ASSASSINATO
EM GOSFORD PARK (Gosford Park, 2001, USA Films/Capitol Films, 137min)
Direção: Robert Altman. Roteiro: Julian Fellowes. Fotografia: Andrew
Dunn. Montagem: Tim Squyres. Música: Patrick Doyle. Figurino: Jenny
Beavan. Direção de arte/cenários: Stephen Altman/Anna Pinnock. Produção
executiva: Jane Barclay, Sharon Harel, Robert Jones, Hannah Leader.
Produção: Robert Altman, Bob Balaban, David Levy. Elenco: Maggie Smith,
Michael Gambon, Kristin Scott Thomas, Camilla Rutherford, Charles Dance,
Tom Hollander, Jeremy Northam, Bob Balaban, Ryan Phillipe, Stephen Fry,
Kelly McDonald, Helen Mirren, Clive Owen, Eileen Atkins, Emily Watson,
Derek Jacobi, Richard E. Grant. Estreia: 07/11/01 (Festival de Londres)
7
indicações ao Oscar: Melhor Filme, Diretor (Robert Altman), Atriz
Coadjuvante (Helen Mirren), Atriz Coadjuvante (Maggie Smith), Roteiro
Original, Figurino, Direção de Arte/Cenários
Vencedor do Golden Globe de Melhor Diretor (Robert Altman)
Uma
luxuosa casa de campo inglesa pré-II Guerra. Um fim-de-semana festivo,
com convidados elegantíssimos e criados dedicados mas um tanto
ressentidos. Um anfitrião aparentemente generoso, mas dono de segredos
pouco louváveis. Esnobes britânicos e "vulgares" americanos da
terra do cinema. E um homicídio misterioso cometido na biblioteca
obrigando um típico inspetor a penetrar em um mundo de meias-verdades,
traições e romances escusos. Parece Agatha Christie, mas é apenas
"Assassinato em Gosford Park", o filme que deu ao cineasta Robert Altman
sua última indicação ao Oscar, em 2002. Seguindo sua prática de
trabalhar com um numeroso elenco de nomes de primeira linha - aqui
atores britânicos consagrados nos palcos - ele brinca com a tradição dos
romances policiais em um filme que, apesar do título e das
características marcantes de um gênero específico, é mais uma dura
crítica ao sistema de classes inglês do que um mero whodunit.
Com
base em uma ideia de Altman e do ator Bob Balaban, o roteirista Julian
Fellowes - que acabou por ganhar uma estatueta da Academia e depois
tornou-se o criador da aclamada série "Dowtown Abbey" - utilizou-se de
seu vasto conhecimento sobre os hábitos da alta sociedade britânica dos
anos 30 para escrever uma astuciosa história a respeito não apenas de um
assassinato, mas das engrenagens que moviam/movem/moverão o dia-a-dia e
a rotina de patrões e empregados nem sempre felizes com suas relações
de poder e hierarquia. Sutilmente explicitando tais relações em cada
cena (nenhum personagem é mostrado sem que um empregado esteja por
perto, por exemplo), Altman conquistou a crítica também por espalhar por
seu filme uma elegância que reflete com perfeição a frieza e a
indiferença dos personagens em relação à tragédia ocorrida em um dos
aposentos da mansão: para os serviçais importa mais manter o
funcionamento das refeições; para os aristocratas, tudo não passa de
mais um aborrecimento que interrompe um fim-de-semana já movimentado o
bastante por intrigas de bastidores. Essa opção do diretor apenas
confirma seu estilo inconfundível, que a tantos agrada e a outros tantos
repele. "Assassinato em Gosford Park" pode fascinar ou ser simplesmente
chato. Depende apenas do gosto do espectador.
A
história se passa em novembro de 1932, na casa de campo do benemérito
William McCordle (Michael Gambon), que recebe convidados para um
fim-de-semana regado a uma caçada em sua propriedade e jantares
refinados, criados pela veterana cozinheira Mrs. Croft (Eileen Atkins) e
organizados pela rígida governanta, Mrs. Wilson (Helen Mirren). Casado
com a esnobe Lady Sylvia (Kristin Scott Thomas), o aristocrata McCordle
não é exatamente um homem gentil ou delicado, mas é tratado com
deferência pelos convidados, uma vez que, em maior ou menor grau, todos
eles precisam de seu dinheiro,seja para manter um estilo de vida
sofisticado, financiar um filme, manter uma pensão tida erroneamente
como vitalícia ou evitar uma falência. Enquanto no andar de cima o jogo
de interesses corre solto e pouco sutil, na parte de baixo da mansão, os
criados vivem seus próprios dramas - que se misturam aos dos patrões
quando o anfitrião aparece morto e a polícia surge para investigar o
caso.
Em um elenco repleto de grandes atores do teatro e
do cinema britânicos (o americano Ryan Philippe interpreta o criado de
um astro do cinema vivido por Jeremy Northam), é difícil dizer quem está
melhor. Maggie Smith e Helen Mirren foram indicadas ao Oscar de
coadjuvante - a primeira pela interpretação de uma dama antipática e
interesseira que vive da pensão da vítima do homicídio e não esconde seu
desprezo pelos americanos e por aqueles abaixo dela na escala social, e
a segunda como a líder dos empregados que esconde um segredo doloroso
sobre o passado de seu patrão - mas outros nomes se destacam diante dos
lúcidos diálogos de Fellowes. É o caso de Kristin Scott Thomas, mais uma
vez demonstrando seu imenso talento como Lady Sylvia - uma viúva pouco
propensa a sofrer pela morte do marido - e Eileen Atkins, que somente no
terço final da narrativa mostra o poder de sua personagem, até então
relegada a um injusto segundo plano. Dirigidos como se estivessem em uma
bela peça teatral, todos brindam o espectador com trabalhos discretos e
minimalistas, valorizados pelo roteiro aparentemente simples mas
repleto de camadas que somente a experiência de Altman conseguiria
orquestrar.
"Assassinato em Gosford Park" concorreu a
sete Oscar, mas bateu de frente com "Uma mente brilhante" e "O Senhor
dos Anéis: A Sociedade do Anel" na busca pelas estatuetas. Foi (mais) um
retorno de Altman às boas graças da crítica e da Academia, fato que não
se repetiria mais até sua morte em 2006. Pode-se dizer que foi um
testamento à altura de uma carreira que sempre teimou em não respeitar
convenções comerciais - ou então revirá-las a ponto de torná-las
irreconhecíveis. Não é um filme para todos, e sim para seus fãs - que
não são poucos.
Filmes, filmes e mais filmes. De todos os gêneros, países, épocas e níveis de qualidade. Afinal, a sétima arte não tem esse nome à toa.
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