UM DIA MUITO LOUCO (Freaky friday, 1976, Walt Disney Productions, 95min) Direção: Gary Nelson. Roteiro: Mary Rodgers, romance de sua autoria. Fotografia: Charles F. Wheeler. Montagem: Cotton Warburton. Música: Johnny Mandel. Direção de arte/cenários: John B. Mansbridge, Jack Senter/Robert Benton. Produção: Ron Miller. Elenco: Barbara Harris, Jodie Foster, John Astin, Patsy Kelly, Dick Van Patten, Marc McClure. Estreia: 17/12/76
O ano de 1976 foi, no mínimo, bastante estranho para Jodie Foster, então uma atriz-mirim se encaminhando para tornar-se uma intérprete adulta: não apenas perdeu a chance de estrelar o que seria uma das maiores bilheterias da história ("Star Wars", onde faria o papel da Princesa Leia) por problemas de contrato com a Disney, como confirmou-se uma das mais talentosas promessas de sua geração ao mostrar duas facetas completamente opostas de seu trabalho. No início do ano viveu a jovem prostituta Iris no cultuado "Taxi driver", de Martin Scorsese - que lhe rendeu uma indicação ao Oscar de coadjuvante - e no final do ano estava nas telas do cinema em mais uma comédia inconsequente do estúdio do Mickey: em "Um dia muito louco", ela provou que também sabia fazer rir, tirando de letra o desafio de viver não apenas uma pré-adolescente rebelde mas também sua mãe certinha, que toma seu corpo devido a uma troca inexplicável e que torna seu dia um pandemônio de que somente o cinema comercial americano é capaz de imaginar. Na verdade, nem ele: o roteiro de Nancy Rodgers é baseado em seu romance, publicado em 1972 e que rendeu, posteriormente, duas refilmagens: uma em 1995 (com Shelley Long e Gaby Hoffman) e outra, bem-sucedida, estrelada por Jamie Lee Curtis e Lindsay Lohan. Leve, despretensiosa e um clássico absoluto da Sessão da Tarde, "Um dia muito louco" é um filme de sabor nostálgico, em que até seus "defeitos" especiais contribuem para a sensação de voltar à infância.
Do visual cafona à configuração social que contrasta com as conquistas femininas das últimas décadas, tudo em "Um dia muito louco" remete imediatamente aos anos 70, um período de ouro para as produções familiares da Disney - estúdio pelo qual Jodie Foster fez vários filmes em sua infância e pré-adolescência. Uma produção nitidamente com ambições de conquistar as plateias infanto-juvenis, a comédia dirigida por Gary Nelson - veterano de telefilmes e episódios de séries de TV - é um primor de entretenimento descompromissado e bem-humorado. Contando com atuações inspiradas de Foster e Barbara Harris, ambas indicadas ao Golden Globe de melhor atriz em comédia ou musical (perderam a estatueta para Barbra Streisand, por "Nasce uma estrela"), o filme conquista pelo ritmo ágil, pela simpatia do elenco e pelas situações criadas pelo roteiro, que brincam não apenas com as percepções equivocadas de mãe e filha sobre suas rotinas mas também sobre como o mundo feminino (ou ao menos aquele dos EUA do final da década) se comportava diante de situações domésticas e profissionais. Mesmo que pareça estender-se demais em seu ato final - um clímax repleto de ação e cenas do mais puro pastelão (um deleite para as crianças) - e sofra com um tanto de superficialidade no desenvolvimento de suas personagens, o filme de Nelson entrega exatamente o que promete: diversão.
A trama é simples e conhecida: em uma sexta-feira 13 aparentemente normal, uma dona-de-casa dedicada ao lar, ao marido e ao casal de filhos (Barbara Harris) se vê com a personalidade da filha pré-adolescente, Annabel (Jodie Foster) - uma jovem ligeiramente desleixada e rebelde que também percebe estar vivendo sob a perspectiva de sua mãe. A princípio se divertindo com a situação, aos poucos as duas notam que estão diante de um grande problema, já que justamente nesse dia o pai da família (John Astin) conta com a presença de ambas em uma recepção que pode lhe dar uma promoção no trabalho. A confusão, então, está armada: na pele de sua mãe, Annabel precisa lidar com a administração de uma casa (com eletrodomésticos que não sabe utilizar e problemas com fornecedores e uma empregada doméstica pouco afável) e sua mãe, chocada com o dia-a-dia da jovem, tenta disfarçar o caos que se instala quando ela precisa fazer parte do time da escola em uma partida importante de beisebol. Não bastasse isso, Annabel aproveita que está com o visual de sua mãe para tentar convencer o jovem vizinho, Boris (Marc McClure), de que é a namorada perfeita para ele apesar de seu jeito descuidado.
De posse de uma história surreal e que em nenhum momento tenta explicar-se além do superficial (o que, de certa forma, é melhor do que explicações rasteiras), o roteiro de "Um dia muito louco" leva o espectador a noventa minutos de um humor pueril e recheado de sequências que remetem diretamente a um cinema sem neuroses e totalmente desprovido de pretensões - um contraponto interessante ao que começava a acontecer junto a cineastas como Francis Ford Coppola, Sidney Lumet e Martin Scorsese. O fato de Jodie Foster ser a ponte entre esses dois estilos opostos de cinema não deixa de ser curioso - e uma prova do talento incrível da então jovem atriz, que se tornaria uma das mais respeitadas e inteligentes da Hollywood dos anos 90 em diante. Sua criação como a intrépida Annabel Andrews (em papel para o qual também foi testada Debra Winger) é definitivamente a prova de sua versatilidade e carisma. "Um dia muito louco" é diversão simples e descompromissada - com o selo de qualidade da Disney.
Filmes, filmes e mais filmes. De todos os gêneros, países, épocas e níveis de qualidade. Afinal, a sétima arte não tem esse nome à toa.
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