terça-feira

VOCÊ NÃO CONHECE O JACK

VOCÊ NÃO CONHECE O JACK (You don't know Jack, 2010, HBO Films, 134min) Direção: Barry Levinson. Roteiro: Adam Mazer. Fotografia: Eigil Bryld. Montagem: Aaron Yanes. Música: Marcelo Zarvos. Figurino: Rita Ryack. Direção de arte/cenários: Mark Ricker/Rena DeAngelo. Produção executiva: Lydia Dean Pilcher, Tom Fontana, Steve Lee Jones, Barry Levinson, Glenn Rigberg. Produção: Scott Ferguson. Elenco: Al Pacino, Brenda Vaccaro, Susan Sarandon, John Goodman, Danny Huston, Deirdre O'Connell, Todd Susman. Estreia: 14/4/10

Vencedor do Golden Globe de Melhor Ator em Minissérie ou Filme Para TV (Al Pacino)

Tivesse sido realizado para o cinema, como foi planejado a princípio, "Você não conhece o Jack" certamente teria alcançado a cerimônia do Oscar: dirigido por Barry Levinson (vencedor da estatueta por "Rain Man", de 1988) e estrelado por Al Pacino (premiado por "Perfume de mulher", em 1993, depois de várias outras infrutíferas indicações) e Susan Sarandon (a melhor atriz de 1995 por "Os últimos passos de um homem"), o filme que narra a luta real de um médico pelo direito dos pacientes ao suicídio assistido é uma empolgante demonstração do talento de seu realizador em contar uma história com todas as ferramentas de que dispõe - sem soar didático ou polêmico em excesso. Mesmo sendo perceptivelmente simpático à causa de seu protagonista, Levinson constrói seu filme de forma sóbria e responsável, amparado por uma atuação avassaladora de Pacino e um roteiro inteligente de Adam Mazer, que equilibra com maestria as batalhas jurídicas travadas nos tribunais e momentos de grande emoção, em boa parte oferecidos por imagens reais de pacientes que procuraram aliviar seu sofrimento pelas mãos daquele que ficou conhecido como "Doutor Morte". Com uma atuação avassaladora de Pacino (que acabou ganhando o Golden Globe, o Emmy e o SAG Award), o filme é também o melhor filme de Levinson desde "Mera coincidência" (97) - e um dos mais fascinantes sobre o tema já realizados.

Jack Kevorkian, o protagonista, era um médico, filho de armênios, que, nos anos 90, tornou-se conhecido mundialmente não apenas por defender a eutanásia como forma de permitir uma morte digna como desfecho de doenças terminais, mas também por colaborar, através de uma máquina criada por ele, para que tais pacientes tivessem seu desejo atendido. Suas ações o levaram a capas de revistas, a programas de entrevistas no rádio e na televisão, e principalmente aos tribunais: acusado de homicídio em alguns casos, Kevorkian contava com a ajuda de seu advogado, Geoffrey Fieger (Danny Huston, com uma horrenda peruca loura), sua irmã, Margo (Brenda Vaccaro), seu fornecedor de medicamentos, Neal Nicol (John Goodman), e a militante pró-direito de escolha Janet Good (Susan Sarandon). Acreditando piamente em seus princípios, o grupo acaba por enfrentar a ira de religiosos e a gana de advogados ambiciosos, que veem na figura do médico a chance de alavancar suas carreiras. Cada golpe, porém, faz de Kevorkian um homem mais forte e decidido a levar a discussão até o mais alto grau de justiça dos EUA: a Suprema Corte.


Magistralmente editado - com cenas reais, onde Pacino substitui, por computação gráfica, o verdadeiro Kevorkian em entrevistas com possíveis pacientes - e centrado basicamente em discutir o assunto de forma racional e honesta, "Você não conhece o Jack" apresenta uma abordagem séria, que não esconde a visão benevolente que tem de seu protagonista, mas ao mesmo tempo respeita a visão negativa de certos setores mais conservadores da sociedade norte-americana. Ao construir um Jack Kevorkian humano, falível e fatalmente solitário em suas questões éticas, o roteiro de Adam Mazer o retrata quase como um mártir, mas o trabalho impecável de Al Pacino evita que essa luz demasiado positiva o transforme em um santo irretocável. Dotando seu personagem de nuances, o veterano ator mostra que, mesmo depois dos 70 anos, ainda pode surpreender a plateia - há muito tempo não se via Pacino tão à vontade em cena, em um papel que lhe oferece mil oportunidades de brilho e aplausos. Mesmo que contracene com nomes de peso, é ele a alma do filme - e seu principal sustentáculo em mais de duas horas de duração.

Apesar da longa duração, no entanto, "Você não conhece o Jack" jamais se torna cansativo ou repetitivo - algo admirável, em especial quando se percebe que grande parte da história é restrita aos atendimentos de Jack e suas consequências jurídicas. Por incrível que pareça, o vai-e-volta de tribunais, os longos diálogos e o tom melancólico, ao contrário de atrapalhar o ritmo, parecem dar coesão e consistência a uma trama que, apesar de densa e dramática, apela igualmente para a razão e a emoção. Como testemunhas privilegiadas, o público tem a oportunidade de conhecer os ideais e os métodos de um dos homens mais polêmicos de sua época de forma clara e inteligente, sem manipulações piegas ou sensacionalistas. É um trabalho maduro e honesto, assinado por um diretor de talento inquestionável - apesar de alguns tropeços constrangedores na carreira - e estrelado por um dos maiores atores dos EUA. É, por seu tema e por seu resultado final, um filme imprescindível!

Um comentário:

Paulo Alt disse...

Não me chamaste para ver junto? Chocado estou.
Esse parece ser bem melhor do que aquele outro que vimos junto, o Paterno.
O Al Pacino virou contratado da HBO? :)
zukm.t

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