sexta-feira

REPULSA AO SEXO

REPULSA AO SEXO (Repulsion, 1965, Compton Films, 105min) Direção: Roman Polanski. Roteiro: Roman Polanski, Gerard Brach, adaptação de David Stone. Fotografia: Gilbert Taylor. Montagem: Alastair McIntyre. Música: Chico Hamilton. Direção de arte: Seamus Flannery. Produção: Gene Gutowski. Elenco: Catherine Deneuve, Ian Hendry, John Fraser, Yvonne Furneaux, Patrick Wymark. Estreia: 19/5/65 (Festival de Cannes)

A intenção do cineasta Roman Polanski e do roteirista Gerard Brach era simples e clara: eles queriam realizar um filme bem-sucedido comercialmente que lhes desse financiamento para aquele que consideravam um projeto mais pessoal e ambicioso, o suspense "Armadilha do destino". Para isso, aceitaram a encomenda de uma produtora de filmes pornô - a Compton Films - para que criassem um filme de terror que mudasse um pouco sua imagem diante do público. Com um orçamento ínfimo de 270 mil dólares, uma atriz francesa ainda iniciante chamada Catherine Deneuve liderando o elenco e uma trama que se utilizava da auto-repressão sexual como ponto de partida, "Repulsa ao sexo" saiu do Festival de Berlim de 1965 com o Prêmio Especial do Júri e representou o início de uma relação de admiração e prestígio da crítica em relação ao diretor. Em seu primeiro filme em língua inglesa, Polanski já deixava claro seu interesse quase obsessivo pelo lado escuro da vida, uma marca inconfundível de sua filmografia futura - e demonstrava que, como poucos cineastas de sua geração, sabia como manipular o suspense sem apelar para o susto fácil.

A trama de "Repulsa ao sexo" se passa em Londres, mas uma Londres em preto-e-branco bem distinta da capital inglesa da geração flower power ou do amor livre. É por ruas sem glamour ou alegria que passa todos os dias a caminho do seu trabalho em uma clínica de estética a tímida e discreta Carol Ledoux (vivida com graça e competência por uma Catherine Deneuve no auge da beleza). Avessa a qualquer tipo de aproximação masculina - inclusive do eterno pretendente, Colin (John Fraser) - e a todo tipo de menção a fatos relacionados a sexo e relacionamentos, Carol sente-se desconfortável com a constante presença do amante de sua irmã, Helen (Yvonne Furneaux), no apartamento alugado que dividem. Para ela, não é apenas o fato de Michael (Ian Hendry) ser casado que a incomoda, e sim sua proximidade e sua ostensiva felicidade sexual, que a afrontam e deixam aflorar, pouco a pouco, um desequilíbrio só perceptível em detalhes como a apatia e a tensão intermitente. Quando Helen e Michael viajam juntos e a deixam sozinha em casa, Carol começa a escorregar definitivamente para a loucura: sofrendo de alucinações de todo tipo (como braços que saem das paredes para agarrá-la) e o medo cada vez mais patológico de qualquer contato com homens (sejam eles amigáveis como Colin ou desprezíveis como o senhorio que vai cobrar o aluguel e a assedia sexualmente), a jovem perde de vez o vínculo com a sanidade mental.


Sem apostar em psicologismos baratos para explicar as razões de sua protagonista - as conclusões podem ser tiradas de acordo com a bagagem do espectador - Roman Polanski prefere conduzir sua narrativa de forma a mergulhar o espectador na aterrorizante jornada de Carol sem buscar subterfúgios que não os visuais. E para isso, ele conta com a brilhante fotografia de Gilbert Taylor - que investe em lentes grandes angulares para distorcer tanto o ponto de vista da personagem quanto a maneira com que o mundo à sua volta vai se tornando gradualmente mais expressionista e claustrofóbico - e a direção de arte inteligente, que cria um cenário aparentemente banal (um apartamento barato) para transformá-lo, no decorrer da história, no palco de uma tragédia quase anunciada, com direito a sangue, a carne de um coelho que vai apodrecendo lentamente e um clima de tensão absoluta, pontuado pela trilha sonora discreta de Chico Hamilton, que evita invadir desnecessariamente as cenas, explodindo apenas quando torna-se essencial.

É especialmente interessante a maneira com que Polanski espalha, pelo filme, referências fálicas que enfatizam ainda mais o estado de espírito doentio de sua protagonista. São escovas de dente dentro de copos, cigarros em cinzeiros e edifícios que atormentam Carol em seu dia-a-dia, preenchidos ainda com as reclamações de suas colegas de trabalho a respeito dos homens, trabalhadores de obras que não hesitam em passar-lhe cantadas e uma rotina profissional tediosa que não a impede de afundar sem proteção em seu desatino. É brilhante a metáfora das paredes rachadas no apartamento - que refletem com exatidão a fragmentação da personalidade de Carol e a inevitabilidade de seu desmoronamento. O roteiro de Polanski e Brach não poupa nem a personagem nem o público, sufocando-os com um manto de angústia e solidão que encontra amparo na atuação perfeita de Catherine Deneuve, que consegue o feito de conquistar a plateia com sua aflição e fazê-la inclusive perdoar seus atos de violência. Primeiro filme da "trilogia do apartamento" de Roman Polanski - que se completa com "O bebê de Rosemary" (68) e "O inquilino" (76), estrelado pelo próprio diretor - "Repulsa ao sexo" é um suspense psicológico exemplar, tanto do ponto de vista formal e estético quanto de narrativa. Para ver e rever.

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