terça-feira

GANGUES DE NOVA YORK

GANGUES DE NOVA YORK (Gangs of New York, 2002, Miramax, 167min) Direção: Martin Scorsese. Roteiro: Jay Cocks, Steven Zaillian, Kenneth Lonergan, estória de Jay Cocks. Fotografia: Michael Ballhaus. Montagem: Thelma Schoonmaker. Música: Howard Shore. Figurino: Sandy Powell. Direção de arte/cenários: Dante Ferreti/Francesca LoSchiavo. Produção executiva: Maurizio Grimaldi, Michael Hausman, Michael Ovitz, Bob Weinstein, Rick Yorn. Produção: Alberto Grimaldi, Harvey Weinstein. Elenco: Daniel Day-Lewis, Leonardo DiCaprio, Cameron Diaz, Liam Neeson, John C. Reilly, Jim Broadbent, Henry Thomas, Brendan Gleeson, Gary Lewis, Stephen Graham, Eddie Marsan, Cara Seymour. Estreia: 09/12/02

10 indicações ao Oscar: Melhor Filme, Diretor (Martin Scorsese), Ator (Daniel Day-Lewis), Roteiro Original, Fotografia, Montagem, Figurino, Direção de Arte/Cenários, Canção ("The hands that built America"), Som
Vencedor de 2 Golden Globes: Diretor (Martin Scorsese), Canção ("The hands that built America") 

Um dos projetos de estimação do cineasta Martin Scorsese, "Gangues de Nova York" começou a ser gerado ainda nos anos 70, quando o diretor ainda era uma jovem promessa, vindo do sucesso de crítica de seu "Taxi driver". Mais de duas décadas depois - e após uma sucessão de altos e baixos e uma bem-sucedida parceria artística com Robert DeNiro - parecia-lhe que enfim era chegada a hora de mostrar nas telas um pouco das origens da mais famosa cidade do mundo, com toda a sua violência sanguinária substituindo o glamour e o charme da metrópole tão querida por ele. Com base em uma estória do roteirista Jay Cocks desenvolvida por anos e anos, surgiu então um filme que, a despeito de todos os talentos envolvidos e das expectativas geradas por tanta espera, não atinge todo o seu potencial. Mesmo com um orçamento generoso de mais de 80 milhões de dólares, falta a ele uma alma e um foco narrativo mais atraente do que uma simples história de vingança tendo como pano de fundo as cruéis batalhas que pavimentaram o solo da Grande Maçã durante a Guerra de Secessão.

Obcecado pela história de Nova York desde que descobriu, no início de 1970, um livro escrito por Herbert Asbury, Scorsese dedicou tempo, paixão e energia a descobrir uma forma de contar cinematograficamente parte de uma longa e complicada história envolvendo os conflitos entre americanos protestantes e irlandeses católicos que encharcavam de sangue as calçadas da cidade com o objetivo de controle. Foi somente na década de 90 que surgiu a ideia de concentrar a trama em um personagem real - Bill "The Butcher" Poole - e, modificando alguns detalhes de sua biografia (mais significativamente a data de sua morte, ocorrida antes dos fatos mostrados no filme), envolvê-lo em uma história de vingança familiar. Tomava forma, assim, a estrutura final de uma obra complicada, cara e que se tornou um dos lançamentos mais ansiosamente aguardados de 2001 - e que, devido a constantes atrasos em seu cronograma de filmagens, só chegou às telas no final de 2002, dividindo a opinião do público, da crítica e até das cerimônias de premiação: indicado a dez Oscar, "Gangues de Nova York" testemunhou de mãos vazias a festa de "Chicago" e "O pianista", mesmo tendo sido agraciado pelos Golden Globes de melhor ator (Daniel Day-Lewis) e canção (a bela "The hands that built America", da banda irlandesa U2).


Interpretado com a dedicação habitual por Daniel Day-Lewis - em uma atuação que empresta um tom caricato a um personagem de nuances trágicas e épicas - Bill, o Açougueiro é o líder de uma das gangues que controlam um dos distritos de Nova York na metade do século XIX. Durante uma das sangrentas batalhas entre elas, ele não hesita em matar cruelmente um rival, o irlandês "Priest" Vallon (Liam Neeson), sob os olhos do filho deste, uma criança que, órfã e criada em um orfanato católico, cresce com o desejo de vingança como principal objetivo de vida. Dezesseis anos mais tarde, o menino, chamado Amsterdam (e na pele de Leonardo DiCaprio em sua primeira colaboração com Scorsese, de quem se tornaria parceiro artístico constante) volta às ruas de sua cidade e a encontra sob uma constante tensão racial e social, com os políticos tentando de qualquer maneira conquistar os votos dos imigrantes, que são tratados como seres insignificantes por gente com Bill. Em sua gana de vingar a morte do pai, Amsterdam se aproxima do temido líder e se torna seu homem de confiança - até ser traído inesperadamente e ser obrigado a enfrentar seu inimigo em plena Revolta do Alistamento (quando a comunidade pobre, inconformada com o alto custo da taxa que liberava os jovens do alistamento militar).

Tecnicamente impecável, com uma reconstituição de época brilhante - as filmagens aconteceram na Cinecitta, na Itália - e a direção sempre vigorosa e detalhista de Scorsese, "Gangues de Nova York"  é um superespetáculo visual, repleto de sequências criativas, fortes e marcantes, mas infelizmente derrapa nas suas boas intenções. O roteiro - co-escrito pelo oscarizado Steven Zaillian e por Kenneth Lonergan, conhecido por seus filmes independentes - falha em conectar seus protagonistas, negando ao público a chance de se deixar envolver pela vingança de Amsterdam ou compreender a contento todas as nuances da história da cidade. Até mesmo a inclusão de uma desnecessária personagem feminina, a punguista Jenny Everdeane (a sempre insossa Cameron Diaz, nome imposto pelos produtores para incrementar as chances comerciais do filme) soa como uma tentativa desastrada de aliviar a violência do enredo, com um romance também pouco convincente. Indeciso entre narrar batalhas sangrentas, um drama familiar ou uma história de amor, Scorsese acaba por ficar no meio-termo em todas as frentes, prejudicando tanto o ritmo quanto a profundidade daquela que poderia ser a sua obra-prima. Para isso colabora também a atuação de Leonardo DiCaprio - que no mesmo ano protagonizou o divertido "Prenda-me se for capaz", de Steven Spielberg: apesar de elogiado por boa parte da crítica, o jovem ator não consegue transmitir, em seu trabalho, todas as possibilidades de seu personagem.

No entanto, apesar dos pesares, "Gangues de Nova York" é um típico Martin Scorsese, o que faz dele programa obrigatório para qualquer cinéfilo. Mesmo longe de tudo que poderia ser - em parte porque o orçamento não comportou toda a grandeza do roteiro final - o filme tem qualidades em número mais do que suficiente para agradar a quem procura uma produção caprichada, com bons atores e comandada por um cineasta cuja paixão transpira em cada fotograma.

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