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UM CAMINHO PARA DOIS

UM CAMINHO PARA DOIS (Two for the road, 1967, 20th Century Fox, 111min) Direção: Stanley Donen. Roteiro: Frederic Raphael. Fotografia: Christopher Challis. Montagem: Madèleine Gug, Richard Marden. Música: Henry Mancini. Direção de arte: Willy Holt. Produção: Stanley Donen. Elenco: Audrey Hepburn, Albert Finney, Eleanor Bron, William Daniels, Claude Dalphin, Nadia Gray, Jacqueline Bisset. Estreia: 27/4/67

Indicado ao Oscar de Roteiro Original

Para TT...

Perdido entre vários filmes adorados pelos fãs de Audrey Hepburn - principalmente "Bonequinha de luxo" e "My fair lady" - a comédia romântica dramática "Um caminho para dois" quase nunca é mencionado como um favorito. Sofisticado dramaturgicamente e dotado de uma melancolia que perpassa inclusive seus inúmeros momentos cômicos, o filme de Stanley Donen - um dos homens por trás do sucesso de "Cantando na chuva" - é um retrato doloroso e realista do declínio de um relacionamento aparentemente indestrutível, que só não é mais angustiante por conta da química entre Hepburn e Albert Finney, pela edição inteligente e pelo tom bem-humorado que o afasta da indigesta catarse no qual poderia se transformar em mãos menos hábeis.

Contado através de três linhas temporais que se intercalam graças à edição ágil e esperta de Madèleine Gug e Richard Marden, "Um caminho para dois" conta a história de amor, decepção, traição e momentos inesquecíveis entre Joanna (Hepburn) e Mark (um jovem Albert Finney). Quando se encontram, durante uma viagem à Europa, ela é uma corista em busca da realização profissional e ele um arquiteto iniciante. Os dois se apaixonam perdidamente e se envolvem em um casamento repleto de momentos de eletrizante felicidade, mesmo quando precisam contar moedas e passam por situações constrangedoras devido à falta de dinheiro. Conforme o tempo passa e a família aumenta, os problemas também começam a mostrar sua cara, o que os leva fatalmente a crises cada vez mais sérias, em oposição à ascensão de Mark em sua carreira. Quando o filme começa, eles estão a caminho de uma festa na França, onde terão que finalmente decidir que rumo tomar em suas vidas - fato este que os faz também relembrar todos os bons e maus dias de seu relacionamento.


O roteiro de Frederic Raphael, indicado ao Oscar da categoria, é um primor de sensibilidade e inteligência, equilibrando com especial maestria cenas do mais divertido humor visual com a ironia certeira de diálogos mais apurados e sofisticados, além de alcançar as notas certas também nas sequências mais dramáticas. Sua estrutura, fundamentada basicamente em três road-movies simultâneos contados fora de ordem cronológica - fato que a princípio pode confundir um pouco o espectador mas depois mostra-se crucial para a apreciação do panorama geral proposto pela sinopse - é rica em ironia, ao comparar, frequentemente, um passado financeiramente difícil mas feliz, com a realização monetária acompanhada de crises na relação. Por mais que pareça apontar uma espécie de simplismo com essa opção (como se o dinheiro fosse o culpado pelos males do casamento), a trama de Raphael não se deixa cair nessa armadilha, apontando outros fatores para o desgaste sem nunca abdicar de deixar bem claro o amor que une os protagonistas.

E, se o roteiro bem escrito e a direção leve de Donen - que sai-se melhor nos momentos alegres, traindo seu currículo anterior - são dignos dos mais rasgados elogios, a química perfeita entre Hepburn e Finney não fica atrás. Hepburn, que aceitou o papel apenas depois de ler o roteiro inteiro - antes ela havia recusado por medo de fazer mais um filme que rompia com as regras estabelecidas pelo cinema comercial americano como havia sido seu mal-sucedido "Quando Paris alucina" - era uma atriz cheia de nuances, todas elas exploradas com carinho pela direção: durante o filme, vemos sua Joanna apaixonada, decepcionada, triste, feliz, raivosa, arrependida e esperançosa, sem que nunca caia na mesmice ou na repetição. Finney - que ficou com um papel oferecido a Paul Newman e Michael Caine e cobiçado por Tony Curtis - demonstra maturidade e desenvoltura em criar um Mark que deixa transparecer seu amadurecimento sem perder sua essência. São Audrey e Finney quem sustentam todas as bases do roteiro, que dão respaldo a cenas emocionantes (quando lembram da distância que percorreram entre seu primeiro dia juntos e o impasse de seu casamento, quando se identificam com casais que ficam em silêncio durante as refeições, quando veem sua praia particular destruída pelo progresso representado por um prédio construído pelo próprio Mark) e que elevam o status do filme a mais do que simplesmente uma comédia romântica.

"Um caminho para dois" merecia estar entre os filmes mais populares de Audrey Hepburn. É deliciosamente engraçado, comoventemente romântico e dolorosamente triste, tudo na medida certa. É preciso mais que isso?

Um comentário:

Paulo Alt disse...

Owwwnnnnnnn, obrigado.

Sabe, só de que você também achou que o filme merecia estar entre os filmes mais populares da Audrey... fiquei com a sensação de que eu contribui um pouquinho com quem me indica tantas coisas boas e assiste elas comigo. Amei todas as colocações e concordo plenamente com elas.

Obrigado, de novo, pelo post.

Bjoooooooooo
Zukm.t

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