quarta-feira

BAGUNCEIRO ARRUMADINHO

BAGUNCEIRO ARRUMADINHO (The disorderly orderly, 1964, Jerry Lewis Production, 90min) Direção: Frank Tashlin. Roteiro: Frank Tashlin, estória de Norm Liebmann, Ed Haas. Fotografia: W. Wallace Kelley. Montagem: Russell Wiles, John Woodcock. Música: Joseph J. Lilley. Figurino: Edith Head. Direção de arte/cenários: Tambi Larsen, Hal Pereira/Sam Comer, Ray Moyer. Produção executiva: Jerry Lewis. Produção: Paul Jones. Elenco: Jerry Lewis, Glenda Farrell, Susan Oliver, Karen Sharpe. Estreia: 16/12/64

Sempre que Jerry Lewis assumia o comando absoluto de seus filmes (atuação, roteiro, direção e produção), eles corriam o sério risco de cair na armadilha do egocentrismo de seu criador - que, por trás das câmeras, era bastante diferente dos personagens afáveis que encarnava para alegria de seus (muitos) fãs e desgosto de seus (inúmeros) detratores. Filmes como "O professor aloprado" (63), por mais sucesso que tivessem, frequentemente esbarravam em sua monstruosa egolatria e o impediam de enxergar os excessos de seu humor quase infantiloide (mas por isso mesmo imensamente popular). Nas mãos do cineasta Frank Tashlin, porém, ele encontrava o tão necessário equilíbrio entre seu desejo de agradar à plateia e a vontade de massagear sua autoestima. "Bagunceiro arrumadinho" faz parte desse grupo de filmes bem-sucedidos, ao não abrir mão das gags visuais que fizeram a fama de Lewis mas tampouco esquecer de um fundamento primordial do cinema: contar uma história.

O próprio Tashlin é também roteirista do filme, utilizando-se de uma história criada por Norm Liebmann e Ed Haas para narrar as aventuras cômico-românticas de Jerome Littlefield, vivido por um Jerry Lewis surpreendentemente menos histérico do que o normal. Impedido de cursar a faculdade de Medicina com que sonhava, Littlefield resolve dedicar-se à carreira de cuidador em uma clínica de repouso onde também trabalha sua namorada, a enfermeira Julie Blair (Karen Sharpe). Seu jeito desastrado de realizar as tarefas mais simples o levam a bater de frente com a enfermeira-chefe, Maggie Higgins (Kathleen Freeman), mas o que realmente irá abalar sua rotina relativamente tranquila é o reencontro com Susan Andrews (Susan Oliver), por quem ele era apaixonado na escola e que dá entrada na clínica após uma tentativa de suicídio. Para mantê-la internada mesmo sem ter dinheiro para pagar as despesas, Jerome resolve trabalhar sem folga, para desespero de Julie, que não consegue evitar o ciúme.


Como sempre acontece nos filmes de Lewis, o roteiro é uma sucessão de sequências de humor visual, que exploram o grande talento do ator em demonstrar uma elasticidade física anormal e uma inteligência acima da média em encontrar graça nas situações mais imprevistas. Dono de algumas cenas clássicas do humor americano dos anos 60 - principalmente a que envolve um paciente praticamente mumificado pelo protagonista que rola pelo gramado da clínica - "Bagunceiro arrumadinho" é feliz também em assumir um lado romântico mais acentuado do que os filmes anteriores do astro. Mesmo que o triângulo amoroso central não seja o foco da narrativa, é refrescante acompanhar um romance quase ingênuo, que contrastava com a explosão do chamado "amor livre" que aos poucos também chegava à Hollywood e ao cinema internacional. De olho no público infantil que tanto o adorava, Lewis não ousava tematicamente, e esse seu apelo universal e atemporal nunca esteve tão evidente quanto nesse trabalho de Tashling, que mantém até hoje sua energia e sua leveza.

Nenhum dos filmes estrelados por Jerry Lewis pode ser considerado uma obra-prima do cinema - a não ser que se compartilhe da opinião dos críticos franceses da prestigiada "Cahièrs du Cinema". No entanto, "Bagunceiro arrumadinho" é, talvez, o mais perto de demonstrar toda a extensão de seu talento como ator e humorista. Ainda que "O professor aloprado" seja normalmente citado como o melhor de seus filmes, é aqui que ele equilibra com mais felicidade a sutileza, o escracho e a sua tendência a devastar cenários com a maior naturalidade - característica que ele legou a nomes como Rowan Atkinson (o Mr. Bean) e a Jim Carrey em seus primeiros filmes. É curto, é agradável e faz rir, mas para isso é preciso que se deixe de lado qualquer preconceito contra o humor visual e não se busque mais do que algumas boas risadas. "Bagunceiro arrumadinho" é Jerry Lewis em sua essência. Para o bem e para o mal.

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