sexta-feira

LUA DE PAPEL

LUA DE PAPEL (Paper moon, 1973, Paramount Pictures, 102min) Direção: Peter Bogdanovich. Roteiro: Alvin Sargent, romance de Joe David Brown. Fotografia: László Kovácks. Montagem: Verna Fields. Figurino: Polly Platt. Direção de arte/cenários: Polly Platt/John Austin. Produção: Francis Ford Coppola. Elenco: Ryan O'Neal, Tatum O'Neal, Madeline Kahn, John Hillerman, P.J. Johnson, Jessie Lee Fulton. Estreia: 09/4/73

4 indicações ao Oscar: Atriz Coadjuvante (Madeline Kahn), Atriz Coadjuvante (Tatum O'Neal), Roteiro Adaptado, Som
Vencedor do Oscar de Atriz Coadjuvante (Tatum O'Neal)

Os créditos de abertura já anunciam com precisão o tom saudosista e leve que virá pela frente: "Lua de papel", filme seguinte de Peter Bogdanovich à escrachada comédia "Essa pequena é uma parada" (72), estrelada por Barbra Streisand e Ryan O'Neal. No auge da carreira, é O'Neal também quem lidera o elenco dessa adaptação charmosa e lírica do romance de Joe David Brown, um olhar carinhoso sobre os EUA pós-Grande Depressão - que, por coincidência ou acesso de nostalgia por parte de Hollywood, era também o cenário do vencedor do Oscar do mesmo ano, "Golpe de mestre". Pensado inicialmente como um veículo para Paul Newman e sua filha Nell Potts sob a direção do veterano John Huston, "Lua de papel" acabou chegando às telas com outra dupla de pai e filha: Ryan - tentando apagar a imagem de mocinho romântico conquistado em "Love story: uma história de amor" (70) - e sua filha Tatum, estreando em cinema por sugestão da então esposa de Bogdanovich, a desenhista de produção Polly Platt. O resultado não poderia ter sido mais favorável: aos dez anos de idade, Tatum tornou-se a mais jovem vencedora do Oscar de atriz coadjuvante, recorde mantido ainda hoje, mais de quatro décadas depois - uma vitória que, diga-se de passagem, causou muita polêmica.

Primeiro foi a acusação, de parte de alguns membros da indústria, de que a atuação vivaz e inspirada da pequena Tatum, então com apenas oito anos, havia sido completamente fabricada por Bogdanovich na sala de edição - e que o cineasta havia realizado dezenas e mais dezenas de takes até dar-se por satisfeito com a menina (como se inúmeros outros diretores não fizessem o mesmo com atores bem mais experientes). Não bastasse essa controvérsia (que acabou por apagar-se com tempo e curiosamente não se repetiu com outra competidora juvenil da mesma categoria e do mesmo ano, Linda Blair, por "O exorcista"), anos mais tarde a própria Tatum O'Neal pôs lenha na fogueira a respeito de sua vitória, declarando em sua biografia, "Paper life", que Ryan, humilhado por ver a filha receber um Oscar ainda na infância enquanto ele sequer havia sido indicado, a espancou depois da premiação. Apesar da revelação contradizer as palavras do ator em uma entrevista de 1973 - em que afirmava ter aceito fazer o filme com a filha como forma de fortalecer seus laços familiares e que, se não fosse com ela, não teria sido convencido por Bogdanovich a ficar com o papel -, o fato é que as duras lembranças de Tatum provavelmente justificaram seus posteriores problemas com drogas e no relacionamento com os próprios filhos, de seu casamento com o tenista John McEnroe, encerrado em 1994.


Problemas de bastidores à parte, "Lua de papel" é uma delícia. Com algumas alterações em relação ao livro de Brown (como a idade da protagonista mirim, tornada mais jovem, o cenário - do Alabama para Kansas e Missouri - e o terço final, suprimido completamente), o roteiro de Alvin Sargent conquista o público sem dificuldade, graças principalmente ao carisma irresistível da pequena Tatum e do cinismo sedutor de Ryan, ambos excelentes e com uma química que somente a relação entre pai e filha de verdade conseguiria alcançar. A trama se passa nos anos 30, e começa quando Moses Pray chega ao funeral de uma antiga conhecida e é convencido pelos parentes da falecida a levar sua única filha, Addie, até a casa de uma tia, no Missouri. Acontece que Moses é um golpista contumaz, que se faz passar por vendedor de Bíblias para arrancar dinheiro de famílias enlutadas, e apesar de desconfiar que a menina pode ser sua filha (coisa que ela sabe que pode ser verdade), não tem a menor intenção de aproximar-se dela. No caminho, porém, a relação entre os dois sofre uma reviravolta quando a garota demonstra ser tão astuta quanto seu veterano companheiro - e os dois resolvem formar uma lucrativa parceria em golpes até o fim da jornada a caminho de casa.

Fotografado por László Kóvacs em um belo preto-e-branco (sugerido a Bogdanovich pelo cineasta Orson Welles) e dotado de uma reconstituição de época impecável, "Lua de papel" tem o ritmo de uma comédia clássica, mas é dotado de um coração e uma alma que, vez ou outra, se deixam entrever através do quase cinismo de seus personagens. São emocionantes os momentos em que a pequena Addie se lembra da mãe ou tenta conquistar o carinho daquele que tem certeza que é seu pai; é surpreendente quando Trixie Delight (Madeline Kahn, indicada ao Oscar de coadjuvante), que se prostitui para sobreviver em um país assolado pela pobreza, se permite ser honesta em relação à sua vida com a pequena rival pelas atenções de Moses; e são particularmente felizes as cenas em que a cumplicidade dos protagonistas se torna evidente mesmo diante de situações pouco felizes. No auge de sua carreira como cineasta - havia apenas dois anos que havia lançado o elogiadíssimo "A última sessão de cinema" -, Peter Bogdanovich oferece em seu filme um equilíbrio notável entre humor e emoção, sem deixar nunca de afirmar, ainda que sem palavras, que até mesmo os brutos também amam. Um filme delicioso e de aquecer o coração!

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