DESAFIO
NO BRONX (A Bronx tale, 1993, Price Entertainment, 121min) Direção:
Robert DeNiro. Roteiro: Chazz Palminteri, peça teatral de sua autoria.
Fotografia: Reynaldo Villalobos. Montagem: R.Q. Lovett, David Ray.
Música: Butch Barbella. Figurino: Rita Ryack. Direção de arte/cenários:
Wynn Thomas/Debra Schutt. Produção executiva: Peter Gatien. Produção:
Robert DeNiro, Jon Kilik, Jane Rosenthal. Elenco: Robert DeNiro, Chazz
Palminteri, Francis Capra, Lillo Brancatto, Taral Hicks, Kathrine
Narducci, Joe Pesci. Estreia: 09/9/93 (Festival de Veneza)
Talvez
fosse algo no ar, ou aquilo que costuma se chamar de inconsciente
coletivo, mas não deixa de ser coincidência que três filmes que marcaram
a estreia de atores na direção tenham falado sobre relações familiares e
a perda da inocência com uma generosa dose de nostalgia. Foi assim com
Jodie Foster e seu delicado "Mentes que brilham", de 1991, com Mel
Gibson e seu surpreendentemente sensível "O homem sem face" (93) e com
Robert DeNiro em seu quase autobiográfico "Desafio no Bronx". Todos eles
tem como protagonista um menino enfrentando a difícil transição entre a
infância e a maturidade, encontrando em seu caminho a solidão, a
insegurança e as dúvidas em relação ao que é certo ou errado. Foster e
Gibson podem ter assinados excelentes filmes, mas é impossível negar que
foi DeNiro, com seu perfeito equilíbrio entre drama familiar, crítica
social e a recriação de um clima muito específico de sua época e
geografia, quem acabou se saindo melhor. Como um dedicado e atento aluno
de seu amigo e parceiro Martin Scorsese, o veterano ator - vencedor de 2
Oscar - transmite, em seu filme, uma segurança e uma personalidade
invejáveis.
A princípio pode até parecer um filme de
Scorsese, com sua narrativa em off, seus personagens típicos, sua
preferência por uma história pessoal e próxima de sua realidade. Porém,
com o texto mais suave de Chazz Palminteri - autor também da peça de
teatro que deu origem ao roteiro e um dos atores centrais do filme - e
com a opção de sublinhar mais a dinâmica entre pai honesto/filho em vias
de seguir o caminho do crime do que a violência decorrente de tal
embate, "Desafio no Bronx" foge do estigma um tanto assustador de "filme
de máfia" e se protege de comparações com a obra do cineasta que criou
"Taxi driver" e "Os bons companheiros" - ambos sintomaticamente
estrelados por DeNiro. Quando a violência surge - explosiva, brutal,
inesperada - ela tem causa e consequência, tem a face de uma escolha
perigosa e de um futuro sangrento para o jovem protagonista. E essa
escolha em retratá-la como um câncer social e não algo glamouroso é uma
das maiores qualidades de um filme repleto delas.
Baseado
em uma peça teatral escrita por Chazz Palminteri - que conta sua
própria história e só vendeu os direitos para o cinema com a condição de
participar do filme - "Desafio no Bronx" se passa em dois momentos
diferentes. Começa em 1960, quando o pequeno Calogero (Francis Capra)
passa a perceber a diferença social entre seu pai, o honesto motorista
de ônibus Lorenzo (o próprio DeNiro em caracterização simpática e
discreta) e Sonny (Palminteri, que em seguida concorreria ao Oscar de
coadjuvante por "Tiros na Broadway", de Woody Allen), um gângster
poderoso e temido no bairro onde vive. Fascinado pelo poder exercido por
Sonny, o menino passa a ser seu protegido depois de testemunhar um
assassino cometido por ele e manter-se em silêncio diante da polícia.
Fazendo pequenos trabalhos para a máfia, Calogero entra em rota de
colisão com seu pai, absolutamente contrário a qualquer tipo de
contravenção. A segunda fase da história se passa em 1968, em meio aos
graves conflitos sociais que os EUA enfrentavam em relação à luta pelos
direitos civis. Já vivido por Lillo Brancato, Calogero é um adolescente -
ainda sob a proteção de Sonny - que se vê no centro do furacão racial
quando se encanta por Jane (Taral Hicks), uma jovem negra que mora em um
bairro vizinho e que é vítima constante dos ataques de seus melhores
amigos.
Sem ambicionar mais do que contar uma boa
história com uma narrativa clássica, Robert DeNiro surpreende também
pela forma econômica com que dirige seus atores, tirando deles uma
atuação naturalista que casa perfeitamente com seu estilo direto, quase
seco - mas disposto a concessões poéticas como a cena da violência
contra os jovens negros sob o som de Moody Blues. Especialmente os dois
jovens atores escolhidos para dividir o papel de Calogero - Francis
Capra na infância e Lillo Brancato na adolescência - traduzem com
perfeição o misto de inocência e veracidade do filme, que não deixa que o
tema um tanto pesado descambe nem para o sentimentalismo nem para o
grotesco. E tem ressonância especial saber que o filme é dedicado ao pai
do diretor/ator. Uma bela homenagem, um belíssimo filme e uma estreia
alvissareira.
Filmes, filmes e mais filmes. De todos os gêneros, países, épocas e níveis de qualidade. Afinal, a sétima arte não tem esse nome à toa.
quarta-feira
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