ECLIPSE
TOTAL (Dolores Claiborne, 1995, Warner Bros, 132min ) Direção: Taylor
Hackford. Roteiro: Tony Gilroy, romance de Stephen King. Fotografia:
Gabriel Beristain. Montagem: Mark Warner. Música: Danny Elfman.
Figurino: Shay Cunliffe. Direção de arte/cenários: Bruno Rubeo/Steve
Shewchuck. Produção: Taylor Hackford, Charles Mulvehill. Elenco: Kathy
Bates, Jennifer Jason Leigh, Christopher Plummer, David Straithairn,
John C. Reilly, Eric Bogosian, Ellen Muth, Bob Gunton. Estreia: 24/3/95
Em
1990, durante uma visita às filmagens de "Louca obsessão", adaptação de
uma obra sua dirigida por Rob Reiner, o escritor Stephen King ficou
impressionado com a atriz principal escolhida pelo cineasta, a até então
desconhecida Kathy Bates - que em seguida impressionaria também o mundo
inteiro e a Academia de Hollywood com seu desempenho irretocável. O
tamanho da admiração de King pelo trabalho de Bates ficou claro quando o
autor inspirou-se nela para escrever um novo romance, ao qual deu o
nome de "Dolores Claiborne" - e cujos direitos foram imediatamente
comprados pela Warner por 1,5 milhão de dólares. Com a escolha óbvia de
Bates para o papel central, o filme chegou às telas no primeiro
trimestre de 1995 sob a direção de Taylor Hackford e, apesar de não ter
feito barulho nas bilheterias, é uma produção digna de figurar ao lado
de outras grandes adaptações da obra de King que fogem de seu gênero
habitual - um panteão rarefeito onde também estão "Conta comigo" (86) e
"Um sonho de liberdade" (94). Com um perfeito equilíbrio entre o
suspense e o drama familiar, "Eclipse total" - um título nacional
surpreendentemente adequado - é uma pequena pérola muitas vezes
esquecida pelo público que consome avidamente qualquer produto que leve a
assinatura do escritor.
Hackford - ainda pouco
conhecido, apesar de "O sol da meia-noite" e "Paixões violentas", dois
relativos sucessos de bilheteria e crítica - demonstra total segurança
desde a instigante abertura, que mostra a protagonista sendo flagrada em
vias de assassinar a idosa milionária de quem vem cuidando há vinte
anos. A pequena cidade do Maine onde se passa essa impressionante cena
inicial dá lugar, então, à barulhenta e cosmopolita Nova York, onde a
jovem jornalista Selena St. George (Jennifer Jason Leigh) - que está
tentando convencer seu editor e ex-amante a dar-lhe a chance de cobrir
uma grande reportagem - recebe um fax avisando que sua mãe está presa,
acusada de assassinato. Logicamente sua mãe é a Dolores Claiborne do
título original (interpretada magistralmente por Kathy Bates), e Selena,
que não a visita há mais de duas décadas, parte para o interior com o
objetivo de ajudá-la. Neurótica e complicada, a jovem encontra em sua
mãe uma mulher amargurada e seca que nega terminantemente a culpa pela
morte de sua patroa, a irascível Vera Donovan (Judy Parfitt), mesmo
depois de ter sido pega em uma situação absolutamente comprometedora.
A
relação entre mãe e filha não é das melhores - e tal situação data da
misteriosa morte de Joe St. George (David Straithairn), acontecida
durante um eclipse do sol há muitos anos. Acusada na época - por Selena e
pelo detetive de polícia local, John Mackey (Christopher Plummer) - de
ter sido a responsável pela morte do marido (alcólatra, violento e
abusivo), Dolores saiu incólume da investigação, mas vê-se novamente sob
a lente de Mackey, que ainda não acredita na sua inocência. Enquanto
esperam pela data do inquérito, Dolores e Selena são obrigadas, então, a
uma convivência forçada que acaba trazendo à tona momentos dolorosos do
passado, que acabam por explicar toda a névoa que cobre as duas mortes
relacionadas à batalhadora empregada doméstica e os problemas
psicológicos de sua jovem e perturbada filha.
Não há
dúvidas de que a história de King é intrigante e prende a atenção do
início ao fim - e contém personagens fascinantes e bem construídos,
melhorados ainda pelo roteiro de Tony Gilroy, que depois se tornaria
cineasta - é dele o premiado "Conduta de risco", de 2007. Mas é a
direção certeira de Taylor Hackford que faz com que o filme atinja
níveis expressivos de qualidade dramática. Elegante e sutil, ele
consegue amenizar a violência da trama original sem trair suas origens
literárias e, para isso, conta com uma equipe primorosa - que inclui
Danny Elfman na trilha sonora - e atores espetaculares. Se Kathy Bates
comanda o show com seu arsenal inesgotável de nuances (Dolores consegue
ser subserviente, furiosa, triste, misteriosa e seca sempre que o
roteiro precisa), seus colegas de cena não ficam a dever. Tudo bem que
Jennifer Jason Leigh até escorrega no lugar-comum, com sua Selena está
sempre de preto, fumando compulsivamente, mas uma história de Stephen
King sem clichê ainda não existe e o restante do elenco compensa
lindamente esse pecadilho: David Straithairn cria um Joe St. George
asqueroso em suas falhas e crimes, Christopher Plummer explora com
sabedoria o caráter obcecado de seu John Mackey e Judy Parfitt... Bem,
na pele da patroa/amiga/vítima de Dolores, a atriz dá um banho de
interpretação, duelando de igual para igual com Bates, em cenas
inesquecíveis.
Menos conhecido do que merece, "Eclipse
total" é um belíssimo filme, que comprova a sensibilidade de Stephen
King em falar sobre pessoas mesmo quando elas não tem poderes
paranormais ou estão acossadas por demônios e alienígenas. Merece ser
descoberto por suas várias e fabulosas qualidades.
Filmes, filmes e mais filmes. De todos os gêneros, países, épocas e níveis de qualidade. Afinal, a sétima arte não tem esse nome à toa.
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