ALUCINAÇÕES
 DO PASSADO (Jacob's ladder, 1990, Carolco Films, 113min) Direção: 
Adrian Lyne. Roteiro: Bruce Joel Rubin. Fotografia: Jeffrey L. Kimball. 
Montagem: Tom Rolfe. Música: Maurice Jarre. Figurino: Ellen Mirojnick. 
Direção de arte/cenários: Brian Morris/Kathleen Dolan. Produção 
executiva: Mario Kassar, Andrew Vajna. Produção: Alan Marshall. Elenco: 
Tim Robbins, Elizabeth Peña, Danny Aiello, Matt Craven, Pruitt Taylor 
Vince, Jason Alexander, Patricia Kalember, Eriq La Salle, Ving Rhames. 
Estreia: 02/11/90
Não deixa de ser interessante que
 um dos filmes mais corajosos, assustadores e surpreendentes de 1990 - e
 por consequência totalmente ignorado pelas cerimônias de premiação e 
até pelo público que lotava as salas de cinema para assistir a produções
 leves como "Esqueceram de mim" e "Uma linda mulher" - tenha sido 
dirigido por um cineasta até então massacrado e desacreditado quase 
unanimemente pela crítica, o inglês Adrian Lyne. Autor de filmes tão 
populares quanto desprezados pelos especialistas como "Flashdance" (84),
 "9 1/2 semanas de amor" (86) e "Atração fatal" (87) - pelo qual foi 
surpreendentemente indicado a um Oscar - Lyne saiu da publicidade para 
transformar-se em sinônimo de filmes rápidos, de estética moderna e 
pouco afeitos a detalhes como roteiro. Por isso, quando "Alucinações do 
passado" - escrito pelo mesmo Bruce Joel Rubin que viu seu "Ghost, do 
outro lado da vida" ganhar milhares de espectadores e uma estatueta da 
Academia - estreou, no final do ano, todo mundo que havia virado a cara 
para suas produções anteriores teve que repensar suas convicções. Denso,
 cruel, poético e intrigante, o conto de horror estrelado por Tim 
Robbins mistura paranoia militar, suspense e espiritualidade em um 
conjunto hipnotizante que é - e provavelmente sempre será - o melhor 
trabalho de seu diretor.
As primeiras tomadas, de uma 
emboscada na Guerra do Vietnã, podem dar a impressão de tratar-se de 
mais um capítulo da leva de filmes sobre o assunto tornados moda desde 
que Oliver Stone levou seus Oscar por "Platoon" (86) e "Nascido em 4 de 
julho" (89), mas esse é apenas o primeiro erro dos espectadores menos 
pacientes: é esse episódio no conflito oriental que está o cerne de toda
 a torturante trajetória posterior do protagonista, Jacob Singer (Tim 
Robbins em atuação espetacular), que já na cena seguinte está em Nova 
York, anos mais tarde, trabalhando em uma agência de correios. Separado 
da primeira mulher e ainda lamentando a morte do filho pequeno - 
ocorrida ainda antes de sua viagem para a guerra - Jacob vive no 
apartamento da nova namorada, Jezzie (Elizabeth Peña) e, quando o filme 
começa, está sofrendo de violentas e angustiantes visões que remetem aos
 piores pesadelos kafkianos. Pessoas sem rosto, humanos com 
características de répteis e até sonhos constantes com sua antiga vida 
passam a ser parte de sua rotina. Desesperado, ele é procurado por um 
grupo de soldados que lhe sugerem a ideia de que todos fizeram parte de 
um experimento do governo americano durante o Vietnã. Ele parte em busca
 da verdade, mas será que as coisas são assim tão simples?
Outro
 fator que surpreende bastante em "Alucinações do passado" é o roteiro 
de Bruce Joel Rubin, que abdica de toda a delicadeza e o senso de humor 
presentes em seu "Ghost" para oferecer um banquete de sensações 
desagradáveis e desconfortáveis que perpassam o caminho de Jacob em 
direção a seu desfecho. Se no filme estrelado por Patrick Swayze e Demi 
Moore o plano espiritual parecia pacífico e etéreo - exceto para os 
vilões, como convém a um produto com ambições mercadológicas - aqui a 
coisa é bem diferente. Somado à direção firme de Lyne - que se inspirou 
na obra mórbida de Francis Bacon, William Blake e da fotógrafa Diane 
Arbus para compor suas cenas mais impactantes - o roteiro de Rubin 
constroi uma nova faceta para os filmes a respeito de experiências 
sensoriais. É impressionante como é negada ao público, até seus minutos 
finais, a possibilidade de um completo entendimento de tudo que se passa
 em seus 113 minutos. Afinal, o que está se passando com Jacob? É 
alucinação, como diz o título nacional? São resquícios do experimento do
 governo? Ele está simplesmente embarcando na loucura tão comum aos 
soldados veteranos? Ou a explicação é outra, mais corriqueira... e ainda
 mais apavorante?
"Alucinações do passado" é um 
triunfo. Tecnicamente é impecável, contando com a fotografia em tons 
escuros de Jeffrey L. Kimball, a edição ágil de Tom Rolfe e a música 
nunca invasora de Maurice Jarre. Como suspense é admirável, tanto por 
seu roteiro corajoso e inteligente quanto pela direção nunca aquém de 
surpreendente de Adrian Lyne. E seu elenco, liderado pelo ótimo Tim 
Robbins (que ficou com um papel que por pouco não esteve nas mãos de Tom
 Hanks, Don Johnson, Mickey Rourke ou Richard Gere), mantém o nível de 
tensão nas alturas - em especial a participação do sempre estranho e 
eficaz Pruitt Taylor Vince, como um colega de batalhas do protagonista. 
Também é louvável seu final, coerente, emocionante e poético, dando ao 
espectador o alívio buscado durante toda a projeção. Grande filme, que 
merece ser conhecido. Por causa dele, Lyne pode ser perdoado pelas 
(muitas) bobagens que já fez na carreira.
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