SEGREDOS
DO PODER (Primary colors, 1998, Award Entertainment/BBC Films, 143min)
Direção: Mike Nichols. Roteiro: Elaine May, livro de autor anônimo.
Fotografia: Michael Ballahaus. Montagem: Arthur Schmidt. Música: Ry
Cooder. Figurino: Ann Roth. Direção de arte/cenários: Bo Welch/Cheryl
Carasik. Produção executiva: Jonathan D. Krane, Neil Machlis. Produção:
Mike Nichols. Elenco: John Travolta, Emma Thompson, Billy Bob Thornton,
Kathy Bates, Adrian Lester, Larry Hagman, Maura Tierney, Diane Ladd,
Paul Guilfoyle, Allison Janney, Rob Reiner. Estreia: 20/3/98
2 indicações ao Oscar: Atriz Coadjuvante (Kathy Bates), Roteiro Adaptado
As semelhanças entre Bill Clinton e
o fictício governador sulista Jack Stanton, personagem central do livro
"Primary Colors" - de um autor anônimo que posteriormente revelou-se
como Joe Klein, jornalista da revista Time - eram tão notórias e óbvias
que, dizem as más línguas, Tom Hanks declinou do convite feito pelo
cineasta Mike Nichols de interpretá-lo na sua versão para as telas por
ser amigo do então presidente. Os temores de Hanks, porém, se mostraram
infundados depois do lançamento do filme: não só Clinton tornou-se fã do
resultado final como o retrato do protagonista é bem menos negativo do
que se poderia imaginar quando se trata de um filme que vasculha os
bastidores - quase sempre abarrotado de lama e cinismo - de uma campanha
eleitoral. Talvez devido ao roteiro banhado em sarcasmo da ótima Elaine
May e talvez pela direção firme do experiente Nichols, "Segredos do
poder" escapa do ranço panfletário frequentemente aborrecido do gênero e
revela à plateia um jogo de interesses, mentiras, ataques e
contra-ataques empolgante, com direito a um elenco impecável e uma
produção sofisticada que se dá ao luxo de ter entre seus atores duas
vencedoras do Oscar, Emma Thompson e Kathy Bates - sendo que Bates quase
arrebatou uma segunda estatueta por seu desempenho como Libby Holden,
valente colaboradora de Stanton em seu caminho rumo à Casa Branca.
Como
normalmente ocorre em tramas semelhantes, toda a ação chega ao
espectador através dos olhos do ingênuo e idealista Henry Burton (Adrian
Lester), neto de uma lenda pela luta pelos direitos civis que enxerga
no governador - vivido com gosto por John Travolta - um homem capaz de
se comprometer com causas populistas e relevantes e que aceita entrar em
sua equipe de campanha. No decorrer do processo de conquista de votos,
porém, Burton começa a notar detalhes nada dignificantes a respeito de
seu novo chefe, como sua tendência ao adultério - sempre relevado
tristemente por sua ambiciosa esposa, Susan (Emma Thompson, perfeita com
sotaque americano) - e a confusões inerentes a esse traço de sua
personalidade, como testes de paternidade e chantagens feitas por
amantes ocasionais. O carisma de Stanton, no entanto, é mais forte do
que suas escapadas sexuais, e o rapaz - cobrado por seus antigos
companheiros de ativismo - vai se deixando levar pelo fascinante jogo
que se desdobra à sua frente. As coisas ficam complicadas mesmo quando o
principal rival de Stanton sofre um ataque cardíaco quase fatal e é
substituído na campanha por outro carismático político, Fred Picker
(Larry Hagman, o eterno J.R. da série "Dallas"), que retorna aos
palanques anos depois de ter-se retirado da vida pública e se transforma
em uma séria ameaça aos planos do galante governador.
Veterano
em arrancar interpretações excepcionais dos atores com quem trabalha,
Mike Nichols não faz diferente em "Segredos do poder": um dos maiores
destaques do filme é o elenco, recheado de astros reconhecidos do grande
público vivendo personagens que fogem do maniqueísmo habitual do
cinemão hollywoodiano e portanto, são um desafio considerável a quem
deseja conquistar uma plateia mal-acostumada com os simplismos
rotineiros. John Travolta, por exemplo, apesar de não deixar de ser ele
mesmo em nenhum momento, constroi um Jack Stanton encantador, mesmo que a
audiência saiba de suas canalhices e suas demagogias. Emma Thompson
brilha em uma Hilary Clinton mais pobre, uma mulher forte e determinada
capaz de passar por cima do próprio orgulho por uma causa que considera
mais importante: a vitória nas urnas. E Kathy Bates quase rouba a cena
como Libby Holden, uma idealista e honesta partidária que vê seus
princípios postos em xeque quando fica frente a frente com a verdade nua
e crua dos bastidores sujos de seu meio - sua personagem certamente é a
mais forte da história, oferecendo ao desfecho um senso ético e mordaz
que transforma a fábula roteirizada por Elaine May - uma humorista
experiente que preenche de sarcasmo e humor fino um drama que seria
cômico se não fosse trágico.
Longe de ser um drama
didático e aborrecido sobre os meandros da política norte-americana,
"Segredos do poder" é um filme sobre a hipocrisia generalizada, sobre a
podridão escondida nos bastidores do poder, sobre ideologias sendo
esmagadas pelas circunstâncias. Em 2011, George Clooney lançou um filme
ainda mais contundente sobre o assunto, "Tudo pelo poder", estrelado por
ele mesmo e Ryan Gosling, mas este pequeno tratado de Mike Nichols
ainda se mantém como uma das mais interessantes obras a respeito do
pantanoso mundo político.
Filmes, filmes e mais filmes. De todos os gêneros, países, épocas e níveis de qualidade. Afinal, a sétima arte não tem esse nome à toa.
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