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SYLVIA - PAIXÃO ALÉM DAS PALAVRAS

SYLVIA - PAIXÃO ALÉM DAS PALAVRAS (Sylvia, 2003, BBC Films/British Film Council, 110min) Direção: Christine Jeffs. Roteiro: John Brownlow. Fotografia: John Toon. Montagem: Tariq Anwar. Música: Gabriel Yared. Figurino: Sandy Powell. Direção de arte/cenários: Maria Djurkovic/Philippa Hart. Produção executiva: Jane Barclay, Sharon Harel, Robert Jones, Tracey Scoffield. Produção: Alison Owen. Elenco: Gwyneth Paltrow, Daniel Craig, Blythe Danner, Michael Gambon, Jared Harris. Estreia: 17/10/03

Uma dos maiores ícones da poesia americana de todos os tempos, Sylvia Plath passou a maior parte de sua vida intelectual à sombra do marido, o também poeta Ted Hughes, com quem se casou e teve dois filhos antes de cometer suicídio inalando gás de cozinha - um final previsível para uma história de amor, ciúmes, adultério e frequentes crises de depressão. Dirigido pela neozelandesa Christine Jeffs, o filme "Sylvia, paixão além das palavras" tenta dar um pouco de luz à trajetória de Plath, retratando seu relacionamento com Hughes desde seu primeiro encontro, em 1956, na Inglaterra, até sua trágica morte, em 1963, aos 30 anos de idade. Mesmo sem a densidade psicológica e sensível que Stephen Daldry imprimiu ao seu "As horas" - em que uma das protagonistas era a escritora Virginia Woolf, também suicida - o filme de Jeffs consegue ser satisfatoriamente sóbrio e respeitoso ao rejeitar o enfoque sensacionalista da história e dedicar-se à compreensão do drama de sua protagonista, interpretada por uma Gwyneth Paltrow discreta e paradoxalmente visceral.

Mostrando que o Oscar por "Shakespeare apaixonado" não foi apenas uma questão mercadológica como muitos afirmaram, Paltrow entrega, como a torturada Sylvia Plath, um trabalho de carga dramática intensa e febril inédito em sua carreira. Mesmo quando em seus momentos mais iluminados, a Sylvia criada por Paltrow não consegue esconder, em seu belo e plácido semblante, os demônios que a martirizam e que a fizeram conviver desde cedo com severas crises de depressão suicida. Dona de uma beleza clássica, Gwyneth empresta à poeta a delicadeza que torna ainda mais incompreensível o mundo de pesadelos em que ela vivia presa. A opção acertada do roteiro em situar a ação em um recorte de tempo onde tais pesadelos encontraram um ninho mais do que confortável para se multiplicarem - o casamento com Hughes - joga o espectador em meio a um turbilhão passional sublinhado pela bela trilha sonora de Gabriel Yared e pelo desempenho exemplar de Daniel Craig - antes de tornar-se James Bond e já demonstrando uma presença cênica de impacto e inteligência.


De posse de um papel ingrato - o roteiro não faz questão de demonizar Ted Hughes, mostrando-o como um adúltero quase compulsivo que não se importa em arriscar seu casamento e sua família para dormir com uma das alunas e depois com uma amiga do casal - Daniel Craig faz o possível e o impossível para dar-lhe um mínimo de simpatia, e por incrível que pareça, atinge seus objetivos. Mesmo diante de um poeta mulherengo e (de acordo com o filme) auto-centrado, o público não consegue deixar de ver nele um ser humano normal, repleto de incoerências e cercado por uma atmosfera de tristeza e opressão emocional que ao mesmo tempo lhe serve de inspiração para suas louvadas obras e o impele a buscar desesperadamente por uma forma de respirar. Sua química com Gwyneth Paltrow é essencial para que a atmosfera claustrofóbica que cerca o casal funcione à perfeição, em cenas que tanto exploram a sexualidade dos dois (em cenas belamente fotografadas) quanto as dificuldades que os levam ao inferno compartilhado. Mesmo prejudicados por um ritmo um tanto lento - e por cenas que tentam poetizar o dia-a-dia dos protagonistas - os dois atores estão em um momento inspirado de suas carreiras.

Sem o glamour de uma produção hollywoodiana - o filme é co-produzido pela inglesa BBC - "Sylvia, além das palavras" se concentra mais no conteúdo do que na forma, ainda que nem de longe seja desleixado ou visualmente pobre. Ilustrando sua narrativa com poesias da própria biografada, a cineasta Christine Jeffs busca no vazio dos olhos de Gwyneth Paltrow a maior explicação para seus desvarios melancólicos - e eles transmitem, silenciosamente, tudo que é preciso saber sobre sua atormentada alma. Mesmo que não seja tão repleto de matizes quanto o de Nicole Kidman como Virginia Woolf, o trabalho de Paltrow é um dos mais consistentes de sua trajetória artística, infelizmente ignorado por todas as cerimônias de premiação da temporada.

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