CONDUZINDO MISS DAISY (Driving Miss Daisy, 1989, Zanuck Company,
99min) Direção: Bruce Beresford. Roteiro: Alfred Uhry, peça teatral de
sua autoria. Fotografia: Peter James. Montagem: Mark Warner. Música:
Hans Zimmer. Figurino: Elizabeth McBride. Direção de arte/cenários:
Bruno Rubeo/Crispian Sallis. Produção executiva: David Brown. Produção:
Lili Fini Zanuck, Richard D. Zanuck. Elenco: Morgan Freeman, Jessica
Tandy, Dan Aykroyd, Patti Lupone, Esther Rolle. Estreia: 13/12/89
9
indicações ao Oscar: Melhor Filme, Ator (Morgan Freeman), Atriz
(Jessica Tandy), Ator Coadjuvante (Dan Aykroyd), Roteiro Adaptado,
Montagem, Figurino, Direção de Arte/Cenários, Maquiagem
Vencedor de 4 Oscar: Melhor Filme, Atriz (Jessica Tandy), Roteiro Adaptado, Maquiagem
Vencedor
de 3 Golden Globes: Melhor Filme Comédia/Musical, Ator Comédia/Musical
(Morgan Freeman), Atriz Comédia/Musical (Jessica Tandy)
Ardoroso
fã de uma polêmica de alcance mundial, o cineasta afro-americano Spike
Lee - diretor de petardos controversos como "Faça a coisa certa",
elogiado pela crítica, mas praticamente ignorado pela Academia,
recebendo apenas duas indicações à estatueta - não poupou verbo ao
descrever o grande vencedor do Oscar 1990, a comédia dramática
"Conduzindo Miss Daisy": segundo ele, o filme estrelado por Morgan
Freeman e Jessica Tandy não passava de uma "evocação nostálgica e
racista de um passado em que os negros não podiam fazer nada senão
submeter-se aos brancos." Discussões de racismo à parte, a adaptação da
premiada peça teatral off-Broadway de Alfred Uhry, inspirada nas
memórias que guardava de sua avó pegou todo mundo de surpresa quando,
surgindo praticamente do nada, bateu o favorito "Nascido em 4 de julho",
estrelado por Tom Cruise, na batalha pelo Oscar de melhor filme -
principalmente porque seu diretor, o australiano Bruce Beresford não
chegou nem mesmo a concorrer em sua categoria (fato raro, mas não
inédito na história do prêmio). Contando apenas com o aval do National
Board of Review e posteriormente do Golden Globe, "Conduzindo Miss
Daisy" enfrentou corajosamente o drama de guerra de Oliver Stone e saiu
da festa com 4 prêmios no bolso, incluindo também as láureas de roteiro
adaptado e atriz para a veteraníssima Jessica Tandy, que estabeleceu o
recorde, aos 81 anos, como a mais idosa atriz a levar o Oscar de sua
categoria.
Conhecida por seu passado em Hollywood -
trabalhou com Hitchcock em "Os pássaros" (63), por exemplo - e por ter
sido esnobada quando Elia Kazan levou "Uma rua chamada pecado" para o
cinema, e escalou Vivien Leigh para interpretar a Blanche Dubois que ela
encarnava há anos nos palcos, Tandy viu-se finalmente reconhecida pelo
público, pela crítica e pela Academia no papel de Daisy Werthan, uma
judia viúva, ranzinza e teimosa que, a princípio a contragosto, inicia
um relacionamento de confiança e amizade com seu chofer negro, Hoke
(Morgan Freeman), contratado por seu filho Boolie (Dan Aykroyd) depois
que ela destrói o próprio carro ao tentar dar um simples passeio pela
cidade. Em papel sob medida para exibir sua experiência e técnica, Tandy
quase não deixou chance para suas rivais na disputa pelo Oscar - entre
elas a bela Michelle Pfeiffer por "Susie e os Baker Boys" e Jessica
Lange por "Muito mais que um crime". Mesmo ignorada por todas as
associações de críticos dos EUA, ela saiu-se consagrada graças à
infalível equação que soma um bom trabalho ao conjunto da obra e a um
toque de sentimentalismo com a possibilidade de premiar uma veterana
nunca antes reconhecida.
"Conduzindo Miss Daisy" - que
chegou a ser montada no Brasil depois do filme, com Nathalia Thimberg e
Milton Gonçalves nos papeis centrais - é um filme fácil de se gostar,
graças ao ritmo fluente da narrativa, do talento de seus atores e da
reconstituição de época caprichada. Porém, sofre de alguns problemas que
o impedem de ser um grande filme - e consequentemente de ter sido
aplaudido com mais ênfase pela crítica quando levou seus Oscar. A
direção de Bruce Beresford, por exemplo, é burocrática e sem brilho, o
que de certa forma explica sua exclusão da lista dos indicados pela
Academia. O roteiro, apesar de nunca cair no tédio ou no sentimentalismo
(mesmo em cenas de maior estofo dramático, como aquelas que tratam das
relações entre a branca Miss Daisy e o negro Hoke em plena efervescência
dos movimentos pelos direitos civis dos anos 60), também peca em não
buscar um aprofundamento maior para nenhum dos protagonistas, cujo
relacionamento se dá apenas em conversas bem interpretadas mas um tanto
ocas. A falta de uma marcação de passagem de tempo também prejudica o
total entendimento da trama, especialmente para quem não tem
conhecimento da história americana e pode ficar perdido diante de alguns
acontecimentos sociais cuja data não fica explícita à plateia. Sabe-se,
por exemplo, que a história começa em 1953 por causa de uma narração
vinda de um rádio na cozinha dos Werthan e, posteriormente, só fica
claro que a história já está em 1963 devido a um pequeno calendário
quase escondido no cenário - e por causa da maquiagem, claro.
No
ano em que "Nascido em 4 de julho" reiterava a obsessão de Oliver Stone
pela guerra do Vietnã, que "Meu pé esquerdo" revelava ao grande público
o talento de Daniel Day-Lewis e "Sociedade dos poetas mortos" mostrava
que o talento dramático de Robin Williams se comparava a seu inimitável
estoque de piadas, dar o Oscar de melhor produção a um trabalho apenas
banal como "Conduzindo Miss Daisy" não deixou de ser mais uma prova de
que a Academia não necessariamente escolhe o melhor filme e sim aquele
que mais convém a seu ideal de gosto médio. Não é um produto que fira
suscetibilidades (talvez a de Spike Lee, mas o que não o faz?), assim
como também não fascina e encanta a ponto de tornar-se inesquecível. É
um bom filme, mas nunca o melhor de 1989.
Filmes, filmes e mais filmes. De todos os gêneros, países, épocas e níveis de qualidade. Afinal, a sétima arte não tem esse nome à toa.
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