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SECRETÁRIA

SECRETÁRIA (Secretary, 2002, LionsGate Films/Double A Films, 104min) Direção: Steven Shainberg. Roteiro: Erin Cressida Wilson, adaptação de Erin Cressida Wilson, Steven Shainberg, estória de Mary Gaitskill. Fotografia: Steven Fierberg. Montagem: Pam Wise. Música: Angelo Badalamenti. Figurino: Marjorie Bowers. Direção de arte/cenários: Amy Danger/Michael Baker, Michael Murray. Produção executiva: Jamie Beardsley, Joel Posner, P.J. Posner, Michael Roban. Produção: Andrew Fierberg, Amy Hobby, Steven Shainberg. Elenco: James Spader, Maggie Gylenhaal, Lesley Ann Warren, Jeremy Davies, Amy Locane. Estreia: 11/01/02 (Festival de Sundance)

Ela é uma jovem recém-saída de uma instituição para doentes mentais, para onde foi enviada por seu gosto excêntrico pela automutilação. Ele é um advogado sério e misterioso que esconde sua impulsiva tendência à dominar e humilhar suas funcionárias até o limite. Quando eles se encontram - ela se oferece para preencher a vaga de secretária em seu escritório - tudo parece se encaixar. Mas até onde uma história de amor entre duas pessoas tão fora do padrão imposto pela sociedade pode ir? E até onde eles mesmos estão dispostos a chegar em sua bizarra relação? Essas são as questões levantadas pela comédia "Secretária", que deu à Maggie Gyllenhaal uma merecida indicação ao Golden Globe - e antes que alguém se assuste com a classificação do filme de Steven Shainberg como "comédia",  vale dizer que, apesar do tema um tanto pesado, o clima passa longe dos psicologismos kafkianos de um David Lynch ou até mesmo da densidade de "Uma professora de piano", do austríaco Michael Haneke - cuja protagonista vivida por Isabelle Huppert também se torturava com seus desejos masoquistas. Modificando alguns detalhes de um conto de Mary Gaitskill, o filme de Shainberg trata de tudo com leveza e respeito, a ponto de fazer a plateia simpatizar e torcer por sua protagonista.

Muito por causa do talento e da naturalidade de Maggie Gyllenhaal - irmã de Jake e futura esposa do ator Peter Sarsgaard - em encarar sequências que em mãos menos hábeis poderiam soar grotescas, a personagem principal de "Secretária" se desvia com facilidade do caricatural, criando vida própria através de pequenos detalhes que a aproximam do espectador e despertam nele uma empatia essencial para o sucesso do filme. Com seu rosto apropriado para transmitir todos os tipos de sentimentos , Maggie empresta seriedade e delicadeza ao filme mesmo quando ele ameaça escorregar para a vulgaridade - e para isso conta com a direção segura e a excelente química com James Spader, que volta a flertar com a sexualidade alternativa depois de sua explosão como o videomaker impotente de "sexo, mentiras e videotape", que lançou o cineasta Steven Soderbergh em 1988. Juntos, ele e Gylenhaal formam uma das duplas românticas mais extravagantes do cinema independente americano de seu tempo.


Quando o filme começa, Lee Holloway (Maggie Gylenhaal) está saindo da instituição psiquiátrica onde foi internada pelos pais depois de um acidente quase fatal com sua excêntrica mania de se automutilar. Ao contrário da irmã que acaba de se casar, ela preocupa os pais por seu jeito retraído de ser, que esconde um grave problema de autoestima que nem mesmo a corte de um antigo amigo da família, Peter (Jeremy Davis) parece diminuir. Em busca de um emprego para ajudar em sua recuperação, Lee encontra no jornal o anúncio de um vaga para secretária e não demora em encantar seu possível patrão, o advogado E. Edward Grey (James Spader), que a contrata deixando claro que o trabalho é exaustivo, que eles não usam computadores e ele é muito exigente. A jovem, cujas habilidades sociais são praticamente nulas, logo se acostuma com o jeito meio grosseiro do novo chefe, que constantemente a humilha por suas roupas inapropriadas ou por seus erros primários em datilografia. Porém, quando Grey passa a perceber que seus modos dominadores estão atraindo Lee, começa entre eles um jogo de submissão a princípio discreto mas logo muito explícito. Em pouco tempo a secretária está apaixonada pelo patrão - e ele tampouco está indiferente à nova funcionária.

Nem todo mundo vai considerar "Secretária" uma comédia engraçadíssima, e provavelmente nem é essa a intenção de seus realizadores, que em momento algum forçam piadas ou diálogos óbvios. O humor do filme vem da situação surreal que envolve os dois protagonistas, que transferem suas posições hierárquicas profissionais para o campo sentimental num piscar de olhos - e sem medir as consequências de seus atos. Sem desrespeitar a condição psicológica de Lee ou fazer brincadeiras com ela, Shainberg trata sua história como um conto de amor entre pessoas que ousam viver seus desejos e prazeres mesmo que eles pareçam doentios aos olhos alheios. A felicidade com que Lee se entrega às propostas bizarras de Grey - cujo nome foi "emprestado" para o protagonista de "50 tons de cinza" - salva sua vida, apesar dos pesares e o fato de Shainberg dar um final feliz ao casal torna leve o que poderia ser um estudo aborrecido sobre um assunto ainda tabu no cinema americano comercial - ao menos nunca foi tratado com a devida seriedade por ele. Uma comédia romântica atípica feita para quem busca ousadia na sétima arte.

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