quinta-feira

SÍNDROME DA CHINA

SÍNDROME DA CHINA (The China Syndrome, 1979, Columbia Pictures, 122min) Direção: James Bridges. Roteiro: Mike Gray, T.S. Cook, James Bridges. Fotografia: James Crabe. Montagem: David Rawlins. Figurino: Donfeld. Direção de arte/cenários: George Jenkins/Arthur Jeph Parker. Produção executiva: Bruce Gilbert. Produção: Michael Douglas. Elenco: Jane Fonda, Jack Lemmon, Michael Douglas, Scott Brady, James Hampton, Peter Donat. Estreia: 16/3/79

4 indicações ao Oscar: Ator (Jack Lemmon), Atriz (Jane Fonda), Roteiro Original, Direção de Arte/Cenários
Palma de Ouro de Melhor Ator (Jack Lemmon) no Festival de Cannes 

Se é verdade que a vida imita a arte uma prova disso ficou bem evidente em 28 de março de 1979, quando um acidente nuclear em Dauphin County, Pensilvânia deixou em maus lençóis os executivos das usinas nucleares americanos, que, apenas doze dias antes, haviam rechaçado violentamente a estreia do filme "Síndrome da China", taxando-o de alarmista e mentiroso. A questão era que a produção estrelada por Jane Fonda, Jack Lemmon e Michael Douglas tratava, de forma clara e incisiva, sobre um grupo de cientistas nucleares tentando desesperadamente esconder da mídia a verdade sobre um perigoso vazamento em um de seus reatores. O oportunismo do lançamento (ou sua clarividência) não passou em branco, é claro, e detratores chegaram a sugerir que a Columbia Pictures (produtora do filme), havia forjado a notícia do acidente como forma de divulgá-lo. Perda de tempo: apesar do acidente na Pensilvânia ter acontecido no calor de seu lançamento, a origem da trama de "Síndrome da China" remetia a 1975, quando outro incidente, dessa vez no Alabama, chamou a atenção do roteirista Mike Gray - também engenheiro e produtor do polêmico documentário "The murder of Fred Hampton" (71), sobre a morte do famoso membro dos Panteras Negras. Com um roteiro pronto e repleto de dados técnicos que fortaleciam o tom documental da narrativa, Gray viu sua obra chegar até as mãos da atriz Jane Fonda, que, junto com seu parceiro Bruce Gilbert, procurava um filme que refletisse uma das preocupações de sua recém-fundada produtora, a IPC Films: frustrada em conseguir os direitos sobre a vida de Karen Silkwood, que morreu misteriosamente depois de descobrir falhas em uma usina (e que ganhou o rosto de Meryl Streep em 1983, em um filme de Mike Nichols), Fonda encontrou em "Síndrome da China" o que precisava. Com a ajuda de Michael Douglas (premiado com o Oscar por "Um estranho no ninho", de 1975) na produção e alguns ajustes pontuais no roteiro, o filme estava pronto para sair do papel e ganhar as telas.

Mas então começaram os problemas: a Columbia não acreditava que Mike Gray tinha potencial o bastante para comandar uma produção tão ambiciosa e o substituiu por James Bridges (já testado e aprovado por "O homem que eu escolhi", que deu o Oscar de coadjuvante a John Houseman em 1973); Richard Dreyfuss, escalado para viver o cinegrafista Richard Adams, desistiu do projeto antes do começo das filmagens; e Jack Nicholson, a quem tinha sido oferecido o papel do cientista Jack Godell, já estava comprometido com a produção de "O iluminado" (80). Como há males que vem pra bem, porém, tudo foi resolvido a tempo (e de forma mais que perfeita): Michael Douglas acumulou os papéis de produtor e ator, ficando com a vaga deixada por Dreyfuss, e Jack Lemmon - apaixonado pelo roteiro desde que o leu pela primeira vez, em 1976 - não hesitou em viver um personagem que lhe rendeu mais uma indicação ao Oscar e sua primeira Palma de Ouro de Melhor Ator no Festival de Cannes. Sucesso de público e crítica, "Síndrome da China" ainda arrebatou o prêmio do Sindicato de Roteiristas e foi eleito pelo National Board of Review como um dos melhores filmes da temporada 1979 - dominada por "Kramer vs Kramer", de Robert Benton.


A protagonista do filme é Kimberly Wells (em mais uma atuação exemplar de Jane Fonda, cuja entrada no projeto alterou tanto o sexo do personagem como inseriu na trama uma relevante discussão feminista), uma repórter talentosa mas sempre relegada a matérias de importância quase nulas, Wells deseja ser levada a sério como profissional. Sua grande chance de provar seu valor lhe cai do céu quase por acaso: durante uma reportagem banal em uma usina nuclear - onde estava apenas para mostrar aos telespectadores como funciona o dia-a-dia do local -, um acidente em um dos reatores (cujo nível de água atinge níveis alarmantes) é filmado às escondidas pelo cinegrafista Richard Adams (Michael Douglas). Excitados (depois que o incidente fica sob controle), os dois colegas percebem que tem em mãos uma explosiva reportagem-denúncia, mas são impedidos pela direção da emissora em divulgar o conteúdo das imagens, obtidos de forma ilegal. Sua indignação acaba indo ao encontro de Jack Godell (Jack Lemmon), o supervisor da usina, que, depois de investigar por conta própria, descobre que a segurança do local é falha e resolve dar uma declaração oficial a respeito dos perigos que a população corre por causa do descaso dos construtores.

Narrado em tom de urgência e sobriedade - sem uma trilha sonora original e uma edição seca e direta -, "Síndrome da China" é uma aula de concisão. Mesmo que chegue a duas horas de duração, não há cenas dispersivas ou tramas paralelas que trunquem a narrativa - até mesmo a vida pessoal de Kimberly é citada apenas de passagem, em uma cena rápida, e não há espaço para romance entre ela e Richard (apesar de algumas pistas discretas). Até mesmo a aura didática de certos momentos - imprescindível quando se trata de um assunto então sem muita divulgação pela mídia - é inteligente e ágil, impedindo que a plateia se aborreça com longas explicações ou detalhes desnecessários. E o trabalho do elenco é crucial para que o conjunto soe ainda mais homogêneo. Jack Lemmon e Jane Fonda foram indicados ao Oscar, e Michael Douglas segura bem seu personagem coadjuvante, sem  vaidade de querer aparecer mais do que a história ou a denúncia. Um filme típico dos anos 70 - com intenções sociais e políticas bem definidas e um ritmo particular, "Síndrome da China" é essencial para o público fã de thrillers bem realizados e sérios - e um dos motivos pelos quais Jane Fonda pode ser considerada uma das estrelas mais politizadas da história de Hollywood.

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