KALIFORNIA,
UMA VIAGEM AO INFERNO (Kalifornia, 1993, Polygram Filmed Entertainment,
117min) Direção: Dominic Sena. Roteiro: Tim Metcalfe, estória de
Stephen Levy, Tim Metcalfe. Fotografia: Bojan Bazelli. Montagem: Martin
Hunter. Música: Carter Burwell. Figurino: Kelle Kutsugeras. Direção de
arte/cenários: Michael White/Kate Sullivan. Produção executiva: Jim
Kouf. Produção: Steve Golin, Aristides McGarry, Sigurjon Sighvatsson.
Elenco: Brad Pitt, Juliette Lewis, David Duchovny, Michelle Forbes.
Estreia: 03/9/93
Um visual úmido, escuro e
claustrofóbico. Um psicopata violento e carismático. Brad Pitt
encabeçando os créditos de abertura. Apesar das nítidas semelhanças, não
é "Seven, os sete crimes capitais", obra-prima do suspense dirigida por
David Fincher em 1995. Lançado dois anos antes, quando Pitt ainda não
tinha nem o poder de levar multidões aos cinemas nem o respeito de três
indicações ao Oscar, "Kalifornia, uma viagem ao inferno" não fez muito
barulho nas bilheterias, adquirindo o status de cult movie somente
anos mais tarde, quando suas qualidades (e a fama de seu ator central,
somada à curiosidade de ver David Duchovny, da série "Arquivo X" em um
de seus primeiros trabalhos) foram percebidas por parte do público. Seu
fracasso comercial à época de seu lançamento, no entanto, não deixa de
ser injusto: apesar de apelar para alguns clichês do gênero,
especialmente em seu desfecho, o filme do estreante Dominic Sena tem
estilo, ritmo e uma boa dose de violência - elementos interessantes o
bastante para a construção de um thriller tenso e instigante em boa
parte de sua duração.
David Duchovny - em vias de
tornar-se o eterno agente Fox Mulder, papel que o persegue até hoje -
vive Brian Kessler, um jornalista que tem a brilhante ideia de escrever
um livro sobre serial killers e visitar o local dos crimes, como
forma de entender as mentes dos assassinos. Quem o acompanha na viagem
através dos EUA é sua namorada, a fotógrafa Carrie Laughlin (Michelle
Forbes), frustrada com o pouco reconhecimento de seu trabalho com
imagens eróticas. Para economizar nas despesas de viagem, o casal conta
com uma dupla de desconhecidos que respondeu seu anúncio: os caipiras
Early Gracye e Adele Corners (Brad Pitt e Juliette Lewis, que foram
namorados durante as filmagens). Com hábitos que contrastam com a rotina
certinha de seus dois novos amigos, Early imediatamente desperta a
antipatia de Carrie, que aos poucos começa a perceber a má influência
que ele exerce em Brian e o domínio que tem sobre Adele, uma jovem
infantilizada que o mantém praticamente em um altar de adoração. Suas
suspeitas de que há algo de errado com seu companheiro de viagem se
confirmam quando ela descobre que ele é procurado por vários
assassinatos - o que pode significar que ela e Brian podem ser as
próximas vítimas.
Boa
parte das críticas que foram feitas à "Kalifornia" diziam respeito à
suposta preponderância da imagem estilosa sob o roteiro, o que, em tese,
transformava o filme de Sena em um produto muito mais agradável aos
olhos do que ao cérebro. Levando-se em conta de que os filmes seguintes
do diretor - "60 segundos" (01) e "A senha: Swordfish" (03) - foram
muito mais longe nessa equação, deixando a história de lado para
concentrar-se nas cenas de ação, pode-se dizer tranquilamente que as
tijoladas em seu primeiro trabalho foram bastante exageradas. Certo, o
roteiro não é exatamente um primor de criatividade, mas é inegável que
existe um forte elemento psicológico nas relações entre os personagens -
Brian admira a masculinidade agressiva de Early, que ao mesmo tempo
repele Carrie em sua razão e a atrai em seus instintos mais selvagens -
que acrescenta interessantes camadas à trama. Afora isso, há a maneira
inteligente de Sena em filmar os assassinatos que acontecem no decorrer
da história e a interpretação acima da média de Brad Pitt, já mostrando
nos primórdios de sua carreira o excelente ator em que iria se
transformar.
Na pele do frio e amoral Early Gracye, que
não se furta a matar o cliente de um posto de gasolina apenas para
roubar o dinheiro necessário para pagar o abastecimento do carro em que
viaja, Brad Pitt rouba a cena sem fazer muito esforço. Com um carregado
sotaque caipira e um visual desleixado - que nem mesmo assim conseguem
esconder sua beleza - Pitt consegue seduzir e assustar na medida certa,
tornando seu personagem tão fascinante que chega a ofuscar o heroi da
trama, transformado, no terço final do filme, em um coadjuvante quase
sem importância. Só quem consegue bater de frente com o ator é Juliette
Lewis, que vinha de uma indicação ao Oscar de coadjuvante por "Cabo do
medo" (91) e construiu uma Adele frágil e indefesa que contrasta com a
truculência do amado. Logo em seguida a jovem atriz encararia outro
violento filme pela frente - "Assassinos por natureza" (94), de Oliver
Stone, ao lado de um Woody Harrelson que ficou com o papel justamente
porque Pitt recusou-se a fazer um personagem tão semelhante em tão pouco
tempo - e ficaria sumida das telas por um bom tempo, dedicando-se à sua
banda de rock, "Juliette and the licks". Quando se revisita
"Kalifornia", porém, fica clara a falta que ela faz no cinema.
Filmes, filmes e mais filmes. De todos os gêneros, países, épocas e níveis de qualidade. Afinal, a sétima arte não tem esse nome à toa.
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