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DESAPARECIDO: UM GRANDE MISTÉRIO

DESAPARECIDO: UM GRANDE MISTÉRIO (Missing, 1982, Universal Pictures, 122min) Direção: Costa-Gavras. Roteiro: Costa-Gavras, Donald Stewart, livro de Thomas Hauser. Fotografia: Ricardo Aronovich. Montagem: Françoise Bonnott. Música: Vangelis. Figurino: Joe I. Tompkins. Direção de arte/cenários: Peter Jamison/Linda Spheeris. Produção executiva: Peter Guber, Jon Peters. Produção: Edward Lewis, Mildred Lewis. Elenco: Jack Lemmon, Sissy Spacek, Melanie Mayron, John Shea, Jerry Hardin. Estreia: 12/02/82

4 indicações ao Oscar: Melhor Filme, Ator (Jack Lemmon), Atriz (Sissy Spacek), Roteiro Adaptado
Vencedor do Oscar de Roteiro Adaptado
Palma de Ouro no Festival de Cannes: Melhor Filme, Melhor Ator (Jack Lemmon) 

Se há uma qualidade que jamais poderá ser negada ao cineasta grego Costa-Gavras é coragem! Em 1969, ele sacudiu o mundo com seu polêmico "Z" - e ganhou um Oscar de melhor filme estrangeiro por isso; em 1972, voltou a mexer no vespeiro político com "Estado de sítio". E em 1982, com o apoio de um grande estúdio de Hollywood (a Paramount) e com dois grandes atores americanos à frente de seu elenco (Jack Lemmon e Sissy Spacek), teve a suprema ousadia de apontar o dedo para a colaboração da CIA no golpe de estado ocorrido no Chile em 1973. Mesmo não citando nominalmente o país governado por Salvador Allende até sua deposição - para proteger inocentes e o filme em si, conforme os créditos de abertura -, o filme "Desaparecido: um grande mistério", baseado no livro de Thomas Hauser tampouco esconde sua origem (a ponto de mostrar um caixão com o nome da capital do país, Santiago, em uma de suas cenas mais cruciais) e toca sem medo em um assunto que tanto o governo norte-americano quanto os espectadores certamente prefeririam esquecer (ou sequer conhecer). Premiado com a Palma de Ouro de Melhor Filme no Festival de Cannes (que também deu a Jack Lemmon sua láurea de melhor ator) e indicado a quatro Oscar (incluindo melhor filme mas não de melhor diretor), o longa de Costa-Gavras é a confirmação de seu talento em buscar temas controversos - e transformá-los em grandes e relevantes produções cinematográficas.

O golpe de mestre de "Desaparecidos" talvez seja aproximar o público médio de um tema difícil através de personagens menos distantes de sua realidade. O casal norte-americano que vive no Chile e é pego de surpresa com um golpe militar que transforma radicalmente sua rotina está muito longe de ser uma dupla de heróis - ele, Charles Horman (John Shea) é um jornalista e tradutor, e ela, Beth (Sissy Spacek, indicada ao Oscar de melhor atriz), dona de casa. Sua escolha em viver no país tem a ver apenas com seus pontos de vista menos conservadores, que batem de frente, por exemplo, com aqueles do pai de Charles, Ed (Jack Lemmon), um homem religioso que vê a aventura do filho e da nora com olhos pouco simpáticos. Quando Charles desaparece e Beth ouve dos vizinhos que ele foi levado por soldados, começa uma busca desesperada por seu paradeiro - um caminho repleto de meias-verdades, opressão e ameaças veladas, que a faz aceitar sem reservas a ajuda do sogro, que chega de Nova York com o objetivo claro de localizar o filho. A princípio contando com o apoio da embaixada norte-americana, aos poucos a dupla começa a compreender o horror da ditadura - e descobrem que o sumiço de Charles pode ter a ver com o fato de ele saber mais do que deveria a respeito da participação dos EUA no golpe.


Narrado em ritmo de thriller - um gênero no qual o cineasta exercita todo o seu poder de persuasão - e explorando com perfeição a trilha sonora de Vangelis e a edição caprichada de Françoise Bonnot, "Desaparecido" envolve o público gradualmente, construindo seu suspense com maestria e sensibilidade. A partir do desaparecimento de Charles e do começo da procura incansável de Beth e Ed, o filme mergulha o espectador em um labirinto de mentiras e decepções, enquanto aproxima lentamente sogro e nora antes incompatíveis. Essa artimanha, ao contrário de enfraquecer a denúncia política, a torna universal, e se torna ainda mais potente graças às atuações na medida certa de Jack Lemmon e Sissy Spacek: conforme a barra vai ficando mais e mais pesada, seus desempenhos exemplares vão demonstrando uma série de nuances até então reprimidas. O roteiro vencedor do Oscar de Costa-Gavras e Donald Stewart também acerta ao ir revelando paulatinamente as pistas sobre o paradeiro de Charles - até chegar a um clímax incômodo e doloroso que abalou tanto o governo do Chile (que o proibiu durante a ditadura de Pinochet) quanto o norte-americano (que lançou uma declaração poucos dias antes da estreia do filme negando terminantemente as acusações feitas pela trama).

Elogiado unanimemente pela crítica - o National Board of Review o escolheu como um dos melhores filmes de 1982 - e a estreia de Costa-Gavras no cinema americano, "Desaparecido: um grande mistério" é um filme político que não exige do público um conhecimento prévio do assunto. Escrito com inteligência e dirigido com extremo senso de respeito pela história contada, é uma obra que conquista pela seriedade e pela sobriedade: mesmo diante de acontecimentos trágicos, seus personagens não apelam para o piegas, evitando ao máximo catarses emocionais exageradas: esplêndidos em seus papéis, Lemmon e Spacek comunicam ao máximo com o mínimo de recursos, sublinhando cada linha de diálogo (ou cada momento de silêncio devastador) com seu grande talento. Uma obra adulta, séria, relevante e infelizmente cada vez mais atual, "Desaparecidos" é um filme que precisa ser redescoberto e louvado como um dos mais importantes da década de 1980.

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