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A JANELA DA FRENTE

A JANELA DA FRENTE (La finestra di fronte, 2003, R&C Produzioni, 106min) Direção: Ferzan Ozpetek. Roteiro: Ferzan Ozpetek, Gianni Romoli. Fotografia: Gianfilippo Corticelli. Montagem: Patrizio Marone. Música: Andrea Guerra. Figurino: Catia Dottori. Direção de arte/cenários: Andrea Crisanti/Massimiliano Nocente. Produção: Tilde Corsi, Gianni Romoli. Elenco: Giovanna Mezzogiorno, Raoul Bova, Massimo Girotti, Filippo Nigro, Serra Yilmaz. Estreia: 28/02/03

Na Roma de 1943, em plena II Guerra Mundial, um jovem auxiliar de padeiro se engalfinha violentamente com seu patrão, aparentemente sem nenhum motivo. Seis décadas depois, um senhor de idade e sem memória vaga pelas ruas da cidade e é auxiliado por um casal em crise, que tentará ajudá-lo a recuperar os dados que podem lhe devolver à sua casa. Esses dois acontecimentos, a princípio aleatórios mas aos poucos interligados, são a base de "A janela da frente", belo drama romântico do cineasta turco Ferzan Ozpetek, que consegue, em menos de duas horas, equilibrar um par de histórias de amor separadas por sessenta anos sem aborrecer nem confundir a plateia, entregando-lhe, ao final da projeção, um espetáculo sensível e honesto sobre relações humanas e sonhos perdidos. Também diretor do elogiado "Um amor quase perfeito" - que retratava a relação de uma mulher com o amante gay de seu falecido marido - Ozpetek é um realizador mais preocupado com as nuances da alma humana do que com estripulias visuais, o que faz de seus filmes experiências bastante ricas emocionalmente. Não é diferente dessa vez: mesmo que utilize com inteligência artifícios visuais pouco frequentes em sua carreira, é a alma de cada um de seus protagonistas que tem importância vital à narrativa.

Em seu último filme, Massimo Girotti - ator de clássicos italianos de Luchino Visconti, Vittorio De Sica e Pier Paolo Pasolini, entre outros, e a quem o filme é dedicado - interpreta o misterioso Simone, o homem desmemoriado que o destino põe no caminho de Giovanna (Giovanna Mezzogiorno, de "O último beijo") e Filippo (Filippo Nigro), um belo casal que enfrenta graves problemas financeiros e de relacionamento: ela abandonou o sonho de construir uma carreira de confeiteira para trabalhar como fiscal em uma empresa que vende frangos congelados e ele não consegue manter-se em nenhum emprego, por mais esforço que faça. Pais de dois filhos pequenos, eles tem ideias conflitantes também em relação ao próprio Simone, que Filippo insiste em levar para sua casa depois de uma frustrada tentativa de identificação na delegacia. As brigas constantes entre eles acaba aproximando Giovanna de Lorenzo (Raoul Bova), gerente de banco que mora no prédio em frente ao seu e não esconde a atração que sente por ela. Juntos, eles acabam por começar a desvendar a verdade sobre o enigmático veterano quando descobrem que ele é um sobrevivente do Holocausto.


Soltando as pistas sobre a real identidade de Simone aos poucos, enquanto explora com delicadeza e inteligência o nascente romance entre Giovanna e Lorenzo, o roteiro co-escrito pelo cineasta equilibra seus dois focos narrativos sem atropelos, dedicando atenção a cada um deles com igual carinho. Conforme a história de Simone vai se revelando ao público - com seus desdobramentos trágicos e inesperados - ela também vai afetando, com sua força, o cotidiano de Giovanna, que passa a questionar suas escolhas e seu destino. Mesmo casada com um homem bom, honesto e dedicado à família, ela não deixa de sentir que a chama da paixão e do desejo há muito vem se extinguindo, e que a presença de Lorenzo - charmoso, inteligente, carinhoso - pode ser o catalisador de importantes mudanças em sua vida. Para isso, ela conta com o apoio da vizinha Emine (Serra Yilmaz), uma imigrante ilegal que também é sua colega de trabalho e, consciente de seus problemas conjugais, a incentiva a tentar um novo e excitante romance.

Com um desfecho coerente e melancólico, que sublinha o talento de Ozpetek em contar histórias simples e emocionalmente realistas, "A janela da frente" é um filme tipicamente italiano - com um subtexto sociopolítico que comenta o desemprego, a imigração e as consequências ainda sentidas da II Guerra - sem os exageros normalmente associados à filmografia do país. Bem dirigido, escrito com sensibilidade e interpretado por atores nitidamente apaixonados pela história que estão contando, é mais um belo trabalho na carreira do diretor, que não esconde sua simpatia pelas pessoas comuns enquanto as retrata com grandiosidade e generosidade. Um filme a ser descoberto!

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