UM
AMOR NA TRINCHEIRA (Soldier's wife, 2003, Showtime, 112min) Direção:
Frank Pierson. Roteiro: Ron Nyswaner. Fotografia: Paul Sarossy.
Montagem: Katina Zinner. Música: Jan A.P. Kaczmarek. Figurino: Patrick
Antosh. Direção de arte/cenários: Lindsey Hermer-Bell/David Edgar.
Produção: Doro Bachrach, Linda Gottlieb. Elenco: Troy Garity, Lee Pace,
Shawn Hatosy, Andre Braugher, Philip Eddols, Merwin Mondesir. Estreia:
20/01/03 (Festival de Sundance)
Filho da atriz Jane
Fonda com o ativista político Tom Hayden, o ator Troy Garity não é um
rosto conhecido do grande público, construindo sua carreira sem a sombra
do sobrenome famoso e sem participar de superproduções milionárias. Tal
discrição, no entanto, não significa falta de talento, como ele deixa
bem claro no filme "Um amor na trincheira", realizado para a TV a cabo
americana e que lhe deu uma indicação ao Golden Globe e ao Independent
Spirit Awards. Dirigido por Frank Pierson (roteirista oscarizado do
clássico "Um dia de cão") e baseado em uma história real, o filme também
marcou a estreia do ator Lee Pace, que anos depois faria sucesso como o
protagonista da telessérie "Pushing daisies". Irreconhecível na pele de
um transsexual que se envolve em uma trama de amor e violência, Pace
entrega uma atuação irretocável em um filme acima da média e,
considerando o veículo para o qual foi produzido, bastante ousado na
temática e em cenas bastante gráficas de sexo.
Escrito
por Ron Nyswaner - indicado ao Oscar por "Filadélfia" - "Um amor na
trincheira" (título um tanto equivocado, uma vez que a trama se passa
longe de qualquer campo de batalha) começa com a chegada do introvertido
Barry Winchell (vivido por Garity) a um quartel-general do interior do
Tennessee. Com pouca experiência na bagagem, ele é auxiliado pelo
Sargento Diaz (Andre Braugher) a encontrar um meio de conviver com um
grupo de colegas de personalidades bastante diversas, em especial o
hiperativo Justin Fisher (Shawn Hatosy), que sofre com problemas
relativos à sua dependência em remédios. Os dois começam uma espécie de
amizade torta - Fisher não parece ser uma pessoa das mais confiáveis - e
vão juntos, em um grupo com outros soldados, a uma boate gay da cidade,
chamada Visions, que tem apresentações de drag-queens entre suas
atrações. Uma dessas artistas, Calpernia Addams (Lee Pace) acaba
chamando a atenção de Winchell, que se apaixona por ela a despeito de
nunca ter tido inclinações homossexuais. O romance hesitante entre os
dois - ela com medo de ser rejeitada posteriormente, ele confuso em
relação a seus sentimentos - é ameaçado também pelo preconceito: lutando
contra os próprios desejos reprimidos, Fisher aproveita a chegada de um
novo recruta para incentivar a violência homofóbica que resultará em
uma tragédia.
Intercalando
em seu roteiro a história complexa do relacionamento entre Calpernia e
Winchell - recheada de demônios recíprocos e banhada em uma sensualidade
realista mas nunca vulgar - e a tensa relação entre o rapaz e seus
colegas de farda - sempre a um passo da violência mais cruel e
inesperada - "Um amor na trincheira" conduz o espectador a um universo
repleto de dicotomias e paradoxos (masculino/feminino; amor/ódio;
carinho/violência), mas retratado com seriedade por um diretor cujo
objetivo não é explorar suas características excêntricas, e sim os seres
humanos por trás delas. Lee Pace imprime uma sobriedade comovente como
Calpernia, transmitindo ao espectador todas as angústias de sua
personagem sem apelar para a caricatura barata. Construindo-a com
respeito e sensibilidade, Pace dá a ela uma grandeza trágica e estoica
que contrasta com a fragilidade emocional de Winchell, vivido por Garity
com um misto de masculinidade delicada e força física sempre prestes a
explodir. A química entre ambos é excepcional, especialmente nos
momentos íntimos, em que equilibram desejo, romance e medo em iguais
proporções. É admirável, aliás, o trabalho de maquiagem que deixa Pace
irreconhecível na pele de Calpernia Addams: em cena, ele é uma mulher
quase perfeita, o que explica a atração irresistível de seu amado
soldado.
E se o casal central conquista pela química
irretocável, o elenco coadjuvante também é digno de nota, em especial o
jovem Shawn Hatosy, que interpreta o quase psicopata Justin Fisher.
Vindo de papéis pequenos em filmes como "Será que ele é?" ou de mais
destaque, como um dos herois de "Prova final", ele surpreende ao
conceber um personagem extremamente difícil, cujas idiossincrasias e
desejos controlados e não aceitos conduzem a um ato de absoluta e
inexplicável crueldade. O terço final do filme, que leva a tal desgraça,
é de uma claustrofobia quase palpável, acentuada pela direção
parcimoniosa e delicada de Pierson, incapaz de explorar o perfil
voyeurístico do espectador pelo simples prazer do ato. Honrando a
história real no qual é baseado, "Um amor na trincheira" é um belo
espetáculo, digno e chocante.
Filmes, filmes e mais filmes. De todos os gêneros, países, épocas e níveis de qualidade. Afinal, a sétima arte não tem esse nome à toa.
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