em interpretar Doris Mann). A coragem de Fisher em expor-se e
seu mundo é admirável, em especial quando se nota que em momento algum
existe resquícios de autopiedade ou sentimentalismo. Como uma
metralhadora giratória, o roteiro brinca com o egocentrismo dos
cineastas e atores, com o mundo de aparências em que vivem e até mesmo
com o perigo do vício em entorpecentes (em vias de morrer de overdose,
Suzanne se vê em um corredor decorado com fotos de Judy Garland, Elvis
Presley, James Belushi e Marilyn Monroe). Mas é na
problemática/amorosa/inconstante relação entre mãe e filha que está o
âmago do filme de Mike Nichols, e é onde estão também seus maiores
trunfos: Meryl Streep e Shirley MacLaine.
Se
foi Streep quem concorreu ao Oscar - e perdeu para Kathy Bates em
"Louca obsessão" - é MacLaine quem rouba a cena com sua histriônica
Doris Mann, uma atriz capaz de fazer um mini-show em sua casa na festa
que dá para comemorar o retorno da filha de uma clínica de reabilitação e
de dar uma entrevista coletiva ao sair do hospital depois de ter
sofrido um acidente por dirigir bêbada como se estivesse saindo de um
espetáculo na Broadway. Os duelos entre as duas - repleto de farpas,
rancores e uma indisfarçável inveja (a filha inveja o talento da mãe, a
mãe queria a juventude da filha) - estão entre os melhores momentos do
filme, a ponto de o público ficar constantemente querendo ver mais e
mais arranca-rabos entre as duas. Mesmo que a diferença entre as duas
atrizes não ultrapasse quinze anos, não existe dúvidas de que Nichols
não poderia ter feito escolhas melhores para suas protagonistas: elas
iluminam e dão calor humano a um filme que, a despeito de tratar de um
assunto aparentemente tão distante da plateia que não é astro de cinema
nem viciado em drogas, consegue atingir em cheio o coração e a mente do
espectador graças a um belo roteiro, uma trilha sonora inspirada e duas
atrizes extraordinárias.
Filmes, filmes e mais filmes. De todos os gêneros, países, épocas e níveis de qualidade. Afinal, a sétima arte não tem esse nome à toa.
domingo
LEMBRANÇAS DE HOLLYWOOD
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