UM
SONHO SEM LIMITES (To die for, 1995, Columbia Pictures Corporation,
106min) Direção: Gus Van Sant. Roteiro: Buck Henry, romance de Joyce
Maynard. Fotografia: Eric Alan Edwards. Montagem: Curtiss Clayton.
Música: Danny Elfman. Figurino: Beatrix Aruna-Pasztor. Direção de
arte/cenários: Missy Stewart/Carol Lavoie. Produção executiva: Joseph M.
Caracciolo, Jonathan Taplin. Produção: Laura Ziskin. Elenco: Nicole
Kidman, Matt Dillon, Joaquin Phoenix, Casey Affleck, Illeana Douglas,
Dan Hedaya, Kurtwood Smith, Wayne Knight, Alison Folland. Estreia:
20/5/95 (Festival de Cannes)
Vencedor do Golden Globe de Melhor Atriz Comédia/Musical (Nicole Kidman)
No
livro "To die for", de Joyce Maynard, a protagonista - que sonha
desesperadamente tornar-se famosa - declara que, se um filme fosse feito
a respeito de sua vida, ela gostaria de ser interpretada pela atriz
Nicole Kidman (à época do lançamento ainda conhecida mais como a esposa
de Tom Cruise do que por seus dotes dramáticos). Coincidência ou
destino, anos depois, quando o cineasta Gus Van Sant viu Meg Ryan pular
fora da adaptação do romance de Maynard foi Kidman quem o procurou,
ávida pela chance de estrelar o filme, por cujo roteiro ela havia se
apaixonado perdidamente. Seu assédio a Van Sant funcionou e o Hollywood
viu surgir uma estrela de primeira grandeza. Mesmo ignorada pelo Oscar,
Nicole abocanhou o Golden Globe de melhor atriz em comédia ou musical,
recebeu elogios unânimes da crítica e, pela primeira vez desde que
aportou no cinema americano mostrou que era bem mais do que um rosto
lindo e um corpo desejável: ela era uma intérprete de verdade.
Vindo
do fiasco crítico e comercial de "Até as vaqueiras ficam tristes" (93),
um western lésbico estrelado por Uma Thurman, o diretor Gus Van Sant
não poderia ter escolhido melhor o material para sua volta ao trabalho.
Ácido e momentoso, o romance de Maynard brincava com o culto à
celebridade, o desejo irracional por fama a qualquer custo e o
desmoronamento da instituição do casamento com um humor delicioso, tom
mantido no roteiro enxuto de Buck Henry, que consegue jogar com o
suspense, o erotismo, o documentário e a comédia sem nunca embaralhar os
gêneros. É crédito também de Henry - e um poucão da atuação de Kidman -
conseguir fazer com que o público sinta-se conectado à protagonista
apesar de todos os seus pecados e crimes. Poucas vezes o cinema
americano mostrou uma personagem central feminina tão amoral, ambiciosa e
fria como Suzanne Maretto. E poucas vezes o público ficou tão encantado
com uma personagem desse naipe.
Morando
na pequena cidade de New Hampshire, Suzanne Stone (uma Kidman loira e
perigosa em sua sensualidade latente) tem como maior objetivo da vida
ser famosa e sabe o que fazer para realizar seu intento. Em seu caminho
para ser a âncora do telejornal local, porém, ela esbarra justamente na
única pessoa que deveria estar a seu lado: o marido, Larry (Matt
Dillon). Boa-praça e querido por todos, ele é o herdeiro de um pequeno
restaurante na cidade, tem uma relação de extremo afeto com a família e é
apaixonado pela esposa até o limite da quase cegueira. Com ambições bem
menores do que as dela, ele deseja fazer uma reforma em seu negócio,
ter filhos e viver uma tranquila e pacata vida de casado. Apavorada com
tal possibilidade, Suzanne aproveita que está fazendo um documentário
sobre a adolescência para a TV local para seduzir um de seus
entrevistados, o rebelde Jimmy Emmett (Joaquin Phoenix), e convencê-lo a
tirar Larry da jogada.
Uma femme fatale das mais
atrevidas e cínicas, Suzanne Maretto chora cinicamente quando precisa
mostrar-se arrasada, usa e abusa do poder de sedução para enlouquecer
jovens no auge da testosterona, mente sobre o que for preciso e recorre
até ao homicídio para conquistar seus objetivos. Sua absoluta falta de
pudor acaba fazendo com que a personagem escape da esfera do trágico
para atingir o cômico, o que é um acerto e tanto do roteiro e da
direção. Ao dar leveza à trágica história que conta, Van Sant permite ao
público um respiro de alívio que, mesmo sendo de viés, o afasta da
tensão e do peso. Para isso, ele conta com a interpretação irretocável
de Nicole Kidman, que deita e rola em um dos melhores papéis de sua
carreira: além de extremamente sexy, ela transmite todas a complexidade
da personagem sem nunca cair na caricatura ou no exagero. A seu lado,
cabe a Matt Dillon e Joaquin Phoenix pontuar com correção um show de
perfeito timing cômico e dramático.
Filmes, filmes e mais filmes. De todos os gêneros, países, épocas e níveis de qualidade. Afinal, a sétima arte não tem esse nome à toa.
domingo
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